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A pressa de Trump em conseguir um cessar-fogo em Gaza, possivelmente usando todas as suas fichas, que não são poucas, para pressionar Netanyahu, devia-se ao seu desejo, melhor, vontade expressa, de ganhar o Prémio Nobel da Paz. Jimmy Kimmel, que voltou ao seu programa, mostrou uns vinte vídeos em que Trump diz com todas as letras que quer o prémio. Obama, que continua a ser a sua némesis mais profunda, ganhou-o em 2009: além disso, Trump, diagnosticado há muito como um narcisista mórbido, acha que todos os títulos do mundo lhe são merecidos. Não faltaram memes com ele vestido de Papa, por altura do Conclave que elegeu Leão XIV.
O facto de Trump sonhar com o galardão já é surreal. Se o ganhasse, o Nobel seria imediatamente desclassificado como uma intrujice internacional. Mas, mais surreal, é o facto de o presidente Putin, oficialmente o seu arqui-inimigo por causa da Ucrânia, ter imediatamente dito na TV russa que o Donald "foi roubado", acrescentando que ele "é um solucionador de problemas políticos complexos" e que "resolve crises que se arrastariam por décadas". A sério isto, não estou a inventar, até porque não tenho cabeça para tanto. Mas Trump respondeu imediatamente, a agradecer ao homem que invadiu a Ucrânia...
Adiante. Claro que todas as emissões e podcasts MAGA comentaram as condolências de Putin. Nós – a Europa, o resto do Mundo, em que há os bons e os maus — ficamos completamente à nora por o russo felicitar o americano exatamente por uma qualidade que ele não tem – senão já teria resolvido a invasão da Ucrânia em 24 horas, como prometeu na campanha.
O representante republicano Buddy Carter propôs que o Congresso se reunisse de emergência para dar ao presidente um "Prémio Nobel Congressional" – o que só não foi adiante porque o Congresso, tal como todo o aparelho de Estado Norte Americano, está encerrado porque o Orçamento não foi aprovado. Já lá vão dez dias e teme-se que muitos funcionários não recebam pelo tempo em que estiveram parados – não será o caso dos congressistas, com certeza.
Isto aconteceu ontem, sexta, o dia em que María Corina Machado ganhou o Nobel, como habitualmente escolhido por um comité de cinco membros do Parlamento norueguês. Aliás há notícias, talvez alarmistas, que a Noruega se está a preparar para a vingança que deve vir da Casa Branca...
Ao atribuir o prémio, o Comité fez considerações sobre o valor da democracia, "uma condição essencial para uma paz duradora". E acrescentou: "A sala onde deliberamos está cheia com os retratos dos laureados cuja coragem e integridade definem o que é paz. Baseamos as nossas decisões em factos e nunca em campanhas".
Mas há mais: o secretário da Guerra, Peter Hegseth (um título que não existe; o verdadeiro é secretário da Defesa) anunciou um acordo "como o mundo nunca viu"; os Estados Unidos vão permitir que o Qatar abra uma base aérea militar no território do país – em Idaho, ao lado da base norte-americana de Mountain Home. Sim, o Qatar, aquele país que alberga os líderes do Hamas que Netanyahu já tentou matar com um ataque cirúrgico.
Diz o comentador político Bem Meiselas: "Enquanto o Executivo navega num caos, virou-se contra os manifestantes pacíficos que planeiam fazer mais uma manifestação 'No Kings' no dia 18. Consideram que é uma demonstração 'pró-Hamas' e 'anti-America'. O presidente do Senado, o inacreditável Mike Johnson, chegou mesmo a chamar-lhes 'manifestações de ódio à América'. Isto, lembremos, no dia em que os Estados Unidos dão espaço para uma base militar do Qatar".
Um dia em cheio. Mas não chegava. Trump arrematou ameaçando com novas tarifas contra a China, o que, como habitualmente, provocou o caos na Bolsa de Valores de Nova Iorque. O problema dos investidores não são as variações de tarifas; é o facto de nunca saber se vão acontecer, quando e quanto. Não admira que o valor do outro tenha atingido os 4.000 dólares a onça. É graças a esta valorização que a Rússia, possuidora de um imenso stock de ouro, consegue manter a máquina de guerra a funcionar sem castigar muito a população civil.
Entretanto, para não termos só notícias que fazem coçar a cabeça de incredibilidade, parece que o cessar fogo em Gaza entrou mesmo em efeito na sexta-feira. As forças israelitas pararam os ataques e começaram a retirar da faixa, e não houve lançamento de foguetes do Hamas sobre Israel.
Mas este primeiro passo não é nada, comparado com o que é necessário decidir a seguir. Para já, há um diferendo entre os prisioneiros que Israel deve libertar, cerca de 4.000. Alguns são dirigentes de topo do Hamas condenados a prisão perpétua e a direita deste governo de direita (leia-se Itamar Ben-Gvir e Bezalel Smotrich) não os quer incluir na troca; e não há número certo para os reféns israelitas ainda na mão do Hamas, e menos se sabe quantos estão vivos. Seriam, diz-se, 48, 28 vivos.
O acordo que agora foi aceite pelo governo israelita e pelo Hamas contém 20 pontos. Num artigo de opinião publicado na Aljazeera, o autor Somdeep Sen considera que "também precisamos de um plano que faça exigências a Israel e elimine a sua índole genocida". Para isso, apresenta 10 pontos que aqui resumo:
1 – Os políticos radicais devem sair do governo e os israelitas têm de aprender a respeitar os palestinianos;
2 – É imperioso mudar a mentalidade das IDF (as forças armadas israelitas) que aprenderam a desumanizar completamente os seus supostos adversários, não distinguindo entre combatentes e civis;
3 – Os líderes políticos e militares israelitas devem ser julgados no Tribunal Criminal Internacional. Várias organizações não governamentais têm recolhido provas para esse efeito;
4 – Gaza deve ser aberta, ou seja, deve acabar o cerco por terra, mar e ar que foi instituído em 2007. Passa a haver liberdade de movimento para pessoas e bens;
5 – Observadores internacionais ou uma força protetora deverá ser estabelecida em Gaza para garantir que não há violações da paz de nenhum dos lados;
6 – Os colonatos israelitas ilegais (segundo a decisão do TCI em 2024) devem ser abandonados e os colonos criminalizados pelas suas actividades nestes últimos dois anos, o que implica não só ataques e ocupação de terras, mas também, lobbying, angariação de fundos e outras actividades para para expansão dos colonatos;
7 – A Cisjordânia (West Bank) e Jerusalém serão desmilitarizados e desocupados;
8 – Devem ser libertados 250 palestinianos condenados a prisão perpétua e 1.700 com outras penas, além dos milhares que nunca foram julgados;
9 – Aos palestinianos deve ser dado o direito de voltarem para as suas casas (ou o sítio onde elas estavam), o que poderá ser feito através de equipas das Nações Unidas nos campos de refugiados em vários países da zona, e não só;
10 – Israel deve permitir que um grupo de especialistas investigue os esforços que foram feitos durante os últimos anos para dar uma boa imagem de Israel e má dos palestinianos pelo mundo todo. (Como exemplo, Israel gastou 150 milhões de dólares em relações públicas em 2024).
Então, e do lado do Hamas, o que se exige? Muito simplesmente que desapareça. Ou seja, que entregue as armas, entulhe os túneis, desmobilize e não concorra a eleições de espécie nenhuma.
Não é preciso ser um especialista para ver que tudo isto, ou pelo menos grande parte, é impossível. Se lhe juntarmos que Trump será o presidente da força indicada no número 5, Tony Blair o executivo, e que o plano de Trump para transformar Gaza na "Riviera do Sul (do Mediterrâneo)" é considerado exequível, já estamos a passar do impossível para o delirante.
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