Acompanhe toda a atualidade informativa em 24noticias.sapo.pt

Todos os anos, os afogamentos, nomeadamente de menores de idade, são uma realidade em Portugal. Entre 2020 e 2023, o número médio de mortes por afogamento, por ano, subiu para 14 (quando 7,3 foi a média do período anterior), segundo dados da Associação para a Promoção da Segurança Infantil (APSI), que pela 23ª vez se associou à GNR durante o verão para a sensibilização das famílias sobre o afogamento infantil.

Nos últimos 13 anos, em média, por ano, 10 crianças morreram na sequência de um afogamento e 21 foram internadas, mortes estas que acontecem em especial na época balnear. Todos os meses há registo de afogamentos, no entanto, julho (24%), agosto (23%) e junho (16%) são os meses onde se verificam mais casos. O 24notícias foi perceber junto de um especialista se a natação obrigatória na escola poderia mitigar este fenómeno.

10 Conselhos para evitar os afogamentos de crianças

1. Perto da água, não perca as crianças de vista nem por um segundo.

2. Dificulte o acesso das crianças aos locais com água: vede ou cubra piscinas, lagos, tanques, poços e fossas.

3. Nunca deixe uma criança de 3 ou 4 anos sozinha na banheira durante o banho.

4. Despeje toda a água de baldes, alguidares e banheiras logo após a utilização.

5. Coloque sempre às crianças braçadeiras em águas paradas, transparentes e pouco profundas ou um colete salva-vidas em águas agitadas, turvas ou profundas.

6. Escolha praias e piscinas vigiadas e cumpre a sinalização.

7. Ensine as crianças a nadar, mas mantenha a vigilância.

8. Ensine as crianças a nunca irem nadar sozinhas e não mergulhar de cabeça sem conhecer bem a profundidade da água.

9. Aprenda a fazer reanimação cardio-respiratório, esse gesto pode salvar uma vida. Faça um curso de Primeiros Socorros!

10. Em Férias, redobre a vigilância. O primeiro dia e o final da tarde são os momentos em que acontecem mais afogamentos.

(fonte: APSI)

Para a Federação Portuguesa de Natação (FPN), o caminho para introduzir a natação nas escolas, nomeadamente a partir do primeiro ciclo, só pode ser através da disciplina de Educação Física. Nos últimos anos, a instituição tem tentado implementar projetos nas escolas que vão de encontro a esta missão. É exemplo disso o programa "Portugal a Nadar", que resulta do plano estratégico 2014-2024 para levar as escolas às piscinas em todo o país com ajuda das autarquias. Por implementar está ainda um projeto mais abrangente, "Prova de Água – Sobrevivência e Prontidão Aquática", mais relacionado com a sobrevivência aquática para crianças do primeiro ciclo e do pré-escolar, que já foi levado à Assembleia da República e espera a implementação.

"Alguns municípios levam crianças à natação de forma autónoma, dissociada da Federação Portuguesa da Natação, mas a nossa intenção era que houvesse um projeto global com os conteúdos programáticos definidos pela entidade que regula o ensino da natação, que é o caso da Federação, e que todos pudessem implementar isso", sublinha Ricardo Antunes, diretor técnico nacional de Natação Pura da FPN, ao 24notícias.

Por isso, neste momento, para a Federação a vontade "vai depender muito das autarquias, porque elas são o grande motor local do desporto e que dão as condições para que estas coisas aconteçam, porque há muito poucos clubes que tenham piscinas próprias, e os clubes não são suficientes para chegar a Portugal inteiro e há muitos locais que não têm piscinas", acrescenta.

"Entre os três e os seis anos é possível adquirir competências que permitam estar em segurança na água"

"Entre os três e os seis anos é possível adquirir competências que permitam estar em segurança na água, que são controlar a respiração, e alguns movimentos propulsores que os permitem deslocarem-se para algum lugar: agarrarem a parede, uma escada ou uma pista de piscina. Nesta fase, ainda não adquirem naturalmente destrezas de nado fino e de nado consistente. Isto acontece mais a partir dos seis anos de idade. A idade ideal é entre os nove e os 11 anos", aponta o especialista no ensino da natação, que reforça a importância de introduzir a natação, especialmente durante a escola primária.

Segundo os dados da APSI referentes aos últimos 12 anos, o maior número de mortes por afogamento ocorre na faixa etária dos 15 aos 19 anos e o maior número de internamentos na faixa etária dos zero aos quatro anos. De uma maneira geral, os afogamentos verificam-se mais até aos quatro anos de idade. Sabe-se ainda que entre 2017 e 2023, por cada criança que morria nesta faixa etária, três eram internadas.

Afogamentos
Afogamentos

Nos últimos quatro anos, 55 crianças e jovens morreram por afogamento: 19 até aos quatro anos, quatro entre os cinco e os nove anos, oito adolescentes entre os 10 e os 14 anos e 24 jovens entre os 15 e os 19 anos.

Há 23 anos que a APSI desenvolve a Campanha de Prevenção de Afogamentos de Crianças e Jovens em Portugal, sendo que, há quatro edições, conta com a parceria da Guarda Nacional Republicana (GNR) e dura até ao dia 30 de setembro.

"Nadar não é suficiente"

"A natação é apenas uma das competências necessárias e naturalmente, de forma isolada, não é suficiente para prevenir o afogamento de ninguém. Há muita gente que se afoga que sabe nadar, mas é uma competência essencial, a par de outras que devem existir de forma complementar", aponta Sandra Nascimento, presidente da APSI.

Assim, a disciplina de Cidadania e Desenvolvimento, cujos conteúdos se encontram a ser revistos pelo atual governo, poderia ser a porta para introduzir conceitos como a segurança no meio aquático, reconhecimento de situações potencialmente perigosas, o salvamento seguro, primeiros socorros, entreajuda para com quem se conhece e para com quem não se conhece sem riscos, entre outros. Algo, com que a FPN concorda e considera que já devia ter sido feito.

"Há casos de pais ou familiares que vão tentar salvar as crianças e acabam por morrer mais do que um e, às vezes, o próprio adulto. Há também casos de jovens que foram ajudar os seus amigos e, em vez de termos uma vítima, tivemos duas ou três", recorda a responsável. "Nadar não é suficiente".

"Não há professores de natação para todo o país"

A implementar-se a obrigatoriedade da natação na escola pública e tendo em conta o princípio da igualdade entre todos os alunos independentemente da geografia, surge um problema: "Não há professores de natação para todo o país", partilha Ricardo Antunes. "Em Lisboa, e nos grandes centros, há mesmo muita dificuldade. Nos pequenos centros, já é relativamente mais fácil. Antes da pandemia era muito mais fácil", aponta.

A sua newsletter de sempre, agora ainda mais útil

Com o lançamento da nova marca de informação 24notícias, estamos a mudar a plataforma de newsletters, aproveitando para reforçar a informação que os leitores mais valorizam: a que lhes é útil, ajuda a tomar decisões e a entender o mundo.

Assine a nova newsletter do 24notícias aqui

Porque é que isto acontece?

"Alguns professores devem receber menos do que uma empregada doméstica. Não estou a desconsiderar a profissão de empregada doméstica, mas a formação que é preciso ter para dar aulas, não é a mesma que é necessária para se ser empregado doméstico. Existe ainda a responsabilidade de lidar com crianças e com pessoas que não sabem nadar. Também acaba por ser um bocado culpa nossa, porque aceitamos qualquer proposta", acrescenta.

Alexandre Serrasqueiro, Sports Manager na Associação de Natação de Lisboa, confirma que é urgente introduzir a natação nas escolas e que isso já existe em alguns concelhos do país em que as crianças vão, durante três meses, seis a 12 vezes aprender a nadar, mas o programa depende de cada localização. "Mesmo nos locais onde existe é claramente insuficiente".

Sobre a falta de professores, nomeadamente em maior número na região de Lisboa, o responsável comenta que "o técnico de natação é um técnico muito precário. Se for um treinador pessoal (PT), que até é menos competente do que um professor de natação, dá umas aulas de natação e é capaz de conseguir entre 30 a 50 euros por hora. Se for um técnico de natação a dar aulas num espaço, num município ou num clube, pode variar entre os nove a 15 euros", o que o setor considera insuficiente.

"Depois da pandemia, como a atividade estava suspensa, muitos dos técnicos de natação procuraram outras alternativas, sejam elas apoio telefónico a empresas, entre outras coisas. E não voltaram", recorda Serrasqueiro.

"Existe uma subvalorização da importância de um responsável que tem a seu cargo várias pequenas coisas. Uma, que é a saúde pública. Outra, que é a segurança. E outra, dado que não deixa de ser um processo pedagógico muito específico. E a subvalorização da importância de tudo isto, com o pagamento de valores muito baixos, leva a que as pessoas estejam muito pouco tempo envolvidas nesta área", aponta.

"A população de técnicos de natação é provavelmente a população de técnicos de qualquer modalidade desportiva com maior nível académico e maior nível de formação. Se pensarmos na modalidade rainha em Portugal, nós estamos quase no extremo oposto", comenta.

Boiar antes de aprender a nadar? "É como andar de bicicleta"

Para os pais que querem começar a introdução ao meio aquático o mais cedo possível, existe uma opção cada vez mais procurada pelos educadores, apesar de estar distante da natação tradicional.

Neste método inovador, os resultados são alcançados através de aulas individuais totalmente personalizadas, com apenas a criança e o instrutor na água. Tudo deve ser feito o mais cedo possível e crianças mais pequenas, geralmente entre os seis e os 12 meses de idade, ali aprendem a suster a respiração debaixo de água e a rodar o corpo até à posição de flutuar, onde poderão respirar e descansar até a ajuda chegar.

No caso de crianças que já caminhem, normalmente a partir dos 12 meses de idade, aprendem a suster a respiração debaixo de água, nadar de barriga para baixo com os olhos abertos dentro de água, rodar para flutuar (descansar e respirar), e novamente rodar para nadar, fazendo a sequência nadar-flutuar-nadar até chegarem a um ponto de segurança ou ficarem a flutuar até serem resgatadas.

Raquel Urbano preparou-se para fazer este tipo de formação a crianças na Infant Swimming Resource, lider global destes cursos em todo o mundo com cerca de 450 instrutores. Para aprender a técnica teve de se deslocar aos EUA e já dá aulas desde 2021 em Portugal.

"Este curso serve para uma coisa: no caso de uma criança cair à água saber o que fazer", diz a professora em entrevista ao 24notícias. "Desde a pandemia, a situação dos afogamentos agravou-se um bocadinho, porque mais gente construiu piscinas em casa e deixou de haver aulas", acrescenta.

Tendo em conta que esta aprendizagem não está relacionada com natação, a professora reforça: "É muito bom o contacto com a água, mas no caso de caírem na água, não sabem exatamente o que fazer, portanto, caem vestidos, caem em posições diferentes e aqui através do toque, com uma aprendizagem sensorial e motora, a criança percebe o que é que tem que fazer e como é que deve responder, nomeadamente rodando".

Raquel Urbano dá aulas no Porto, mas já existem outros instrutores em outros pontos do país. Mas como há necessidade e pedidos, também viagens pelo país em piscinas particulares cobertas ou descobertas com aquecimento (estas apenas no verão).

Entre seis a oito semanas, durante 10 minutos por dia as crianças entre os seis meses e os seis anos aprendem a flutuar. Um ano depois do curso pode ser necessário uma aula de revisão da matéria. Mas "é como andar de bicicleta, aprende-se e nunca mais se esquece", garante a professora.

O que diz a realidade?

A APSI registou, entre 2005 e 2024, um total de 261 casos de afogamento de crianças e jovens até aos 18 anos reportados pela imprensa nacional. Só em 2024 foram identificados 12 episódios, dos quais sete resultaram em morte. Nos últimos cinco anos, o número de situações noticiadas, sobretudo com desfecho fatal, tem sido mais elevado do que em períodos anteriores, o que pode indiciar um agravamento recente do problema.

Época balnear já soma mais de mil salvamentos e 16 mortes nas praias portuguesas
Época balnear já soma mais de mil salvamentos e 16 mortes nas praias portuguesas
Ver artigo

A análise mostra que os rapazes representam a maioria das vítimas (60%), contra 28% de raparigas, sendo que em 31 situações não foi possível apurar o sexo. Quanto às idades, as crianças mais pequenas surgem como as mais vulneráveis: 34% tinham entre zero e quatro anos, 27% entre os 10 e os 14, 22% entre os cinco e os nove e 12% entre os 15 e os 18. Em 14 casos a idade não foi divulgada.

Os locais onde ocorrem os afogamentos variam consoante a faixa etária. As piscinas lideram o número de registos (33%), seguidas das praias (27%) e de rios, ribeiras e lagoas (23%). Os dados revelam que as crianças mais novas tendem a afogar-se em espaços construídos, como piscinas, enquanto os jovens mais velhos estão mais expostos em ambientes naturais. Entre 2013 e 2024, num universo de 59 casos analisados em piscinas, mais de metade (55,9%) aconteceu em piscinas particulares.

Afogamentos 2
Afogamentos 2