Estou a falar da Cimeira de Tianjin da Organização de Cooperação de Shanghai, uma aliança que começou em 2001, entre a China, Cazaquistão, Quirguistão, Rússia, Tajiquistão e Uzbequistão.  Pode dizer-se que era um grupo de chineses e russos com alguns estados satélites. Mas em 2017 entraram a Índia e o Paquistão e o que alargou significativamente a sua abrangência. E em 2003 entrou o Irão e a Belarus (que é como a Bielorrússia quer ser chamada) em 2024. 

Agora, na cimeira de Tianjin, a quinta organizada pela China, estiveram presentes os líderes da Arménia, Azerbaijão, Belarus, Camboja, China, Egipto, Maldivas, Mianmar, Vietname, Laos, Índia, Indonésia, Irão, Cazaquistão, Coreia do Norte Quirguistão, Mongólia, Nepal, Paquistão, Rússia, Turquia, Tajiquistão, Turquemenistão, Uzbequistão e Malásia, além dos Secretários Gerais da Organização de Cooperação de Shangai, da Estrutura Antiterrorista Regional, da ASEAN (Associação de Nações do Sudeste Asiático), da Comunidade de Estados Independentes (que é Lebedev, já estão a ver), da OTSC (Organização do Tratado de Segurança Coletiva), União Económica da Eurásia, Organização de Cooperação Económica, Conferência Para a Interação e Construção de Confiança na Ásia, Banco de Investimento na Infraestrutura da Ásia, e Organização das Nações Unidas (sim, o “nosso” António Guterres também foi). O único que não pode comparecer foi o Presidente da Indonésia, por estar com problemas domésticos.

Se olharmos para a lista dos países e organizações presentes num mapa, vê-se logo que a mancha inclui quase todo o Oriente, menos os países que alinham com o Ocidente: Japão, Coreia do Sul e Austrália. E, embora teoricamente todos tenham o mesmo peso, é claro que na vida real não se pode comparar as Maldivas com a China. Na verdade, esta Cimeira, preparada minuciosamente com pompa e circunstância, é a China a dizer ao Mundo que naquelas águas mandam eles. Inclusive houve um desfile militar impressionante, com mísseis balísticos intercontinentais, aviões furtivos, mísseis hipersónicos e, é claro, milhares de soldados perfeitamente sincronizados na marcha e na expressão facial. (Houve logo quem comparasse este estadão com o pífio desfile que Trump exigiu para comemorar os 250 anos dos Estados Unidos.) 

Então, para que serviu esta demonstração de proporções bíblicas, tanto no número de líderes como de militares? É evidente que serviu para dizer ao Ocidente, especificamente ao Estados Unidos, que há outro macho-alfa na arena. Porque os países presentes têm vários tipos de regime, desde o abertamente autoritário ao pseudo democrático. É difícil classifica-los em termos de “esquerda” ou “direita”, conceitos que não aplicam ao Século XXI.

O que une este grupo dispare é o inimigo comum, o Ocidente, que a partir da Era das Descobertas colonizou a ferro e fogo a maior parte destes países, e inclusive os fez, traçando no mapa linhas que não correspondiam à realidade local. Xi Jinping, com uma conversa de progresso económico versus competição militar foi um recado aberto ao mundo que Trump já não cumpre nem as regras democráticas dentro do seu país, nem a cooperação ocidental fora dele. Enquanto o Ocidente navega à vista com sinais de cansaço e desgaste, o bloco oriental anuncia mais uma vez a sua filosofia de que a força é que está no bom caminho. (Might makes right, em inglês.)

Este grupo não precisa de ser ideologicamente uniforme nos regimes que cada país pratica; o objetivo que reúne países tão afastados uns dos outros na forma de governar, é mostrar que estão juntos contra o colonizador vilão, o imperialismo norte-americano, e o Presidente que para todos os efeitos representa a decadência do ideal humanista. Durante a cimeira e o desfile militar Xi Jinping mostrou os avanços tecnológicos da China e reforçou a ideia de que a sua associação com a Rússia é “ilimitada”, ao mesmo tempo chamando um inimigo habitual, a Índia, para o seu grupo.

É tudo espetáculo; a Rússia será, quando muito, um estado vassalo da China, e a Índia só se aproximou porque Trump fez de tudo para a hostilizar. Depois de décadas de esforços norte-americanos para usar a Índia como contrapeso para a China, o Rei Donald atirou-a para os braços do inimigo.

As imagens dos acontecimentos são bastante significativas; Xi e Putin de mãos dadas, Xi e Modi de mãos dadas, Xi, Putin e Kim Jong Um a conversar animadamente. Certamente que é teatro: no palco perante milhares de milhões de pessoas, há que mostrar harmonia de objetivos. Acima de tudo, uma união de grandes e pequenos em que todos partilham os mesmos objetivos.

Na prática, não é nada disto; há muitas tensões e divergências. Não foi tomada nenhuma decisão concreta, não houve um comunicado final a prometer isto ou aquilo. Mas os símbolos são importantes. Os líderes da China, Rússia e Índia, os três grandes poderes não alinhados com o Ocidente, a trocar piadas e a confraternizar. Aquilo a que assistimos em Tianjin é a oficialização da grande competição do século XXI.

Prefiro não dizer quem será o poder dominante no século XXII.