O Qatar, uma pequena nação incrivelmente rica graças às suas vastas reservas de gás natural, tornou-se inesperadamente um dos principais mediadores de conflitos do mundo.

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Situado numa região volátil e rodeado por potências hostis como a Arábia Saudita, o Irão e os Emirados Árabes Unidos, o Qatar desenvolveu uma diplomacia hiperativa como forma de garantir a sua sobrevivência e influência.
Durante a chamada “guerra dos 12 dias” entre os EUA, Israel e o Irão, em junho de 2025, o Qatar desempenhou um papel essencial para impedir a escalada do conflito. Apesar de ter sido alvo de um ataque iraniano ao seu território — coordenado previamente para evitar vítimas — o país facilitou o cessar-fogo entre os EUA, Israel e o Irão. E, segundo o The Guardian, este episódio ilustra a estratégia central do Qatar: usar o seu peso diplomático para ser imprescindível aos principais atores globais, sobretudo os EUA, de quem depende fortemente para proteção militar.
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Nos últimos anos, Doha tornou-se um centro de mediação diplomática global. Tem sediado ou facilitado negociações tão diversas como a retirada dos EUA do Afeganistão, a troca de prisioneiros entre EUA e Venezuela, o regresso de crianças ucranianas da Rússia, e os esforços de tréguas entre Israel e o Hamas. Em julho de 2025, o Qatar conduzia 10 processos ativos de mediação.
O emir Sheikh Tamim bin Hamad al-Thani e os seus principais colaboradores – incluindo o ministro de Estado Mohammed al-Khulaifi – lideram pessoalmente este esforço. Além de facilitadores, os diplomatas cataris assumem papéis de intermediários, moderadores e financiadores. Muitas vezes financiam a participação de delegações e prometem ajuda pós-conflito para desbloquear negociações.
A estratégia diplomática do Qatar tem raízes históricas na sua posição vulnerável e marginalizada. O país sempre acolheu exilados e refugiados, cultivando uma reputação de “Kaaba dos despossuídos”. Esta identidade ajudou a forjar uma abordagem empática e confiável nas negociações, mesmo com adversários ideológicos — como demonstrado pelo facto de acolher líderes tanto do Hamas como do antigo chefe do Mossad israelita em simultâneo.
Ao longo das últimas décadas, o Qatar também construiu um império económico global, investindo em propriedades e empresas em Londres, Paris e Nova Iorque, além de ter albergado o Mundial de 2022, um momento que definiu a sua ascensão à ribalta internacional, apesar das críticas severas sobre os direitos laborais.
No entanto, a política externa do Qatar também sofreu reveses. O seu apoio à Irmandade Muçulmana durante a Primavera Árabe levou ao bloqueio diplomático e económico liderado pelos seus vizinhos em 2017, que durou quase quatro anos. O país sobreviveu graças a aliados como a Turquia e retirou várias lições: ser mais discreto, não tomar lados de forma aberta e reforçar laços com os EUA, inclusive através de investimentos e lobby político em Washington.
Al Udeid, a maior base militar americana na região, situada em território catari, é central para esta relação. Com milhares de tropas norte-americanas, representa um escudo de dissuasão para o Qatar e um ativo estratégico vital para os EUA. Doha tem investido milhares de milhões na sua modernização.
Contudo, o crescimento da influência catari levanta desafios. Há acusações de que o Qatar tenta comprar influência política nos EUA e Israel, como no caso do “Qatargate” em Telavive. A estrutura diplomática catari, composta por poucos líderes centrais, está no limite da capacidade, e o país procura agora institucionalizar e expandir o seu corpo de mediadores, incluindo colaborações com parceiros europeus como a Noruega.
O Qatar não exige concessões comerciais nem protagonismo nos acordos que intermedeia. Quer apenas ser reconhecido como um ator-chave. Para os seus líderes, a mediação é uma missão moral, estratégica e quase existencial. Mas, como observam vários especialistas, a verdadeira eficácia da mediação dependerá de como o Qatar transformará esse prestígio em influência concreta e duradoura na ordem mundial.
No final, o Qatar tornou-se um ator indispensável num mundo onde as potências tradicionais estão sobrecarregadas e cada vez mais desconfiadas umas das outras. Pequeno em tamanho, mas gigante em ambição diplomática, o Qatar está a reescrever as regras da geopolítica contemporânea.
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