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Todos os anos, milhões de euros destinados a empresas portuguesas ficam por utilizar. Só em contratação pública, segundo o Relatório Anual de Contratação Pública em Portugal, o Estado gastou cerca de 18 mil milhões de euros no último ano. Ainda assim, cerca de 15% dos concursos terminam com apenas uma proposta e, em alguns casos, nem sequer recebem candidaturas.
De acordo com o Jornal de Notícias, por exemplo, a contratação de obras públicas pelos municípios continua a ser uma dor de cabeça: muitos concursos ficam desertos, obrigando a relançar procedimentos e a subir preços-base em milhares de euros. Só nos primeiros seis meses deste ano, a diferença entre os contratos efetivamente assinados e os concursos lançados ultrapassou os 3,61 mil milhões de euros, ou seja, há investimento público que não chegou a sair do papel.
O cenário repete-se nos fundos europeus e nacionais: apesar de representarem oportunidades de crescimento e inovação, muitas empresas desistem à partida. O tempo de espera para receber financiamento pode chegar aos 12 meses. O dinheiro existe, mas o acesso continua a ser difícil.
A explicação para esta realidade está na forma como o sistema foi desenhado: regras consideradas complexas, processos longos e uma burocracia que desincentiva sobretudo as pequenas e médias empresas. Durante anos, candidatares-te a apoios públicos ou responderes a concursos significava navegar por um labirinto de formulários, anexos e requisitos técnicos. Só a preparação de uma candidatura pode demorar cerca de 50 horas.
Como resume Bernardo Seixas, CEO da Granter, “há uma grande aversão das empresas a este tipo de financiamento. Por causa da burocracia e do tempo que demora, apenas uma elite que sabe navegar nestes processos é que se candidata”.
A tecnologia entra em cena
A forma como as regras são escritas não muda. Mas a tecnologia pode mudar a forma como as empresas as enfrentam. É essa a premissa de duas startups portuguesas que decidiram atacar o mesmo problema a partir de lados diferentes.
A Granter quer simplificar e automatizar candidaturas a fundos públicos. Já a SpotGov quer facilitar a participação de empresas em concursos do Estado. Ambas recorrem à inteligência artificial (IA) para transformar um processo tradicionalmente moroso em algo mais rápido e acessível.
João Alves, CEO da SpotGov, explica o ponto de partida: “O problema é que o processo é demasiado burocrático, manual, complexo, e os dados são todos públicos. Quando nós percebemos que o mercado é colossal e não há ninguém, ou há muito pouca gente, a tentar resolver o problema, e a receita do problema é resolvida 100% com a inteligência artificial, então nós encontramos um match perfeito.”
Como funcionam as plataformas?
As soluções destas empresas baseiam-se em agentes de IA treinados para compreender o contexto e as necessidades de cada cliente. No caso da Granter, o processo começa com uma integração detalhada: a empresa fornece informações sobre o seu negócio, como o plano de negócios, candidaturas anteriores ou dados do website.
A partir daí, o sistema identifica oportunidades de financiamento adequadas e avalia automaticamente a elegibilidade com base nos critérios de cada aviso. “A IA tem um papel importantíssimo nesta revolução”, diz Bernardo Seixas. “É um ótimo caso de estudo porque faz precisamente aquilo que os humanos não querem fazer: É tratar destes processos megalómanos, super complexos, e que uma pequena e média empresa não tem capacidade de fazer sozinha.”
Do lado da SpotGov, a abordagem é semelhante, mas aplicada aos concursos públicos. A plataforma analisa todos os concursos ativos e cruza-os com o perfil da empresa para recomendar as oportunidades mais relevantes. Depois, gera relatórios automáticos em cerca de um minuto e permite fazer perguntas aos documentos, algo que tradicionalmente poderia demorar um dia inteiro, segundo o CEO.
A automatização vai mais longe: “A pesquisa de oportunidades é eliminada a 100%. A partir do momento em que conseguimos ter um agente de IA que olha para as oportunidades e que identifica quais é que são necessárias, então podemos automatizar também o display destas oportunidades”, descreve João Alves. Em vez de um responsável de uma empresa investir meia hora no Diário da República a procurar oportunidades, as empresas recebem um e-mail diário com propostas filtradas por um agente de IA, acrescenta o executivo.
Os primeiros resultados e os modelos de negócio
As duas startups ainda estão em fase de crescimento, mas os primeiros resultados indicam que o impacto pode ser significativo. A Granter tem mais de 1.100 empresas em lista de espera e cerca de 40 clientes ativos, incluindo entidades como a Liga de Portugal, a Universidade Católica Portuguesa e a Fundação Aga Khan.
Até agora, já submeteu 24 milhões de euros em candidaturas e obteve cerca de 2 milhões em incentivos aprovados. O modelo de negócio passa por um custo anual de cerca de 4 mil euros por empresa (cerca de 20% do preço médio de um consultor para uma única candidatura, de acordo com Bernardo Seixas) com candidaturas ilimitadas incluídas.
A SpotGov, que começou a operar no início do ano, conta já com 60 clientes, dos quais entre 10% e 15% estão entre as 50 maiores empresas em Portugal. A receita anual recorrente ronda os 300 mil euros. A startup está a evoluir de um modelo de subscrição fixa para uma estrutura mista, com uma parte variável indexada ao impacto real gerado nas empresas.
"Tornar o processo mais transparente, mais justo e mais rápido é crucial para garantir que as empresas portuguesas têm vontade de entrar neste ecossistema."
Mais do que simplificar processos, estas soluções levantam uma questão estrutural: a baixa utilização dos fundos públicos não é apenas um problema das empresas, é também um problema do Estado.
“Tornar o processo mais transparente, mais justo e mais rápido é crucial para garantir que as empresas portuguesas têm vontade de entrar neste ecossistema e de se candidatar a financiamento público”, defende Bernardo Seixas. “Não usar estes fundos na sua máxima extensão é um desperdício de recursos.”
João Alves acrescenta que a eficiência do sistema está diretamente ligada ao desenvolvimento económico do país. “Se o Estado não atuar, não consegue atingir os seus objetivos. Se as empresas não têm condições de responder, se as oportunidades não chegam a quem devem chegar, os fundos não são alocados e o país não cumpre as promessas que fez”.
Qual o futuro do financiamento público?
As soluções tecnológicas não eliminam a burocracia, mas mostram que ela pode ser repensada. Ao automatizar tarefas repetitivas e simplificar processos, podem abrir a porta a milhares de oportunidades que hoje ficam por aproveitar.
Para as empresas, isso significa acesso mais rápido a financiamento e contratos. Para o Estado, significa maior concorrência, execução mais eficiente dos fundos e maior impacto económico. E para Portugal, pode ser a diferença entre perder terreno ou transformar recursos subutilizados em motores de crescimento.
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