A tangencial e heterogénea maioria governamental de conveniência, presa por pinças, está em estado de choque com as evidências de corrupção no topo do poder. O governo Pedro Sánchez, coligação de esquerdas com nacionalistas há sete anos no comando político de Espanha, agoniza, com a reputação arrasada por histórias de corrupção. Está a repetir o calvário que o PP penou em 2018 quando, pelos mesmos motivos, a direita teve de entregar o poder às esquerdas. A história de meio século de poder político em Espanha repartido pelo PSOE e pelo PP está recheada com dezenas de casos de corrupção que levou vários ex-ministros, de ambos os campos, para a cadeia. Os ultras do VOX tratam de, tal como o Chega em Portugal, tirar partido dessa degradação.

O combate político, dominado pelo insulto e pela desqualificação do adversário, sem regras, em modo de vale tudo, está em fase crítica. Feijóo, líder do PP, trata Sánchez, líder do PSOE e da maioria governamental, como “chefe da mafia”. Sánchez retribui remetendo para o historial do PP. No hemiciclo do parlamento, as palavras “putero” e “corrupto” ressoaram várias vezes nesta semana de agudização da crise, após a detenção do até então número três do PSOE e chefe do aparelho partidário, Santos Cerdán.

A cabeça de Sánchez é muito desejada por vários poderes, incluindo o judicial, e até o da Conferência Episcopal que pede eleições, já. Nas direitas há euforia, mas Sánchez já mostrou que é mestre na arte de sobrevivência política, embora desta vez pareça muito difícil dar a volta à crise. Talvez consiga salvar-se uma vez mais, porque os aliados nacionalistas bascos (PNV) e catalães (ERC e Junts) não querem as direitas a governar o centralismo de Madrid.

Este fim de semana político em Espanha está trepidante. O PP de Alberto Núñez Feijóo trata, nos três dias de congresso nacional, de procurar recentrar-se para assim melhor preparar o que planeia como assalto final ao poder que sente nunca nos últimos anos ter estado tão próximo, enquanto Pedro Sánchez vai, em ato de contrição, na reunião da direção (comité federal) do PSOE remodelar a cúpula do partido, e substituir a meia dúzia de dirigentes, incluindo os do núcleo duro (alguns expulsos nestes últimos dias) manchados por suspeitas.

O cerco político e judicial a Pedro Sánchez ficou mais apertado com a revelação de gravações que expõem o colapso moral de figuras de topo no PSOE e no governo de Espanha, com atuações de delinquentes comuns.

O presidente do governo de Espanha insiste que quer continuar a governar até ao fim da legislatura, em 2027, mas mesmo entre o principal aliado, o partido Sumar, de Yolanda Diaz, vice-presidente do governo, avisa Sánchez de que no PSOE “não estão conscientes da gravidade da situação”. O Sumar pressiona Sánchez a tomar medidas fortes que não basta serem mudanças de pessoas para que deixe de ser “amparo da corrupção e da guerra”.

A heterogénea coligação de esquerdas e nacionalistas que sustenta o governo de Sánchez vive uma fase de dúvida estratégica no meio da tempestade política.

Os mais diretos companheiros de Pedro Sánchez na conquista do poder político são quem agora faz disparar a fase mais crítica da tormenta política. Foi em 2017, Sánchez aspirava ganhar a liderança do PSOE, mas tinha contra ele os ilustres do partido. Sánchez atravessou Espanha de automóvel, em campanha por todas as regiões. Com ele, sempre, dois homens mais de confiança política: José Luis Ábalos, então secretário-geral do Partido Socialista de Valencia, e Santos Cerdán, o número três do Partido Socialista de Navarra. Nesta semana a justiça mandou Cerdán para prisão preventiva e Ábalos está cada vez mais acossado. Tudo em volta de troca de influência sobre o governo para negócios chorudos com prémios fartos e nem faltam nas gravações reveladas baixezas machistas com comentários reles sobre atuais ministras.

Sánchez vai neste fim de semana atirar porta fora do PSOE todos os suspeitos, sobretudo os que embora neguem a corrupção aparecem metidos nela da cabeça aos pés. Vai reforçar o poder feminino e autonómico, mais Valencia e mais Catalunha. A catalã Montserrat Mínguez García é a nova porta-voz do PSOE e a galega Emma López Araújo passa a porta-voz adjunta. A valenciana Rebeca Soler está apontada para secretária da organização, o poderoso cargo de gestão territorial partidária que era ocupado pelo agora detido Santos Cerdán. Todas as agora escolhidas têm fama de competentes e com compromisso ético.

Sánchez tenta contrariar o que levou o histórico socialista Felipe Gonzlez a clamar que não vota neste PSOE.

Anuncia-se para este fim de semana uma decisão de Sánchez que revela a degradação a que chegaram dirigentes do PSOE: vai endurecer o código ético do PSOE, com introdução da pena de expulsão para “quem contrate prostituição”.

O discurso de Sánchez, neste fim de semana no comité federal e na quarta-feira no debate político no parlamento vai dar pistas sobre se ainda é possível recoser a coligação que sustenta o governo e fazê-lo chegar a 2027.

Sánchez depende dos parceiros para resistir.

Feijóo tem tentado seduzir algum dos aliados nacionalistas de Sánchez para fazer derrubar o governo das esquerdas. Mas a margem é muito estreita e não está a conseguir. O líder do PP deseja as eleições antecipadas, cenário em que aparece vitorioso, mas para haver eleições antecipadas é preciso que a maioria governamental as convoque. Não está no horizonte e em Espanha o rei não tem poder de intervenção na política como o do presidente em Portugal para dissolver o parlamento.

Alberto Núñez Feijóo desembarcou em Madrid em 2022 para liderar o PP e derrubar as esquerdas no poder desde 2018. Feijóo apareceu precedido por notável currículo político: quatro maiorias absolutas consecutivas (2009, 2012, 2016 e 2020) no governo da Galiza.

Nestes três ano de liderança do PP, Feijóo preferiu o discurso de grande agressividade contra Sánchez e a procurar minar o governo do que a posição construtiva de oferecer alternativas aos cidadãos. Feijóo escolheu extremar a polarização com a prática política do insulto ao adversário.

A crise reputacional do PSOE proporciona um trampolim para o PP. Mas Feijóo continua a precisar da aliança entre esquerdas e nacionalistas. É o trunfo que Sánchez ainda vai tentar agarrar.

O socialista Pedro Sánchez chegou à chefia do governo de Espanha há sete anos (02/06/18), após derrotar o governo do PP de Mariano Rajoy que tinha vários ministros envolvidos em histórias de corrupção. Sánchez governa desde então, quase sempre com maioria tangencial, encabeçada pelo PSOE com partidos à esquerda e nacionalistas. O percurso político de Sánchez, agora com 53 anos, é uma história de resistência. Por estes dias, está-lhe difícil como nunca reverter o clima de degradação que atinge o PSOE e o governo, numa fase de máximo envenenamento na política espanhola.