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A alta cozinha é conhecida pela exigência e requinte sendo a estrela Michelin o seu epítome. Mas será que é assim tudo tão perfeito? Segundo a CNN, a cultura tóxica na cozinha dos restaurantes tem sido exposta e denunciada há anos nos países anglófonos e europeus.
A divulgação da lista de restaurantes Michelin, faz com que a jornalista e escritora, Nora Bouazzouni, receba várias mensagens de empregados destes restaurantes a denunciar "chefs abusivos e tóxicos" que têm tornado a vida das equipas num "inferno", revela a CNN.
Desde 2017, a jornalista francesa ligada à área da comida tem denunciado restaurantes com culturas tóxicas nas cozinhas por toda a França. Com essa informação escreveu o livro "Violence in the kitchen" (Violência na cozinha, em tradução livre) que aborda o abuso "físico, emocional e psicológico".
De acordo com a CNN Travel, o livro conta as histórias de chefs em "birras violentas", "a queimar a equipa deliberadamente ou a lançar frigideiras na cara dos empregados quando acontece um erro durante o serviço".
As pessoas racializadas têm de lidar com assédio e são exploradas e maltratadas, reporta a CNN. Enquanto que as mulheres lidam com a sexualização da aparência e até toques indesejados.
"Os testemunhos que mais me impressionaram foram aqueles que rapidamente procuraram desumanizar as pessoas na cozinha", diz a jornalista à CNN.
O trabalho da também escritora tem ajudado a despertar uma reflexão nacional em França e chegou aos principais legisladores do país. A 7 de julho, uma moção para criar uma comissão de inquérito sobre a violência na cozinha foi apresentada na Assembleia Nacional Francesa.
A CNN cita a moção, "de facto, por trás das imagens suaves e idealizadas da profissão, apresentadas em vários programas de entretenimento, esconde-se uma organização hierárquica rígida, quase militar e brutal".
A menção à "organização hierárquica militar e brutal" refere-se ao sistema codificado do chef, restaurateur e escritor francês August Escoffier no final do século XIX. Inspirada no seu tempo no exército, a brigada de cozinha, como é conhecida, foi modelada a partir do exército, no qual a patente e a hierarquia determinam a cadeia de comando. No topo da cadeia alimentar estão o chef de cuisine e o sous-chef, seguidos pelos chefs de partie, responsáveis por elementos específicos (molhos, frutos do mar e pratos frios ), cozinheiros juniores ou commis e estagiários.
Tanto August Escoffier e a precisão do profissionalismo na cozinha que ele inspirou são referências na cultura francesa. Contudo, é esta organização de cima para baixo que facilita o ambiente tóxico.
Como se pode modificar este sistema com mais de um século que se tem replicado nas cozinhas por todo o mundo?
Um estudo de 2021 do Journal of Management Studies apresentou uma solução: criar mais cozinhas abertas ao público.
Para o estudo, investigadores da Universidade de Cardiff concluíram que o ambiente de trabalho único das cozinhas de restaurantes finos como os espaços longe dos olhos do público traz uma sensação de liberdade do escrutínio, onde as regras normais não se aplicam.
O estudo foi baseado em entrevistas a 47 chefs de alta cozinha de restaurantes espalhados pelo mundo.
O culto de celebridade aos chefs na França tem também contribuído para o silêncio que tem calado as vítimas. Os chefs de top são muitas vezes estrelas em documentários, programas de culinária o que faz deles "intocáveis", explica Nora Bouazzouni à CNN.
Desde a pandemia, o mundo sofreu inúmeras mudanças que também chegou à área da restauração. Atualmente, de acordo com o jornal norte-americano, 300 mil vagas no setor da hotelaria e restaurantes continua por preencher devido aos funcionários e jovens nos países ocidentais anglófonos sobrecarregados e insatisfeitos.
Enquanto uma média de cinco restaurantes abre todos os dias, 23 encerram portas permanentemente.
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