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O treino do “não”

O «não» é uma dificuldade central para Cordeiro, é a prova de fogo. A inércia da sua reatividade leva-o a assumir mais trabalho, a acomodar-se bem ou mal, mesmo se isso lhe custa. Deixar de seguir este caminho é algo que lhe pede um esforço importante.

Pela minha experiência, os aspetos técnicos de como dizer «não» têm a sua importância e ajudam a esta aprendizagem, mas é a unificação interior que exerce a influência mais determinante. Na prática, isso significa tomar consciência, em primeiro lugar, das diferentes vozes que ouvimos dentro de nós e que têm discursos opostos. No nosso exemplo, os argumentos que levam a ficar mais tempo no trabalho para entregar o número pedido, o medo de deixar o chefe descontente, a impressão de que a urgência real não é tão grande e o corpo que resiste a fazer um esforço suplementar. Eis uma bela cacofonia em que as vozes chocam entre si e se contradizem!

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A primeira armadilha que devemos evitar é querer suprimir uma delas. A unificação não se realiza reprimindo aquilo que incomoda. Cada parte tem a sua razão de ser. É preciso deixar de as opor e de criar argumentos dentro da nossa cabeça. O que devemos fazer é tentar ter um panorama que as inclua a todas e reconhecer a contribuição que estes diferentes pontos de vista trazem para compreendermos a situação. Pode assim emergir um sentimento global mais justo e com mais nuances, permitindo a Cordeiro sentir-se completamente bem com ele próprio e com o seu ambiente, uma vez que não rejeita nada. Sim, cabe-lhe produzir este número, mas também sente a sua própria lassidão e o stress do chefe que lhe pediu isto no último minuto; sente que nada justifica trabalhar mais uma hora agora e, finalmente, não pode evitar desapontá-lo se adiar a tarefa para amanhã.

Admitindo todos estes elementos, ele sente-se mais sólido para apoiar a sua decisão e deixou de ter dúvidas, porque está ancorado nele próprio e na realidade. Outro aspeto crucial é que dizer «não» implica uma dimensão energética. Paradoxalmente, enunciar esta negação é como uma afirmação: «Estou aqui, existo, ninguém faz de mim o que quer.» Quando animava sessões de terapia em grupo, propunha por vezes um exercício em que os participantes eram convidados a dizer «não» em voz alta e no tom que lhes vinha espontaneamente. Ao ouvi-los, notava uma evolução ao longo do exercício: o participante começava por enunciá-lo sem grande convicção e, progressivamente, esta palavra mágica começava a despertar emoções, a suscitar “nãos” muito mais vivos, desesperados, aterrorizados, raivosos ou furiosos.

Livro: "Imunidade Psicológica"

Autor: Christophe Massin

Editora: Contraponto

Data de lançamento: 7 de agosto de 2025

Preço: € 16,60

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No entanto, a intensidade emocional anda de mãos dadas com a impotência. Esses “nãos” eram reflexo do sofrimento, e quando sofremos estamos numa posição para que nos seja imposto algo. De facto, há recordações traumáticas da infância ou situações atuais de dor e de frustração que emergem. Levando o exercício mais longe, chegamos a um ponto de viragem em que o “não” muda radicalmente de tom: rebenta de energia, torna-se uma completa afirmação de si que rejeita o comprometimento, a submissão, a escravatura do medo e da dependência. A pessoa recupera o seu direito a existir, independentemente do que possam pensar ou julgar, e não quer mais deixar-se modelar pelas expetativas de outros nem pela sua própria busca de reconhecimento. Cada “não” traz-lhe uma verdadeira volúpia e experimenta um sentimento inédito de liberdade.

Quando entramos em contacto com esta energia, o ato de recusar dispensa argumentos ou volume sonoro. Entramos num registo de determinação tranquila, de certeza face ao que não queremos. É uma ilustração do famoso «não é uma frase completa»! Enquanto essa necessidade de justificação se manifestar, isso traduz que a unificação não é total. Neste círculo vicioso, cada justificação enfraquece. Basta que o outro insista e nos culpabilize para que isso aniquile qualquer tentativa de rebelião. Cordeiro tem todo o interesse em escolher esta fórmula como mantra, retendo qualquer argumentação defensiva! Deve treinar a sobriedade e só fornecer explicações se estas lhe forem pedidas, e a conta-gotas, para não entrar no caminho habitual… Ainda para mais, sabe que assim está a expor as suas falhas e a fornecer ferramentas ao outro para que insista e vença.