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Na passada terça-feira, milhares de ucranianos, especialmente jovens que cresceram após a Revolução da Dignidade (2014), saíram à rua em Kiev e noutras cidades para protestar contra a promulgação de uma controversa lei que altera profundamente a estrutura e a independência das duas principais instituições anticorrupção do país: o NABU (Gabinete Nacional Anticorrupção da Ucrânia) e o SAPO (Procuradoria Anticorrupção Especializada).
Apesar do apelo dos manifestantes para um veto presidencial, Volodymyr Zelensky assinou a lei na mesma noite, sem explicações públicas claras, num processo criticado pela rapidez, opacidade e forma como o conteúdo foi escondido em reformas legislativas paralelas.
O que está em causa?
A nova lei concede amplos poderes ao procurador-geral, que passa a controlar investigações, composição de equipas, acesso a casos e a possibilidade de encerrar ou redirecionar investigações para outros órgãos.
Para o NABU, trata-se de um golpe fatal à sua independência. A instituição alerta que estas mudanças colocam em risco um dos pilares essenciais da luta contra a corrupção na Ucrânia, uma exigência central da União Europeia e de outros parceiros internacionais.
A votação ocorreu logo após buscas policiais no NABU e abertura de processos contra funcionários do órgão, episódios que levantaram suspeitas de retaliação ou manipulação política.
Reações e significado político
A dimensão dos protestos é inédita desde o início da guerra total em 2022 e revela um novo limiar de tolerância cívica em tempos de emergência. O ambiente foi pacífico e simbólico: cartazes improvisados, gritos de “Vergonha” e “Veta a lei”, veteranos da guerra, figuras públicas e jovens ativistas tomaram as ruas.
Críticos, como o jornalista Illia Ponomarenko, falam de uma “batalha paralela contra o lado negro do próprio Estado ucraniano”, corrupção, nepotismo, abuso de poder e tentativas de concentração autoritária do poder.
Zelenskyy defendeu a lei como forma de “limpar” as instituições de influências russas, mas muitos consideram este argumento frágil e usado para justificar controlo político.
Implicações para a UE e o futuro da democracia ucraniana
O avanço da Ucrânia rumo à adesão à União Europeia está fortemente ligado a progressos concretos na reforma judicial e no combate à corrupção. A Comissária Europeia Marta Kos afirmou que a aprovação da lei é um “grave retrocesso” nesse caminho.
O protesto revela que a sociedade civil está viva e alerta, mesmo em contexto de guerra e que os cidadãos reconhecem que a defesa da Ucrânia não é apenas militar, mas também moral e institucional.
A aprovação desta lei tornou-se um teste decisivo ao pacto social entre os ucranianos e o governo em tempo de guerra. A confiança nas instituições, reforçada nos primeiros meses do conflito, está agora sob pressão. O episódio mostra que, mesmo sob lei marcial, a democracia ucraniana continua ativa, mas enfrenta tensões internas sérias.
O desfecho, seja uma emenda, revogação, ou endurecimento, dirá muito sobre a natureza do poder na Ucrânia em guerra e sobre a sua preparação para um futuro europeu.
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