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O Bairro do Talude, na Estrada Militar, Unhos, Loures, foi arrastado para a agenda mediática com as demolições levada a cabo pela Câmara Municipal de Loures, executivo liderado por Ricardo Leão, eleito pelo Partido Socialista (PS).

Depois de noites entre escombros e continuação dos dias e da vida entre tendas e tetos improvisados, o Movimento Vida Justa convocou pelas redes sociais uma ação de ajuda aos moradores chamando voluntários e a população local e vizinha para ajudar na limpeza dos escombros do que restou daquilo a que mais de 60 famílias ali residentes chamavam de casa.

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A ação de solidariedade da sociedade civil teve data e hora marcada. Às 9h00, o “mãos à obra” deveria começar no terreno onde crescem linhas de alta tensão e tem vista para o Rio Tejo e Ponte Vasco da Gama. 

A essa hora, com o sol a elevar a temperatura do ar, contudo, já à Câmara Municipal de Loures levava duas horas de avanço neste sábado de julho.

Polícia Municipal, Juntas de Freguesia de Camarate, Unhos e Apelação, São João da Talha, Bobadela, Sacavém, Moscavide e Santo António dos Cavaleiros, Ambiente, Serviços Municipalizados de Loures e Odivelas (SIMAR), reunindo ao todo cerca de 100 pessoas, máquinas retroescavadoras, carros gruas, camionetas de caixa aberta e um contentor já tinham arregaçado as mangas para, de forma orgânica e coordenada, executarem a logística de limpeza do terreno, separando materiais e resíduos.

“A nossa luta é a busca de uma solução”

Os moradores, a larga maioria mulheres, muitas crianças, acordados de um despertar cru para a realidade, fixavam o olhar na vida que lhes fugiu debaixo dos pés.

Madelene é perentória. “Vivo aqui, na rua, não é o vivia aqui", afirma, com firmeza.

Vai direta ao assunto. “A nossa luta é a busca de uma solução. Ter onde dormir, tomar banho, cozinhar e onde ter um lugar agradável para as crianças estarem”, sublinha.

Está no bairro há dois anos e não é a primeira vez que assiste ao derrube da casa onde vive. "Já fui despejada uma vez. Mas, demoliam e iam-se embora. É a primeira vez que fazem a limpeza”, informa na conversa com o 24notícias. “O entulho e o lixo permaneciam, voltávamos e refazíamos tudo", relembra.

Trabalha. Vive com uma filha. Reconhece ter sido chamada pelo executivo camarário de Loures "para uma conversa”. No entanto, as “condições não são favoráveis e não aceitamos porque o dinheiro que ganhamos não dá para pagar”, avança.

“(A CML) Não está a dialogar de uma forma facultativa para ambas as partes”, lamenta. “Não nos resta outra opção. À noite, cada um voltará para a sua tenda", assegura pela manhã em que dedicou o tempo a arrumar os despojos onde habitava.

As tendas que nasceram entre escombros, prometem ficar de pé

Enquanto os lamentos saem do coração, os olhos apontam para os cogumelos de tendas que florescem entre entulho, cobertores, pilhas de colchões, telhas, restos de azulejos da Fábrica de Sacavém, portas de madeira e outras de material mais resistente que pertenciam a outros lares e foram ali reutilizados, placas de zinco, sanitas, máquinas de roupa e fogões e, até mesmo, sapatos que ficaram para trás.

O retrato impressionista mostra peças de um puzzle caleidoscópico construído pela força das mãos desta comunidade maioritariamente oriunda da Ilha de São Tomé e derrubados pelas máquinas como se de um castelo de cartas se tratasse.

“Vamos voltar a fazer a casa, tenho uma bebé”, promete Marlene. “Já conversei com a Câmara, fiz o pedido de habitação duas vezes”, confessa. “A senhora da Câmara disse-me que vai ser analisado, demora três ou quatro meses para ver se consigo entrar nessa lista de habitação. Até lá, continuo aqui à espera", assevera, sem alternativas.

“Tenho contrato de trabalho, tenho salário e consigo pagar uma casa até 400 euros. É só isso que gostaria”, afirma. “Já vi nos sites, casas T1, 750 euros, T0, 600”, exclama, ao abanar a cabeça em sinal de incapacidade de responder à lei do mercado.

“Somos guardas do terreno, estamos a tomar conta disto”

Inicialmente calada, de lenço vermelho a cobrir-lhe a cara, Jacira vive há seis anos no agora famoso Bairro do Talude. É mãe de “três crianças”. A mais nova tem “1 ano”, a mais velha, 12. A do meio, 4. “O bebé não está na escola porque não consigo uma creche, os outros estão na escola em Sacavém", conta.

Ver a casa ser “demolida” já não é novidade. "Foi a terceira ou quarta vez”, contabiliza.

Entre o barulho das máquinas e o abafo das vozes cruzadas entre voluntários e os dialetos dos moradores, assistiu ao apagão das habitações dos mais antigos e dos recém-chegados ao bairro.

Nesse diálogo entre quem ali se enraizou e quem colocou a primeira “pedra” recentemente, deixa uma nota que deverá ser mais do que umas palavras de rodapé.

“Há gente que montou casa muito recentemente e a assistente social recebe essas caras novas e esquece as pessoas que estão numeradas e vivem cá há seis anos e não têm ainda uma solução”, lamenta.

“Somos guardas do terreno, estamos a tomar conta disto. Seguro o Talude para outro grupo vir para cá construir casas”, exalta. “Não pode ser. Se a câmara não retirar as pessoas mais antigas daqui, vão sempre entrar novas porque nos veem e querem ter um espaço também”, avisa.

“A Câmara tem de colocar uma placa a dizer “terreno proibido” se não, continuam a entrar pessoas e isto não vai acabar", alerta Jaicira, moradora que viu nascer no bairro dois dos três filhos.

Câmara e movimento Vida Justa a trabalhar lado a lado

O relógio avança e a realidade de um inicial voluntariado despido veste-se de dezenas de braços no alto da inclinação natural do Talude.

De luvas nas mãos e máscara na cara a ajuda faz-se também com recurso a pás e picaretas. Fazem fila indiana, uns atrás dos outros, empilham sofás, cómodas, mesas e tudo o que conseguem transportar para (re)construir um monte onde cabem vestígios de vidas passadas, transportados, seguidamente, por camiões camarários.

Com o “acesso e estrada principal” fechado pela Polícia Municipal por questões de segurança - para passagem das camionetas que procediam à limpeza - a descoberta do sítio desafiava as leis dos mapas virtuais.