A atividade económica e os investimentos de uma pessoa têm impacto na adesão à sua empresa? A polémica com o Spotify está a provar que sim.

No mês passado, Daniel Ek, CEO da Spotify, liderou uma ronda de investimento de 600 milhões de euros na Helsing, uma empresa que desenvolve software de inteligência artificial para reforçar armamento e outros equipamentos militares. Ek é também presidente do conselho de administração desta empresa.

Após terem conhecimento deste investimento, a banda norte-americana de art-rock Deerhoof, sediada em São Francisco, chegou-se à frente e anunciou no Instagram que ia retirar todas as suas músicas da plataforma: “Não queremos que a nossa música mate pessoas” — esta foi a justificação central apresentada pela banda para o protesto contra os investimentos em tecnologia militar de IA associados à Spotify.

Entre várias críticas à gestão da empresa e à visão política do seu fundador, os Deerhoof destacaram o seu privilégio em poder tomar esta decisão e agradeceram à sua editora “o sacrifício” por aceitá-la.

Entretanto, o sindicato norte-americano United Musicians and Allied Workers também reagiu. Numa publicação no X, escreveu: “As pessoas que comandam a nossa indústria musical são as mesmas que estão a apostar cada vez mais em tecnologia militar de IA. Para construir uma indústria musical justa e equitativa, também precisamos de desmantelar o imperialismo em todas as suas formas.”

O sindicato referiu-se a Daniel Ek como “um belicista que paga salários de miséria aos artistas”. Recorde-se que há vários anos que a plataforma é alvo de críticas pelo seu modelo de negócio, em especial pelas baixas taxas de royalties pagas aos músicos.

A Helsing

Fundada em 2021, a Helsing é uma empresa alemã com sede em Munique, avaliada atualmente em 12 mil milhões de euros. Desenvolve um software de inteligência artificial para fins militares, com o objetivo de garantir a superioridade tecnológica das democracias face a ameaças emergentes.

A tecnologia da empresa permite identificar ameaças, priorizar alvos e apoiar decisões em combate com maior rapidez e precisão, transformando de forma radical a atuação dos exércitos no terreno.

A Helsing colabora com os ministérios da Defesa da Alemanha e do Reino Unido e foi escolhida como fornecedora de tecnologia baseada em IA para o caça Eurofighter Typhoon.

A sua visão estratégica assenta na convicção de que a “superioridade algorítmica” será decisiva nos conflitos do futuro, posicionando-se como parte de uma nova geração de empresas europeias que desafia a tradicional separação entre tecnologia civil e militar.

Mais recentemente, a Helsing aliou-se à francesa Mistral (considerada a principal concorrente europeia da OpenAI) para desenvolver sistemas de IA “ao serviço da defesa da Europa”. A Mistral está avaliada em 5,8 mil milhões de euros.

O boicote

Neste contexto, a onda de protesto que surgiu nas redes sociais começa a gerar pressão sobre artistas que ainda permanecem na plataforma. Muitos utilizadores, alinhados com as críticas ao Spotify, poderão começar a condenar publicamente quem opte por continuar.

Este movimento abre uma oportunidade para os principais concorrentes do Spotify — como a Apple Music, YouTube Music, Deezer, Tidal, Amazon Music e SoundCloud — reforçarem a sua relevância junto de artistas e ouvintes.

Enquanto a pressão aumenta, cresce também o número de utilizadores a migrar para outras plataformas ou a optar por apoiar os músicos diretamente, numa tentativa de romper com o modelo da Spotify.

Até ao momento, nem Daniel Ek nem a empresa responderam aos pedidos de comentário.