A OpenAI deixou há muito de ser apenas uma startup focada em software. Criadora do ChatGPT e uma das empresas mais influentes no desenvolvimento de modelos de linguagem, a tecnológica liderada por Sam Altman está agora a posicionar-se no centro de uma teia de relações financeiras e estratégicas que envolve os dois maiores fabricantes de chips para inteligência artificial (IA): a Nvidia e a AMD.

Nos últimos tempos, vieram a público dois acordos que estão a redefinir a estrutura do setor. A OpenAI garantiu compromissos de investimento e fornecimento por parte das duas empresas, ao mesmo tempo que negociou a possibilidade de se tornar acionista de uma delas. Este tipo de relação, em que cliente e fornecedor assumem papéis cruzados, pode parecer invulgar na indústria tecnológica, mas sinaliza uma nova fase no mercado da IA, marcada por alianças complexas e dependências mútuas.

Parcerias estratégicas reforçam a posição da OpenAI no mercado de chips

Em setembro, a Nvidia anunciou uma parceria estratégica que prevê o fornecimento de pelo menos 10 gigawatts de sistemas com GPUs (placa gráfica, no termo mais popular) da marca. O acordo inclui a intenção de a Nvidia investir até 100 mil milhões de dólares na OpenAI, de forma progressiva, à medida que cada gigawatt é implementado. O primeiro gigawatt está previsto para entrar em operação na segunda metade de 2026.

Jensen Huang, CEO da Nvidia, descreveu a parceria como “o próximo salto em frente”, sublinhando a relação de longa data entre as duas empresas, desde o primeiro supercomputador DGX, em 2016, até ao lançamento do ChatGPT. A Nvidia passa a ser considerada “parceira estratégica preferencial” da OpenAI para computação e redes, com os dois lados a comprometerem-se a co-otimizar os seus planos tecnológicos.

Menos de um mês depois, foi a vez da AMD entrar em campo. A fabricante de chips anunciou há dias um acordo de cinco anos para fornecer seis gigawatts de processadores para centros de dados de IA. A primeira implementação está prevista para a mesma altura que a da Nvidia: segunda metade de 2026, com os GPUs AMD Instinct MI450. A AMD revelou que espera “dezenas de milhares de milhões de dólares em receitas” com este contrato e, ao contrário da Nvidia, não será investidora, mas poderá tornar-se investida. O acordo dá à OpenAI a opção de adquirir até 160 milhões de ações da AMD, o equivalente a cerca de 10% da empresa, a um cêntimo por ação, mediante o cumprimento de marcos específicos.

Lisa Su, CEO da AMD, afirmou que a parceria “reúne o melhor da AMD e da OpenAI” e representa “uma verdadeira situação vantajosa para ambos”. As ações da AMD chegaram a valorizar mais de 37% em bolsa antes da abertura dos mercados.

Mais de 700 milhões de utilizadores ativos por semana

Estes acordos não acontecem isoladamente. A OpenAI tem hoje mais de 700 milhões de utilizadores ativos por semana e uma presença consolidada junto de empresas globais, pequenos negócios e programadores. Para sustentar este crescimento, a empresa depende de uma rede de parceiros que se cruzam de formas cada vez mais intrincadas.

A CoreWeave, fornecedora de infraestrutura de IA sediada em Nova Jérsia, nos EUA, é um exemplo dessa sobreposição. Conta a NBC News que a empresa tem um acordo permanente para vender sistemas Nvidia à OpenAI, e a Nvidia é um dos seus maiores investidores. Já a Oracle, que vai gastar cerca de 40 mil milhões de dólares em chips da Nvidia para alimentar um dos centros de dados da OpenAI, colabora também com a OpenAI e o grupo japonês SoftBank no projeto Stargate, que prevê um investimento de 500 mil milhões de dólares em infraestrutura de dados. A Nvidia é “parceira tecnológica central” do Stargate. O SoftBank, por sua vez, detém uma participação de três mil milhões de dólares na Nvidia.

Este padrão de transações cruzadas tem vindo a chamar a atenção dos analistas. Gil Luria, diretor da D.A. Davidson, uma empresa de serviços financeiros, afirmou à NBC News que há “uma parte saudável e uma parte pouco saudável” no ecossistema da IA. A parte problemática, segundo o responsável, é marcada por “transações entre partes relacionadas” que podem aumentar artificialmente o valor das empresas envolvidas. “Se os investidores decidirem que os laços entre os gigantes da IA estão a tornar-se demasiado próximos, haverá alguma atividade de desinflação”, alertou. Na linguagem de Wall Street, isto é o equivalente ao rebentar de uma bolha, lê-se na publicação.

Receios de bolha ecoam a crise das “dot-com”

A estrutura circular de investimentos e contratos está a levantar comparações com o período anterior ao rebentamento da bolha das empresas tecnológicas, em 2000. Nessa altura, o índice Nasdaq caiu 77% e apagou milhares de milhões de dólares em valor de mercado. Só 15 anos mais tarde voltaria aos máximos de março de 2000.

Um grupo de analistas da Oxford Economics, uma empresa de análise económica, escreveu recentemente que, embora a experiência de há um quarto de século não vá necessariamente repetir-se, “a escala dos recentes aumentos de investimento por parte das empresas tecnológicas já indica que estão a assumir riscos significativos”. Caso se torne claro que a IA não gera os ganhos de produtividade esperados, ou que estes demoram mais tempo a concretizar-se, “uma correção abrupta nas ações tecnológicas, com efeitos negativos na economia real, seria muito provável”.

Sam Altman procurou recentemente acalmar os receios de uma crise iminente, sugerindo que os ciclos de expansão e contração fazem parte da vida de qualquer indústria. “Entre os dez anos que já estamos a operar e as muitas décadas que temos pela frente, haverá altos e baixos. As pessoas vão investir em excesso e perder dinheiro, e investir a menos e perder muita receita”, afirmou durante uma visita ao complexo de centros de dados que a OpenAI está a construir no Texas.

Ainda assim, a concentração de valor no setor é de destacar. Segundo dados citados pela NBC News, mais de 35% do valor de mercado de todas as empresas no índice S&P 500, mais de 20 biliões (trillion, em inglês) de dólares, provém de apenas sete empresas tecnológicas, conhecidas em Wall Street como as “Magnificent 7”: Apple, Alphabet (dona da Google), Amazon, Meta (dona do Facebook), Microsoft, Nvidia e Tesla. Todas estão fortemente envolvidas em projetos de inteligência artificial, o que reforça a centralidade do setor na economia norte-americana e global, mas também a sua vulnerabilidade a choques sistémicos.

Para saber mais sobre o tema, veja a nossa série especial "Inteligência Artificial".