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Tem sido uma semana agitada para os fãs do Festival Eurovisão da Canção, que se arriscam a ter cada vez menos países participantes no próximo festival. Em causa está a participação de Israel no concurso, com muitos a defender que tal como aconteceu com a Rússia em 2022, este país já devia ter sido expulso devido ao presente conflito com a Palestina.
Até ao momento, Eslovénia, Islândia, Irlanda, Países Baixos e Espanha já ameaçaram ou anunciaram a possibilidade de abandonar o concurso caso Israel participe. Este último passou esta terça-feira da ameaça à efetiva retirada do concurso caso Israel venha mesmo a participar, sendo que, ao contrário dos restantes, a emissora pública espanhola, a RTVE, é um dos principais financiadores do concurso e faz parte dos “Big 5” (França, Alemanha, Itália, Espanha e Reino Unido) que contribuem mais para a EBU e tem acesso direto à final, sem passar pela primeira eliminatória, como é o caso de Portugal.
A questão não é nova: já em 2024 foi necessário o diretor da EBU, Noel Curran, emitir um comunicado a esclarecer a participação de Israel no concurso. Na altura, sublinhava que a organização estava "comovida com o profundo sofrimento de todos os envolvidos nesta guerra terrível (...). No entanto, o Festival Eurovisão da Canção é um evento musical apolítico e uma competição entre emissoras de serviço público membros da EBU. Não é uma competição entre governos". Nesse sentido, foi decidido pelos membros do Conselho Executivo que a emissora pública israelita KAN atendeu a todas as regras da competição para participar como fez nos últimos 50 anos.
Atualmente a questão volta a colocar-se, estando a decorrer uma consulta com as emissoras de todos os países, sobre esta questão. A decisão sobre se Israel competirá ou não no próximo ano deve ser conhecida após a reunião da Assembleia Geral, em dezembro.
Que controvérsias aconteceram com a participação de Israel?
Em 2024, no festival organizado pela Suécia, a música israelita, interpretada por Eden Golan, foi obrigada a mudar de nome para "Hurricane" depois de várias críticas contra o nome original "October Rain", que parecia fazer referência ao ataque liderado pelo Hamas no dia 7 de outubro contra Israel, no qual Israel diz que mais de 1.200 pessoas foram mortas e 240 feitas reféns.
Já a letra, que originalmente incluía os versos "Hours and hours and flowers/Life is no game for the cowards" ("Horas e horas e flores/A vida não é um jogo para covardes", em tradução livre) passou a ser uma balada romântica com frases como "Dancing in the storm, I got nothing to hide/Take it out and leave the world behind/Baby, promise me you hold me again/I'm still taken from this hurricane." ("Dançando na tempestade, não tenho nada a esconder/Leve tudo para fora e deixe o mundo para trás/Querida, prometa que me abraçará novamente/Eu ainda estou longe deste furacão", em tradução livre).
Também em 2024, no próprio dia da participação, na cidade de Malmö (Suécia), aconteceram inúmeros protestos de grupos pró-Palestina contra a participação de Israel e já durante as apresentações houve vaias contra a representante israelita, Eden Golan.
Além disso, vários fãs reclamaram que, em algumas transmissões, os protestos em direto foram suprimidos ou disfarçados por sons de aplausos inseridos na edição para “atenuar” a reação negativa do público.
Ao mesmo tempo, a delegação israelita reclamou que sofreu “ódio sem precedentes” vindo de outras delegações e artistas, simplesmente por serem israelitas, chegou a avançar o Times of Israel.
Por outro lado, alguns artistas e comentadores criticaram a própria participação de Israel enquanto se estivessem a cometer atos militares no conflito, o que prova que é impossível separar a música da política numa situação tão complexa.
Em debate esteve também a enorme discrepância entre o voto do público (televoto) e o voto dos júris. A música “Hurricane” recebeu muitos votos do público, mas foi bastante penalizada nos votos dos júris, o que levou a acusações de que os júris estariam “politizados” ou a favorecer certos países por razões além da música. Por sua vez, no caso do televoto há quem pense que o público teria favorecido Israel por simpatia política ou pelo contexto do conflito que envolve Israel, mais do que pela música em si. Países como Espanha alegaram que o sistema de televoto pode ser influenciado por “votos de simpatia ou solidariedade”.
Este ano, a canção de Yuval Raphael “New Day Will Rise” voltou a ter exatamente o mesmo fenómeno. Dos votos do público, Israel obteve 297 pontos, o valor mais alto do televoto. Mas no voto dos júris profissionais, Israel teve apenas 60 pontos, um resultado muito inferior, que deixou a música em 14.º lugar no ranking do júri e que fez com que fosse impossível ultrapassar o vencedor (Áustria), que teve a melhor soma dos dois.
Recorde-se que no modelo de Eurovisão atual o resultado final de cada país depende de uma combinação: metade dos pontos vêm do público (voto por televoto via chamadas, SMS ou app), metade de jurados profissionais de cada país. Isto significa que mesmo que uma canção seja muito popular entre o público, se cair muito mal junto dos júris, pode não ganhar. E vice-versa: uma canção que ganhe junto dos júris, mas pouco junto do público também pode ficar de fora do topo.
Israel está no Festival Eurovisão da Canção, mas não faz parte da Europa. Porquê?
O Festival Eurovisão da Canção está aberto a todos os membros da União Europeia de Radiodifusão, que representa emissoras de toda a Europa, do Médio Oriente e do Norte de África. A Austrália participa também como convidado desde 2015.
A emissora pública israelita é membro da EBU desde 1957 e participa no Festival Eurovisão da Canção há 50 anos.
Israel foi representada no festival 47 vezes desde a sua estreia em 1973. A atual emissora israelita participante do concurso é a Corporação Pública de Radiodifusão de Israel (IPBC/Kan). Israel venceu o concurso quatro vezes e sediou o evento em Jerusalém em 1979 e 1999 e em Tel Aviv em 2019. A vitória mais recente, pela quarta vez, em 2018, foi mesmo em Lisboa, com "Toy", interpretado por Netta.
O que se espera este ano?
A saída de Espanha representa um duro golpe financeiro e simbólico para a organização do festival, dado o peso do país no orçamento e na dinâmica.
Também no início deste ano, mais de 70 antigos participantes (entre eles Salvador Sobral, António Calvário, Fernando Tordo, Lena D'Água e Paulo de Carvalho) assinaram uma carta a pedir aos organizadores que banissem Israel da competição de 2025 em Basileia, que o cantor austríaco JJ venceu.
No próximo ano, o evento será realizado na capital austríaca, Viena, nos dias 12, 14 e 16 de maio.
O ministro da cultura de Espanha, Ernest Urtasun, disse que Israel não deveria participar, repetindo os apelos feitos pelo primeiro-ministro do país, Pedro Sánchez, no início deste ano.
Em 2024, já se tinha juntado à Noruega e à Irlanda no reconhecimento de um estado palestiniano e, na semana passada, Sánchez acusou Israel de genocídio e anunciou uma série de medidas contra o país, incluindo um embargo de armas.
O ministro dos Negócios Estrangeiros de Israel, Gideon Saar, respondeu acusando o governo de Sanchez de ser antissemita e de usar "retórica selvagem e odiosa".
Alemanha e Itália, também parte dos "Big 5" disseram que se retirarão se Israel for expulso.
Quando a Rússia foi expulsa do concurso de música em 2022, após a invasão da Ucrânia, a razão foi algo diferente, porque se sentiu que as emissoras russas não eram mais independentes do governo russo, algo que até agora não foi uma questão com Israel para os líderes da Eurovisão.
Antes de tomar essa decisão na altura, a EBU disse que tinha realizado uma ampla consulta entre os seus membros em 2022. Naquele ano, a Ucrânia venceu a competição com a canção "Stefania", de Kalush Orchestra.
Recorde-se que a Eurovisão é adorada pelos sucessos pop exagerados, baladas animadas e músicas que ficaram para a história dos países participantes mesmo quando não ganharam. Mas, ao longo dos anos, os artistas usaram esta plataforma muitas vezes para enviar mensagens políticas, afastando a competição do mote “Love, love, peace, peace” (como os anfitriões suecos do concurso de 2016 retrataram de forma tão memorável).
Em 2023, a Suíça enviou uma música anti-guerra, "Watergun", enquanto a Islândia foi multada em 5.000 euros em 2019 por hastear uma bandeira da Palestina durante a competição.
Em 2016, a Ucrânia também venceu o evento com uma música chamada "1944", sobre a limpeza étnica dos tártaros da Crimeia naquele ano pelas forças soviéticas.
Por agora, o mundo terá de aguardar pela decisão que a EBU tomará na reunião de dezembro.
O que fará Portugal?
O 24notícias questionou a RTP sobre a participação de Portugal na Eurovisão do próximo ano e a posição da estação televisiva nesta questão, que nos comunicou que em momento oportuno se irá pronunciar sobre este tema. Também não existiram ainda referências políticas por parte do governo quanto à participação no festival poder estar condicionada devido à presença de Israel.
Lembra-se que Portugal participou, até à data, 57 vezes no Festival Eurovisão da Canção (não incluindo a canção que representaria o país no ano de 2020, quando o festival foi cancelado), tendo sido a primeira em 1964. O país só não compareceu no concurso cinco vezes desde a sua estreia, tendo-se retirado então nas edições de 1970, 2000, 2002, 2013 e 2016.
A RTP conseguiu pela primeira vez a vitória no concurso com a sua participação no Festival Eurovisão da Canção 2017, realizado em Kiev, Ucrânia, com a canção "Amar pelos Dois", interpretada por Salvador Sobral. Portugal nunca tinha conseguido até então superar o 6.º lugar da representação de 1996 — com a canção "O meu coração não tem cor", de Lúcia Moniz. Em 2022 e em 2024, Portugal voltou a conseguir lugares no top 10 com as respetivas canções, "Saudade, Saudade" de MARO, a terminar em 9.º lugar, e "Grito", de Iolanda, em 10.º lugar.
Em 2025, a banda madeirense NAPA, com a canção "Deslocado", apurou-se para a final da Eurovisão, depois de ganhar o Festival da Canção, mas terminou em 21.º lugar.
Recorde-se que Israel lançou a sua guerra em Gaza em resposta ao ataque liderado pelo Hamas ao sul de Israel a 7 de outubro de 2023, no qual cerca de 1.200 pessoas foram mortas e outras 251 foram feitas reféns.
Pelo menos 64.871 pessoas foram mortas em ataques israelitas em Gaza desde então, de acordo com o Ministério da Saúde do território, administrado pelo Hamas.
*Artigo atualizado às 18h02, com a posição oficial da RTP
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