
Acompanhe toda a atualidade informativa em 24noticias.sapo.pt
A Ben & Jerry’s sempre foi mais do que uma simples empresa de gelados. Quando Ben Cohen e Jerry Greenfield, dois amigos da infância de Long Island, abriram a sua primeira loja numa antiga estação de serviço em Burlington, no estado norte-americano do Vermont, a 5 de maio de 1978, estavam na vanguarda de uma tendência emergente: os gelados superpremium, que como conta a revista Time, tinham ingredientes naturais, maior densidade e sabores intensos.
O que começou como uma alternativa depois de Cohen não ter sucesso como oleiro e Greenfield ser rejeitado pelas escolas de medicina, rapidamente se transformou numa marca sinónimo de ativismo social e político, conhecida tanto pelos seus sabores criativos e embalagens coloridas, quanto pelas suas posições progressistas em questões de direitos humanos, justiça social e política ambiental.
Mas agora, quase meio século depois, um dos seus cofundadores bateu com a porta. Jerry Greenfield anunciou a sua saída da empresa numa carta aberta partilhada nas redes sociais pelo seu parceiro de negócios Ben Cohen, alegando que a independência da marca para defender as suas causas foi “silenciada” pela empresa-mãe Unilever.
A carta que pôs fim a 47 anos de história
“É com o coração partido que decidi que já não posso, em boa consciência, e após 47 anos, continuar a ser funcionário da Ben & Jerry’s”, escreveu Jerry Greenfield na carta dirigida à comunidade da marca.
Greenfield explica que a sua saída não se deve a qualquer desamor pela equipa da Ben & Jerry’s. “As pessoas que aparecem todos os dias nas nossas fábricas, lojas e escritórios são algumas das pessoas mais apaixonadas, carinhosas e orientadas por valores que alguma vez conhecerás. Elas são a alma da Ben & Jerry’s”, sublinha.
O problema, segundo o cofundador, está na perda da independência que a marca tinha para “prosseguir os nossos valores”, algo que considera ter sido garantido quando a Unilever comprou a empresa em 2000 por 326 milhões de dólares.
Quando o gelado começou a derreter
Quando a Unilever adquiriu a Ben & Jerry’s há mais de duas décadas, o acordo garantia à marca independência para prosseguir a sua missão social, segundo a Associated Press. Durante mais de 20 anos, segundo Jerry Greenfield, “a Ben & Jerry’s manteve-se firme e pronunciou-se em defesa da paz, justiça e direitos humanos, não como conceitos abstratos, mas em relação a eventos reais que acontecem no nosso mundo”.
Esse acordo funcionou durante anos, mas o cofundador considera que essa independência “desapareceu”. A situação tornou-se particularmente tensa nos últimos anos, especialmente em questões relacionadas com o conflito israelo-palestiniano.
Em 2021, a Ben & Jerry’s anunciou que deixaria de vender os seus produtos nos territórios israelitas ocupados na Cisjordânia e em Jerusalém Oriental. A decisão gerou controvérsia e tensões com a Unilever, que no ano seguinte vendeu o negócio israelita a uma empresa local.
Dos escritórios para o tribunal
As tensões escalaram para o tribunal. Em março de 2024, a Ben & Jerry’s acusou a Unilever de ter substituído ilegalmente o CEO David Stever em retaliação pelo ativismo social e político da marca. Conta a Associated Press que, segundo a empresa de gelados, esta decisão violava o acordo de fusão com a Unilever.
Mais tarde, em novembro, a Ben & Jerry’s processou novamente a empresa-mãe, desta vez acusando-a de silenciar as suas declarações de apoio aos refugiados palestinianos durante a guerra em Gaza. O processo alega ainda que a Unilever recusou permitir que a empresa publicasse uma mensagem nas redes sociais sobre questões que estariam em risco com o segundo mandato do Presidente Donald Trump, incluindo salários mínimos, cuidados de saúde universais, aborto e alterações climáticas.
"Defender os valores de justiça, equidade e da nossa humanidade partilhada nunca foi tão importante."
Jerry Greenfield não esconde que o momento político atual influenciou a sua decisão. “Isto acontece numa altura em que a atual administração do nosso país ataca os direitos civis, os direitos de voto, os direitos dos imigrantes, das mulheres e da comunidade LGBTQ”, escreve na carta.
Para o cofundador, “defender os valores de justiça, equidade e da nossa humanidade partilhada nunca foi tão importante, e no entanto a Ben & Jerry’s foi silenciada, posta de lado por medo de perturbar aqueles que estão no poder”.
Qual foi a resposta da Unilever?
A Magnum Ice Cream Company, a unidade de gelados da Unilever que está a ser separada numa empresa independente, respondeu às acusações de Jerry Greenfield com diplomacia, mas firmeza. “Discordamos da sua perspetiva e procurámos envolver ambos os cofundadores numa conversa construtiva sobre como fortalecer a poderosa posição baseada em valores da Ben & Jerry’s no mundo”, disse um porta-voz da empresa, citado pela Associated Press.
A empresa garante que continua “comprometida com a missão da Ben & Jerry’s” e “focada em levar adiante o legado de paz, amor e gelado desta marca icónica e muito amada”.
O que reserva o futuro?
Jerry Greenfield e Ben Cohen têm pressionado para que a Ben & Jerry’s volte a ser uma empresa independente, argumentando numa carta ao conselho da Magnum que não acreditam que a marca deva fazer parte de uma empresa que não apoia a sua missão fundadora.
Para Jerry Greenfield, a decisão de partir é dolorosa mas inevitável. “Se não posso levar esses valores para a frente dentro da empresa, então levá-los-ei para a frente lá fora, com todo o amor e convicção que conseguir”, conclui na sua carta de despedida.
A Ben & Jerry’s perde assim um dos seus fundadores, mas Jerry Greenfield promete continuar a defender as causas em que sempre acreditou, mas agora do lado de fora da empresa que ajudou a criar.
__
A sua newsletter de sempre, agora ainda mais útil
Com o lançamento da nova marca de informação 24notícias, estamos a mudar a plataforma de newsletters, aproveitando para reforçar a informação que os leitores mais valorizam: a que lhes é útil, ajuda a tomar decisões e a entender o mundo.
Assine a nova newsletter do 24notícias aqui.
Comentários