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Não é fácil governar Espanha, um país divido em regiões muito diferentes, onde se misturam saudosistas da ditadura franquista de 1939-1975 com independentistas bascos e catalães, todas as tendências políticas e um proverbial sangue quente.
Aquando das primeiras eleições democráticas após a morte do ditador, em 1977, surgiram todos os partidos pré-guerra civil, entre eles o Partido Socialista, o mais antigo da Europa. Em 1979, rebatizado PSOE (Partido Socialista Operário de Espanha), o secretário-geral, Felipe Gonzales, conseguiu, no meio de forte contestação, abandonar o marxismo e adoptar uma linha social-democrata de esquerda.
Felipe Gonzales obteve a vitória em quatro eleições gerais consecutivas (1982, 1986, 1989 e 1993, num total de 14 anos. Acumulou ao longo desse período um imenso caudal político que lhe permitiu transformar o país nos mais diversos campos, através da sua gestão feita em municípios, comunidades autónomas, governo de Espanha, Parlamento Europeu e Comissão Europeia
A crise económica de 1993, os escândalos de terrorismo de Estado, como o caso GAL e numerosos escândalos de corrupção político-económica, como o caso do tráfico de influências exercido por Juan Guerra, irmão do vice-presidente do governo Alfonso Guerra, o caso IBERCORP onde estava implicado o presidente do Banco Central espanhol, Mariano Rubio, ou o do Diretor Geral da Guarda Civil, Luís Roldán, atingiram fortemente a reputação Felipe González, somando tudo ao cansaço do eleitorado com os socialistas. Assim, em 1996 o PSOE perdeu as eleições para o seu concorrente de sempre, o Partido Popular, de direita (que incluía os saudosistas franquistas) chefiado por Pablo Casado.
(Podemos fazer a analogia destes dois partidos com os portugueses PSD e PS, embora os espanhóis sejam mais radicais.) É neste período que a ETA basca se dissolve, e o governo autónomo basco entra na linha do governo central de Madrid.
Gonzales retirou-se e o partido passou para a liderança de José Luis Rodrigues Zapatero. Lentamente, foi reconquistando a confiança do eleitorado, até ganhar as eleições autonómicas e municipais em 2003 e as nacionais em 2004. O PSOE fez avanços na melhoria dos direitos civis e na igualdade de género, e numa reforma do sistema educacional o ano. A sua acção centrou-se na ampliação e a melhoria dos direitos civis, a igualdade de género, a reforma da educação e dos Estatutos das Comunidades Autónomas. Mesmo assim, voltou a perder a maioria parlamentar em 2011, 2015 e 2016 para o Partido Popular de Mariano Rajoy.
O PP aguentou-se até implodir com uma série de escândalos económicos. Quer dizer, o PP não desapareceu, mas os escândalos foram enfatizados pelos socialistas, como prova de que a direita não pode governar. Mal sabiam eles, como veremos…
Em 2019, já sob a liderança de Pedro Sanchez, o PSOE voltou para o Governo, num processo conturbado que exigiu duas eleições.
Um dos destaques do governo de Sánchez foi o objetivo prioritário de aplicar a Lei de Memória Histórica, que reconhecia aos filhos e netos dos antigos combatentes do lado republicano exilados, o direito de serem espanhóis. Como se calcula, esta lei gerou raiva e desespero nos saudosos da ditadura, até porque entre as decisões legais estava incluía a exumação e transladação dos restos mortais de Franco do Vale dos Caídos para um cemitério civil.
Para ser eleito em 2019, Pedro Sanchez teve de fazer duas alianças que até hoje são controversas. Uma foi com o Unidas Podemos, uma coligação de micro-partidos de esquerda radical, que tinham jurado nunca se aliar ao PSOE (que se pode comparar ao Bloco de Esquerda, em Portugal).
A outra aliança foi com o chamado "bloco de investidura", um grupo heterogéneo de deputados esquerdistas, nacionalistas e separatistas e que causaram grande controvérsia no eleitorado. Destaca-se o acordo com o partido catalão independentista JxCat, que foi um dos organizadores do referendo sobre a separação da Catalunha, não autorizado pelo Governo de Madrid, e portanto considerado uma revolta.
O acordo foi assinado em Bruxelas, porque o secretário-geral do JxCT, Charles Puigdemont, não podia entrar em Espanha, condenado por traição. Portanto Puigdemont, que era o Presidente da Catalunha em 2017, pode voltar para casa e renovar o seu mandato, dando a maioria que Sanchez tanto queria - a “qualquer preço”, inclusive negociar com um condenado, segundo a opinião da oposição e uma grande parte do eleitorado.
Puigdemont participou na formação de uma segunda coligação de esquerda, conhecida como Sumar.
Pois bem, Sanchez formou governo denunciando os escândalos do PP e usando um coligação de ética muito discutível; e ao longo destes últimos seis anos o seu governo notabilizou-se sobretudo por escândalos…
O primeiro vem do ano passado e é dos tempos da pandemia. O costume: contratos milionários na compra de máscaras em 2020.
Entretanto um tribunal está para julgar a investigação sobre a suposta participação de sua esposa, Begoña Gómez, em um caso de corrupção e tráfico de influência.
O irmão do primeiro-ministro, David Sánchez, também está na mira da Justiça. Irá a julgamento por suposto tráfico de influência e prevaricação, pela sua nomeação para um cargo público regional.
O procurador-geral do Estado, Álvaro García Ortiz, aliado de Sánchez, também será julgado por revelar informações confidenciais. O caso envolve o parceiro amoroso da presidente da comunidade de Madrid, Isabel Díaz Ayuso, importante membro do PP.
O futuro desta coligação depende das medidas a serem adoptadas Sanchez para refrear o escândalo e chegar ao fundo do esquema de corrupção — e se essas medidas irão convencer os seus sócios.
A vice-primeira-ministra Yolanda Díaz, da Sumar, e a esquerda nacionalista catalã já anunciaram que seu apoio depende das ações a serem tomadas pelo governo.
O líder do PP, Alberto Núñez Feijóo, fez o que Sanchez lhe tinha feito a Mariano Rajoy: pediu a sua demissão e a convocação de eleições antecipadas.
Agora, na semana passada, outro escândalo de corrupção envolve duas figuras íntimas de Sánchez, José Luis Ábalos, antigo ministro e actual deputado, e Santos Cérdan, o número três do partido. Claro que todos negam tudo.
Entretanto o PP bem podia ficar calado porque, embora não governe há seis anos, está a braços com outro processo de corrupção.
O que pode acontecer é que os outros membros da coligação, o Sumar e o Unidas Podemos, que nunca foram amigos do PSOE, achem que já não vale a pena apoiar Sanchez. Neste caso ele cairia imediatamente, mesmo contra-vontade.
Parece haver cada vez menos possibilidades que ele se aguente. Mas, com pessoas deste nível, nunca se sabe o que podem inventar.
Uma coisa é certa: não vêm bons ventos de Espanha.
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