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Estas afirmações foram feitas pela governante numa entrevista ao Jornal de Notícias e à TSF sobre a nova proposta de alteração ao Código do Trabalho.

Segundo Maria do Rosário da Palma Ramalho, há relatos de crianças que são “amamentadas até à escola primária” com o único propósito de manter a mãe com horário reduzido. “Temos conhecimento de muitas práticas em que as crianças parecem continuar a ser amamentadas apenas para dar à trabalhadora esse horário”, denuncia a governante.

Governo quer limitar licença de amamentação até aos dois anos para travar abusos no horário reduzido
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A nova proposta prevê que, a partir da entrada em vigor da nova legislação, a licença de amamentação só seja válida até aos dois anos de idade da criança. Para além disso, passa a ser obrigatório um atestado médico no início do período de aleitação, para comprovar que a amamentação está efetivamente a decorrer.

A medida visa combater situações consideradas abusivas e garantir que o direito é usado de forma equilibrada. “O uso de um direito não se deve confundir com o abuso desse direito”, sublinha a ministra.

Apesar das restrições propostas, o regime de amamentação nos primeiros dois anos mantém-se inalterado. As mães continuarão a ter direito a duas horas por dia de dispensa para amamentar, e os pais também poderão beneficiar de horário adaptado para apoiar a alimentação dos filhos. A ministra frisa que o direito não está a ser retirado, apenas regulado com maior rigor.

O que nos dizem os mais recentes estudos sobre amamentação em Portugal?

A ministra do Trabalho justificou a revisão da legislação sobre a dispensa de amamentação com a afirmação de que “há muitas crianças a ser amamentadas até à escola primária”, ou seja, até cerca dos 5 ou 6 anos de idade. Mas qual a prevalência real deste fenómeno em Portugal?

Um dos estudos mais relevantes nesta matéria foi conduzido em 2019 na Área Metropolitana de Lisboa e publicado na Acta Médica Portuguesa. Trata-se de um estudo prospetivo, longitudinal e observacional, que acompanhou 423 mães em dois hospitais (um Baby-Friendly e um não Baby-Friendly) entre fevereiro e junho daquele ano. À alta hospitalar, 94,3 % das mulheres estavam a amamentar, mas essa taxa descia rapidamente: aos 3 meses, apenas 51,8 % mantinham amamentação exclusiva, e aos 6 meses, esse valor caía para 25,6 %. O estudo não recolheu dados sobre amamentação para além dos 6 meses.

Outro contributo importante vem do Estudo EPACI 2022–2023, que analisou os hábitos alimentares de 2.290 crianças entre os 0 e os 3 anos, numa amostra representativa da população portuguesa. Os resultados mostram que 92,1 % das crianças foram amamentadas no início da vida, mas apenas 21,1 % o foram de forma exclusiva até aos 6 meses. A duração média da amamentação nas mães portuguesas foi de cerca de 8 meses. O estudo identificou diferenças relevantes consoante a origem: as mães imigrantes apresentaram práticas de amamentação mais prolongadas, com uma média de 14 meses e alguns casos a ultrapassar os 2 anos. Ainda assim, o estudo não refere qualquer prevalência significativa de amamentação até aos 5 ou 6 anos.

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Já em 2014/2015, o Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA) coordenou o primeiro grande inquérito nacional sobre amamentação, no âmbito de um projeto europeu. Com uma amostra de cerca de 1.000 mães, o estudo revelou que 60 % das mulheres amamentavam exclusivamente até aos 3 meses. Aos 4 meses, esse valor já era inferior a 50 %. Tal como os estudos mais recentes, também este não colheu dados sobre amamentação prolongada para além do primeiro ano de vida.

Amamentar até à escola primária?

A escola primária em Portugal começa geralmente aos 6 anos. Nenhum dos estudos, que abrangem mais de 3.700 mães e crianças, reporta percentagens significativas de amamentação após os 2 anos, quanto mais até aos 5 ou 6 anos.

A Organização Mundial de Saúde recomenda amamentação até aos 2 anos ou mais, mas não existem dados públicos que mostrem que muitas famílias em Portugal a pratiquem por tanto tempo.

A lei atual já exige atestado médico para justificar dispensa de trabalho por amamentação após os 12 meses, o que indica que esta prática é excecional, e não a norma.

Assim, as afirmações da ministra de que “há muitas crianças amamentadas até à escola primária” não tem base nos dados conhecidos. Os estudos mais recentes apontam para uma queda acentuada na amamentação nos primeiros 6 a 12 meses e não identificam um padrão significativo de amamentação prolongada em Portugal.