A proposta do Governo para extinguir a Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) e integrar parte das suas competências na Agência Nacional de Inovação (ANI) está a ser fortemente contestada por reitores e investigadores de várias universidades portuguesas. O diploma, aprovado em Conselho de Ministros e atualmente aguardando promulgação do Presidente da República, é acusado de comprometer a ciência em Portugal e de não assegurar os objetivos de desenvolvimento económico.

Em causa está o Decreto-Lei que cria uma nova agência resultante da fusão parcial da FCT com a ANI — uma mudança que, segundo os subscritores da carta enviada ao Governo e às instituições científicas, “não tem paralelo nas práticas internacionais” e pode subalternizar a ciência à lógica da inovação económica.

O parecer que sustentou a proposta legislativa — produzido pelo Conselho Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (CNCTI) — é duramente criticado pelos signatários, que o consideram de “má qualidade”, sem uma análise rigorosa do sistema científico nacional, nem referência às especificidades da economia portuguesa ou às suas áreas críticas de I&D.

Entre os principais alertas está a falta de diagnóstico sobre o baixo investimento público e privado em ciência, que está abaixo da média europeia. O relatório opta por destacar o bom desempenho global no índice de inovação, ignorando que esse desempenho esconde desequilíbrios estruturais: em 2025, o investimento público em I&D representa apenas 78,3% da média da UE, enquanto o privado não ultrapassa os 70,3%, apesar de Portugal ser o país europeu que mais apoia financeiramente empresas na área.

“A proposta introduz uma rutura não anunciada, construída à margem da comunidade científica e em desacordo com as recomendações da OCDE, da União Europeia e do relatório Draghi”, lê-se na declaração.

Críticas à metodologia e à estrutura da nova agência

Os cientistas apontam ainda inadequações na proposta de aplicar a escala TRL (Technology Readiness Level) — normalmente reservada a projetos tecnológicos ou de inovação — à avaliação de toda a atividade científica, incluindo investigação fundamental e áreas como ciências sociais e humanidades, onde a metodologia é considerada desajustada.

A nova agência ficará sob dupla tutela governamental: Ministério da Educação, Ciência e Inovação, e Ministério da Economia e Coesão Territorial. Para os subscritores, essa configuração é um retrocesso face à autonomia conquistada pela ciência desde 1995, quando passou a ter estrutura própria separada da tutela económica.

“Colocar a ciência exclusivamente ao serviço da economia a curto prazo compromete, no longo prazo, a produção de conhecimento em todas as áreas”, alertam os autores da carta.

Entre os signatários estão nomes como Amílcar Falcão (reitor da Universidade de Coimbra), Maria de Lurdes Rodrigues (reitora do Iscte), Rui Vieira de Castro (reitor da Universidade do Minho), Cecília Rodrigues (vice-reitora da Universidade de Lisboa), entre outros investigadores e dirigentes de instituições de ensino superior e centros de investigação.

A promulgação presidencial do diploma continua pendente.
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