A situação humanitária extrema em Gaza e o colapso das perspetivas para uma solução pacífica estão a reconfigurar as posições de Estados, instituições e figuras públicas em torno da causa palestiniana.

De declarações internas em Israel contra a sobrevivência do povo da Palestina, a mudanças diplomáticas em capitais europeias em relação à solução de dois Estados, a pressão cresce sobre o Governo de Tel Aviv para pôr fim à sua campanha militar e aceitar uma solução política duradoura. Mas terá essa pressão resultado?

Pela primeira vez em larga escala, vozes públicas israelitas estão a romper com o consenso político em torno da guerra. Trinta e uma figuras de relevo — entre artistas, académicos e ex-responsáveis do Estado — assinaram uma carta enviada ao The Guardian, onde apelam à imposição de sanções severas sobre Israel pela comunidade internacional. A carta acusa o governo de estar “a matar de fome o povo de Gaza e a contemplar a remoção forçada de milhões de palestinianos da Faixa”.

Entre os signatários estão o antigo presidente da Knesset, Avraham Burg, o ex-Procurador-Geral Michael Ben-Yair, o realizador Samuel Maoz, e o poeta Aharon Shabtai. O documento é direto no seu apelo: “A comunidade internacional deve impor sanções esmagadoras a Israel até que esta campanha brutal termine e seja implementado um cessar-fogo permanente.”

A carta surgiu no contexto da divulgação de novos números da guerra: mais de 60 mil palestinianos mortos em 21 meses, segundo o Ministério da Saúde de Gaza. Os relatórios inéditos de organizações israelitas de direitos humanos, como a B’Tselem e a Physicians for Human Rights Israel, comprovam estes dados e, pela primeira vez, consideram que Israel está a conduzir uma política “genocida”.

Enquanto isso, imagens de crianças severamente desnutridas e relatos de civis abatidos ao tentarem obter comida continuam a abalar consciências dentro e fora de Israel. “Bloquear alimentos, água, medicamentos e eletricidade, especialmente para crianças, é indefensável”, lê-se numa declaração da corrente Reformista Judaica nos EUA, a maior do país, que considerou o governo israelita “culpado” pela fome em Gaza.

Europa em mudança: o reconhecimento da Palestina

Em paralelo à crescente contestação moral, os apoios políticos ao Estado da Palestina ganham espaço na conjuntura internacional.

O Reino Unido anunciou que reconhecerá oficialmente o Estado da Palestina em setembro, a menos que Israel aceite um cessar-fogo e se comprometa com uma solução de dois Estados. “A situação em Gaza é cada vez mais intolerável”, afirmou o primeiro-ministro Keir Starmer, justificando a decisão de retomar os trabalhos do seu gabinete durante o verão para aprovar um novo plano de paz.

“Reconheceremos o Estado da Palestina antes da Assembleia-Geral da ONU em setembro, se não houver avanços concretos no terreno”, declarou. O plano britânico alinha-se com esforços conjuntos com França e Alemanha para estabelecer um roteiro duradouro para o Médio Oriente.

Também em França, o presidente Emmanuel Macron confirmou que reconhecerá oficialmente o Estado da Palestina no mesmo mês. “A urgência hoje é que a guerra em Gaza termine e que a população civil seja socorrida. A paz é possível”, afirmou Macron.

A sua decisão, duramente criticada por Israel e pelos EUA, foi aplaudida por responsáveis palestinianos: “Esta posição reflete o compromisso de França com o direito internacional e com os direitos do povo palestiniano”, afirmou Hussein al-Sheikh, vice presidente do Estado da Palestina.

Macron foi claro sobre os termos de uma paz duradoura: “Devemos garantir a desmilitarização do Hamas e reconstruir Gaza. Finalmente, temos de construir o Estado da Palestina, garantir a sua viabilidade e assegurar que, ao aceitar a sua desmilitarização e reconhecer plenamente Israel, contribui para a segurança de todos no Médio Oriente. Não há alternativa.”

Um ponto de viragem?

Apesar das acusações do primeiro-ministro israelita, o movimento para o reconhecimento da Palestina cresce. A maioria dos membros da Comissão de Negócios Estrangeiros do parlamento britânico declarou que o reconhecimento “não pode ser condicionado” e que deve acontecer “enquanto ainda há um Estado para reconhecer”.

Atualmente, mais de 140 dos 193 Estados-membros da ONU reconhecem a Palestina como Estado. Contudo, grandes aliados de Israel, como os EUA, o Reino Unido (até agora) e o Japão, têm adiado esse passo, citando obstáculos políticos e de segurança. Também Portugal se mantém isento, e diz não se sentir pressionado para tomar partido sobre o conflito.

Com Gaza em ruínas, um número crescente de crianças malnutridas, e mais de 100 organizações humanitárias a denunciar o risco de fome em massa, o reconhecimento diplomático poderá ser visto não apenas como um gesto político, mas como uma resposta urgente à catástrofe humanitária.

Entretanto, Israel diz querer anexar a Palestina, e ocupar o território, sem mencionar uma solução para os milhares de palestinianos que ainda vão sobrevivendo ao massacre. Para Trump, apesar de reconhecer o estado de urgência em que vivem os palestinianos, a opinião da Europa não tem peso nenhum nas decisões de Tel Aviv.

E, por isso, o futuro da Palestina continua a depender da pressão internacional, da capacidade de mobilização política e da resistência de um povo cuja autodeterminação, para muitos, é uma questão de justiça histórica, mas que agora passou a ser, antes de tudo, de sobrevivência.