O “desligamento” (“shutdown”) significa que os empregados e as estruturas federais deixam de receber dinheiro para funcionar

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Não é a primeira vez que este fenómeno tipicamente norte-americano acontece; já houve 15 “shutdowns”, em 1980, 1981, 1984, e 1986 e ainda em 1990, 1995–1996, 2013, janeiro e dezembro de 2018, dezembro de 2018 e janeiro de 2019, e agora este, de 2025.
A situação ocorre quando o Congresso (Senado e Câmara dos Representantes) não aprovam o Orçamento de Estado e, portanto, os serviços públicos deixam de ter verba para cumprir as suas obrigações – pagar a funcionários, fornecedores e entidades subsidiadas.
Na maioria das repúblicas parlamentares, como é o caso de Portugal, quando o Orçamento anual não é aprovado, os pagamentos são feitos segundo o sistema conhecido por duodécimos; as despesas do ano anterior são divididas por 12 e em cada mês gasta-se 1/12 do Orçamento anterior. Quer dizer que a despesa mensal se mantém, sem contar com a inflação, mas o Estado continua a funcionar.
Nos Estados Unidos, os orçamentos anuais não coincidem com o ano civil; começam em 1 de outubro e terminam a 30 de setembro do ano seguinte. A discussão nas câmaras tem a ver com as chamadas apropriações e o teto da dívida federal. As apropriações é para onde vai a despesa; para construir uma estrada, reparar um equipamento ou aumentar salários de um departamento. Cada congressista precisa de levar em conta quanto é “apropriado” para o Estado que representa e os interesses destes senhores variam conforme o seu círculo eleitoral. Os conflitos de interesse são inúmeros e normalmente resolvem-se por cedências de parte a parte. As apropriações implicam o “teto” do Orçamento, ou seja, a variação da dívida pública. Nos Estados Unidos sempre houve dívida, desde a fundação, em 1776. Não existe o conceito europeu de equilíbrio orçamental. A questão é quanto vai aumentar (ou eventualmente, diminuir); neste ano fiscal, que acabou a 30 de Setembro, a dívida era de 1,7 triliões de dólares – 1.970.000.000.000. Tradicionalmente os republicanos são a favor da redução da dívida, mas aumentam-na sempre, e os democratas são a favor do aumento, mas acabam por reduzi-la. Aliás, ambos os partidos acusam o adversário de aumentar a dívida, que só pode ser desta dimensão porque o Tesouro imprime dinheiro conforme as necessidades e o crédito americano é sempre AAA.
O Presidente da República não participa diretamente nas decisões dos 12 comités do Congresso encarregados das negociações, mas na prática tem um enorme poder de influência, podendo vetar o Orçamento, o que obriga a mais negociações.
Então, o que aconteceu este ano? Aconteceu que, em parte pela ingerência de Donald Trump e noutra parte por republicanos e democratas não se entenderam, chegou-se a 30 de setembro sem Orçamento. Hoje, dia 4, não há entendimento à vista, o que representa uma autêntica catástrofe para os funcionários públicos, para os órgãos federais, para os fornecedores, e ainda para o incontável número de instituições (as universidades, por exemplo) que recebem subsídios públicos. Também há um efeito negativo pela falta de informação sobre a economia; não se sabe quantas pessoas são afectadas, não se sabe se o sector industrial está a produzir mais ou menos, não há os indicadores que condicionam o investimento.
O principal óbice para que os democratas votem a favor são as medidas de assistência social que os republicanos querem cortar, como o Obamacare (um subsídio para os mais pobres) e vários outros programas de ajuda ao escalão inferior de rendimentos, ao mesmo tempo que o orçamento prevê uma diminuição substancial dos impostos pagos pelos ricos. Por trás destas opções estão as duas políticas económicas contraditórias de sempre: os republicanos acreditam no que se chama “tricle down economy”, ou seja, se os ricos forem mais ricos fazem mais negócios, beneficiando os pobres; os democratas não acham que essa política funcione; se os ricos ficam mais ricos gastam em luxos, não em empregos. Para quem sabe de economia, pode dizer-se, sucintamente, que é John Mainard Keynes contra Milton Friedman.
Porque é que Donald Trump é a favor do “shutdown”? Porque ajuda os seus objectivos de reduzir o aparelho de Estado, aumentado a procura pelos produtores privados, porque provoca o “inimigo” (os democratas) e porque comprova mais uma vez que ele faz o que quer e ninguém se pode opor. Podemos afirmar que é mais uma peça na máquina de poder ilimitado com que ele sonha.
E porque é que lhes estou a contar esta história? Porque a viragem à direita (até se tornar um monarca absoluto) e a política externa trumpista, tanto económica como política, afetam o mundo inteiro, mesmo um país com pouca massa crítica, como Portugal. Quando o rei do mundo tem gripe, todos os súbditos espirram.
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