
Todos os anos, Portugal perde mais de 180 milhões de metros cúbicos de água nas redes públicas de distribuição de água para consumo humano. Trata-se de um número difícil de imaginar, podia representá-lo em piscinas olímpicas mas, para se perceber melhor, basta pensar que esta quantidade daria para abastecer 10 milhões de portugueses durante quatro meses. Ou seja, investimos na captação, no tratamento da água e no seu envio para as redes de distribuição, mas grande parte nunca chega à torneira. Pelo caminho, perde-se em condutas obsoletas, reservatórios degradados e sistemas que já não acompanham as exigências atuais.
O problema não é novo e as causas também não são, propriamente, um mistério. A verdade é que estamos a reabilitar as infraestruturas muito mais devagar do que seria necessário. A taxa de renovação das condutas é mínima e, muitas vezes, as decisões de investimento são adiadas porque não trazem visibilidade política. Mas esta falta de visão e sensibilidade ambiental tem um preço elevado, pois cada litro perdido representa, não só o dinheiro desperdiçado e a energia gasta, como também a perda de um recurso natural que é escasso e finito.
Enquanto isso, o debate público concentra-se demasiado em soluções de grande impacte financeiro e ambiental, como a construção de novas barragens, ou a aposta em dessalinizadoras transformando a água do mar em água para consumo a custos que nos deveriam fazer discutir publicamente o assunto, com responsabilidade e profundidade. Não podemos ter as novas “Scuts”, agora no Setor da água, com contratos milionários para os privados e banca e ruinosos para o estado e os contribuintes.
É importante perceber que há ganhos muito mais rápidos e eficazes se começarmos pelo básico, em arranjar as redes, em monitorizar online as roturas e em gerir melhor o que já temos. Sem darmos este passo de forma clara, é incompreensível avançarmos para outras soluções, pois não fizemos sequer o básico. Esta mudança, se fosse uma aposta a sério por parte de todos os players (governos, autarquias, áreas metropolitanas, comunidades intermunicipais, Associações ambientalistas, Águas de Portugal, serviços municipalizados públicos ou privados, universidades, setor da inovação nacional) teria um impacto imediato, com custos muito mais reduzidos do que as grandes obras, e reduziria significativamente as perdas que dariam margem para utilização de
água para outros usos tais como a indústria e a agricultura, principais consumidores de água em Portugal. Até termos este desafio cumprido poder-se-iam avaliar os grandes investimentos com base nas necessidades reais para consumo humano, desenvolvimento da indústria e agricultura.
Num contexto de alterações climáticas, em que as secas se tornam cada vez mais frequentes e graves, continuar a desperdiçar um quarto da água tratada é insustentável e impensável. Precisamos de coragem e determinação para fazer um pacto político nesta matéria juntando o governo e todos os partidos (PSD/PS/CDS/CHEGA/PCP/BE/Livre/PAN/Juntos pelo Povo) e tomar decisões que não podem mais ser adiadas, melhorar a gestão, definir metas concretas de redução de perdas e garantir investimentos consistentes, para a década, com objetivos claros, ano após ano. A água é essencial à vida. Se não conseguirmos fazer um pacto político nesta matéria, não seremos capazes de nos entendermos em mais nada. Aceitar que continue a ser desperdiçada é não defender o futuro das novas gerações e o desenvolvimento do nosso país. Façamo-lo com responsabilidade envolvendo todos os agentes políticos, universidades e especialistas, para concretizar um pacto unido em torno da água. União em torno de uma política significa acordo e compromisso entre todos e nunca uma imposição de uma visão.
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