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Há na democracia portuguesa um paradoxo: quem decide o futuro do país - neste caso o das autarquias - é quem, muitas vezes, escolhe não decidir.

Os números falam por si. Nas 33 maiores freguesias de Portugal, todas as que têm mais de 40 mil habitantes e, juntas, representam cerca de 15% da população total, a abstenção média é de 54,86%, claramente acima da média nacional, que foi de 46,35% em 2021. Ou seja, mais de metade dos eleitores destas grandes freguesias não vota.

Das 33, em apenas sete são mais os que votam do que aqueles que se abstêm e numa delas o resultado é 50-50.

O que faz com que estas pessoas se abstenham, por que motivo não estão mobilizadas para votar, para escolher os políticos - no caso os autarcas - que, em princípio, estão mais aptos a tornar as suas vidas melhores?

Em vez disso, estes milhares de cidadãos - de Algueirão-Mem Martins, a maior freguesia do país, com uma abstenção de 61,37%, a Póvoa de Santa Iria e Forte da Casa, com uma abstenção superior a 54%, optam por calar a sua vontade. E esse silêncio pesa, pesa tanto que pode alterar completamente o rumo dos resultados.

Num sistema democrático, cada voto conta. Mas quando a maioria não vota, é a ausência que decide quem governa - ou quem legisla, quem define políticas de saúde, de habitação, de impostos, de educação. Isto também é uma realidade no caso das eleições autárquicas, agora ainda mais, com a descentralização de competências e a atribuição às autarquias, ao poder local, de funções que pertenciam antes ao governo, ao poder central.

É uma lapalissada dizer que a maior força política de Portugal é, há anos, a abstenção, mas continua a ser verdade. Basta pensar nisto: se metade dos que ficaram em casa nas últimas eleições for votar, muitos mandatos podem mudar de mãos, muitas autarquias podem ter novos presidentes ou, em vez disso, ver o seu poder reforçado.

Votar não é um dever moral abstracto, é um acto de poder. Por isso, ficar em casa é deixar que os outros escolham por nós, é entregar a terceiros o nosso destino. Portugal não precisa de mais espectadores, de mais observadores e de mais comentadores de bancada; aquilo de que o país precisa é de mais participação cívica.

P.S.: posso apenas imaginar o que afasta as pessoas das urnas - cansaço, desinteresse, a ideia feita de que "os políticos são todos iguais" -, mas acredito que muito pouco ou nada tem sido feito para tentar diminuir os níveis de abstenção.

Já antes escrevi sobre continuarmos a votar com as regras da Idade da Pedra naquela a que chamamos a Era Digital; poderia aqui voltar a dar inúmeros exemplos - do papel obsoleto ao disparate do dia de reflexão -, mas vou antes falar do voto antecipado, que é só para alguns.

A lei que regula a eleição dos titulares dos órgãos das autarquias locais não prevê o voto em mobilidade, mas prevê o voto antecipado em determinadas circunstâncias. Quais? Doentes internados em hospitais, presos não privados de direitos políticos, estudantes deslocados e motivos profissionais, apresentando em qualquer dos casos um requerimento à câmara municipal onde está recenseado.

Mas deixa de fora, por exemplo, aqueles que estão em viagem de lazer, reformados (que, por acaso, representam mais de 28% da população total) ou não.

Ao 24notícias, a presidente da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, Paula Cardoso, deputada eleita pelo PSD, responde que não conhece o espírito da lei, uma vez que não participou nos trabalhos preparatórios, mas admite que "podemos sempre revisitar a lei para a melhorar".

Conhecendo estes processos, acredito até que tenha sido "apenas" um esquecimento do legislador, o que não abona muito a seu favor. No entanto, cai por terra o argumento de que todos os votos contam, tão apregoado pelos políticos, ou o do "trabalho que dá" organizar o voto antecipado. É que se são muitos, justifica-se esse trabalho; se são poucos, também não dá trabalho nenhum.

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