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Doha é a capital do Catar, um país que não está em guerra com ninguém e tem servido de placa giratória para as negociações entre Israel, o Hamas, e todos os interessados (ou envolvidos) no conflito na Palestina. A posição de intermediário envolve muitos conflitos, porque as partes litigantes acusam o sultanato de favorecer uns ou outros. Por exemplo, a liderança do Hamas vive em Doha, instalados num bom bairro residencial, e os israelitas interpretam esta situação como um insulto. No entanto, apesar da delicadeza das situações, o Catar tem conseguido alguns sucessos.
Tudo mudou no dia 9 deste mês, quando a aviação israelita atacou o edifício em Doha onde vivem os principais chefes do Hamas. Por acaso falhou e apenas morreram o filho de um deles e um segurança catari. A liderança do Hamas estava reunida para discutir mais uma etapa das permanentes conversações com o Governo de Netanyahu. Um ataque destes é totalmente inaceitável, a vários níveis. Primeiro, tentar matar quem está a negociar pela outra parte mostra que Tel Aviv não quer negociar nada e está apenas a empatar, enquanto desenvolve o seu plano genocida de acabar com Gaza e a Cisjordânia (aquele território que era da Jordânia e foi ocupado por Israel em 1967, mantendo um controlo virtual pela Autoridade Palestiniana de Mahmoud Habas). Segundo, trata-se de um ataque surpresa de um país soberano a outro país soberano com o qual não está em guerra, num desprezo total pelo Direito Internacional.
O ataque foi condenado por todos os países, envolvidos ou não envolvidos no conflito, mas ultrapassou a barreira que já existia entre Israel e os países árabes e levou-os a reunirem-se para estudar que contramedidas poderiam tomar – nenhumas evidentemente, além de alertar a comunidade internacional para uma quebra de “protocolo” do país que está a cometer um genocídio em Gaza.
No dia 14 de Setembro reuniram-se em Bagdade, o quarto encontro da Liga Árabe no Iraque desde 2012, em preparação para a cimeira no Cairo, no dia seguinte. As afirmações dos líderes presentes mostraram que não consideram possível continuar a negociar com Israel o fim guerra que o Governo de Tel Aviv já disse, e continua a dizer, que só acabará com a morte dos palestinianos e ocupação definitiva dos dois territórios (Gaza e Cisjordânia). Há declarações específicas de alguns ministros de Netanyahu a confirmar este programa de extermínio.
No encontro do dia 14 fizeram-se afirmações concretas: o Ministro dos Negócios Estrangeiros do Barain, Abdullatif Al-Zayani reafirmou que o seu país se comprometia na reconstrução de Gaza; o Presidente iraquiano, Abdul Latif Rachid, condenou pela milésima vez a ocupação de Gaza e a tentativa de deportar, não se sabe para onde, toda a sua população, e propôs a criação de um fundo de 20 milhões de dólares para a reconstrução do enclave (uma quantia ridícula, na minha opinião); Mahmoud Abbas sugeriu a criação de um plano que envolveria todos os países árabes para terminar a matança em Gaza, que já vai em mais de 60.000 pessoas; e por aí fora, todos disseram o mesmo.
No dia seguinte, a 34.ª Cimeira da Liga Árabe decorreu no Cairo. É de notar que é a primeira vez que o Presidente do Egipto e da Turquia marcaram presença e tomaram posições concretas. Abdel Fattah al-Sisi afirmou que se deveria exercer pressão sobre Donald Trump, para este, por sua vez, insistisse com Netanyahu sobre a necessidade de acabar com o genocídio. Enfatizou que, mesmo que Israel aceite terminar a Guerra, a estabilidade da região continuará se não se assinar um acordo completo e se restabelecer um único Estado Palestiniano. Quanto a Erdogan, teve encontros bilaterais com o Emir do Catar, Sheikh Tamim bin Hamad Al Thani (não são só os portugueses que têm nomes grandes...) o primeiro-ministro do Iraque, Mohammed Shia al Sudani, o famigerado Emir da Arábia Saudita, príncipe Mohammed bin Salman, o Presidente da Somália, Hassan Sheikh Mohamud e vários outros. O objetivo de Erdogan foi mais o de estabelecer canais comerciais do que o caso da Palestina propriamente dito.
Alguns observadores consideram que o que mudou nesta cimeira foi a presença de mais líderes muçulmanos, nem todos árabes, e a declaração formal de que o modelo “dois estados” é a única solução viável. É de salientar que uma proposta envolveu a criação de uma Autoridade Internacional Provisória, formada por militares e civis de países terceiros, que tomaria conta da futura nação palestiniana até haver eleições – sendo que o Hamas não poderia participar nessa eleição. Para presidir a essa autoridade foi proposto um nome (está sentado para ler isto?) inesperado: Tony Blair. Esse mesmo, o ex-primeiro-ministro trabalhista britânico que apoiou a invasão do Iraque, entre outras atitudes imperdoáveis para os árabes – que também consideram imperdoável a partilha da região feita por um inglês e um francês. É que, entretanto, Blair criou o Instituto Tony Blair, com o objetivo de promover a paz no mundo, financiado por (continua sentado?) Larry Elison, o fundador da Oracle e da Palantir e grande apoiante de Donald Trump.
A mim parece-me claro que nenhum país muçulmano, árabe, persa ou de outra etnia, aceitaria a Palestina dirigida, mesmo que provisoriamente, por Tony Blair. Os próprios palestinianos nem devem saber quem ele é e o que fez, mas sabem com certeza que é um inglês. Não estou entre os observadores que acharam esta 34.ª cimeira inovadora. Primeiro porque é a 34.ª e as outras 33 fizeram exatamente o mesmo: nada. Alguns dos países árabes envolvidos podiam, beliscando apenas o seu interminável capital petrolífero, colocar os palestinanos numa zona neutra e alimentá-los para o resto da vida. Neom, a cidade turística que bin Salman está a construir para milhões de turistas, podia ser para milhões de palestinianos, não podia?
Segundo, os muçulmanos, árabes ou não, têm uma noção de solidariedade muito diferente da ocidental. E não se entendem – o Irão, o país muçulmano mais radical, não esteve na cimeira. Se Israel é culpado de genocídio ativo, todos os outros são culpados de cumplicidade, uma vez que nenhum quer ter palestinianos no seu território. Esta cimeira foi mais um número do circo de imoralidades repelentes que afetam a região.
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