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Se eu quisesse, podia escrever todas as semanas sobre Donald Trump, um fazedor de notícias “como nunca se viu”. Sendo este artigo de opinião internacional, e havendo histórias de pôr os cabelos em pé todos os dias, até à data nunca tinha dedicado duas colunas seguidas à mesma pessoa – não era preciso, assuntos não faltavam. Mas, agora, vejo-me forçado a abrir uma exceção, porque o caso Trump/Epstein enriquece em pormenores diariamente e tem uma interessante semelhança com as novelas de suspense.
Em primeiro lugar, vou contar os processos anteriores de Epstein, só para que se veja como a sua “tara” era do domínio público e que, portanto, ninguém, sobretudo pessoas com interesse pelo mundo, pode alegar que nunca ouviu falar
Os factos são concretos e incontestáveis: Epstein fazia aplicações financeiras que lhe rendiam milhões (600 no espólio), recebia personalidades importantes nas suas casas, em Miami, Nova Iorque e numa ilha privada das Caraíbas, e ao mesmo tempo tinha uma tara por miúdas muito jovens, regularmente aliciadas por Ghislaine Maxwell, a sua “namorada”.
Em 2005 foi acusado de ter sexo com miúdas de 12 anos. As meninas, de famílias pobres, eram aliciadas por Ghislaine, que viajava no carro com chauffeur por todo o país à procura de candidatas, prática que, segundo ela, tinha começado em 1995. Virginia Giuffre, que mais tarde desencadearia todo o processo, ao acusar Epstein de a ter “oferecido” aos amigos, inclusive ao Príncipe André, tinha 15 anos e era filha de um empregado da casa de Trump na Flórida, Mar-a-Lago.
A madrasta de uma miúda de 14 anos que frequentava o liceu de Palm Beach fez uma denúncia na polícia, contando que a enteada tinha sido violada por um “homem muito rico”. Segundo ela, “parece que o homem tem muito dinheiro e costuma receber muitas menores em casa.”
A polícia começou a investigar o caso, falou com muitas menores e esses testemunhos permitiram um mandato de busca à casa de Epstein. Não encontrou nenhum computador ou arquivo, percebendo-se que o pedófilo tinha sido avisado e colocara os computadores e discos de armazenamento no escritório do seu advogado. O professor de Direito em Harvard, Alan Dershowitz, que tinha participado na defesa de O.J.Simpson 10 anos antes, forneceu ao Procurador Público páginas impressas do app MYSpace com menções de várias vítimas, envolvendo sexo e drogas. Uma das vítimas disse ao detetive (que seria um inspetor, em Portugal) Joseph Recarey que havia detetives particulares a ameaçar a família. Outra vítima relatou que um “contacto” de Epstein lhe disse que “aquelas que ajudarem serão recompensadas, as que não ajudarem sofrerão as consequências. Ameaçar testemunhas é um delito, mas não aconteceu nada.
Recarey mandou ao Ministério Público uma proposta de detenção de Epstein com uma lista de cinco vítimas, meninas com menos de 16 anos que tinham sido violadas. Outras vítimas diziam que tinham sido abusadas sexualmente, mas na Flórida isso não era crime. Contudo, se Epstein fosse considerado culpado pelas cinco violadas, podia apanhar uma pena de 75 anos. Recarey achou que o Procurador Público não estava muito decidido e começou a tentar convencer os procuradores do FBI a tomar conta do caso.
Levado a tribunal, o jury considera-o culpado em apenas um caso de “solicitação de prostituição”, o equivalente a uma proposta feita a uma prostituta, sem mencionar que ela tinha 14 anos. Epstein dorme uma noite na cadeia de Palm Beach e no dia seguinte sai com uma caução de três mil dólares. Finalmente, Epstein assina o documento que é conhecido como o “acordo do século”; os juízes federais e estaduais aceitam que ele seja considerado culpado por duas “propostas de prostituição”, em vez das provas apresentadas no julgamento. Epstein tem de se registar como “infrator sexual”. Ficam de fora potenciais co-delinquentes.
Então, seguindo o melhor guião possível para o caso, o juri declara-o culpado de solicitar a uma menor que se prostitua, e em vez das décadas habituais nestes casos leva uma sentença de 18 meses. 13 desses meses são passados na ala especial da prisão de Palm Beach, reservada para quem precisa de proteção contra os outros reclusos, ou porque é informador da polícia ou muito rico. Além disso, só tem de dormir na cadeia, podendo sair para trabalhar seis dias por semana, 12 horas por dia. Mais tarde, uma mulher disse que foi de avião para fazer sexo no escritório de uma fundação que ele criara antes do julgamento.
Nos cinco meses finais a pena é convertida em prisão domiciliar, com a possibilidade de viajar durante 24 horas, tempo que ele usa para ir à sua ilha privada, nas Ilhas Virgens. Algumas prováveis violações da prisão domiciliar estão registadas na Procuradoria do Estado, o que o poderia mandar outra vez para o estabelecimento prisional, mas nada acontece.
Contei esta história edificante para provar que Epstein, com a sua fortuna e contactos, tinha consciência de que nada lhe aconteceria, e também para provar, mais adiante, que a história do suicídio na cadeia de Ricker’s Island, em Nova Iorque não é credível.
Então, passaram dez anos desde os acontecimentos da Flórida, anos em que Epstein cultivou o seu vício à escala industrial e internacional – vinham raparigas de França e da Ásia – enriqueceu ainda mais, porque nenhum dos empresários que aconselhava parecia não saber do seu vício (ou aproveitar com ele), e ficou cada vez mais rico.
Há fotografias perfeitamente inocentes com os Clinton e com outros nomes sonantes da política e dos negócios. Algumas são em festas nas suas casas, outras em momentos de descontração à beira da piscina, mas, pelo menos as que são conhecidas, não mostram propriamente comportamentos menos próprios. A grande exceção é a foto do Príncipe André com Virgínia Giuffre, mas aquele abraço poderia facilmente ter sido montado em Photoshop. Haverá centenas, quiçá milhares, de vídeos e fotografias comprometedoras do misterioso “Arquivo Epstein”, que se encontra fisicamente no FBI, tutelado pelo Ministério da Justiça (DOJ).
Há ainda o caso de Ghislaine Maxwell. Foi julgada e condenada a 20 anos de prisão, que está a cumprir num estabelecimento prisional de baixa segurança, em Tallahassee. Na quinta-feira passada foi interrogada pelo Procurador Geral Adjunto do Estado de Nova Iorque (estou aqui a adiantar-me na cronologia) mas não se sabe como decorreu a conversa. Calcula-se que Ghislaine dará algumas indicações úteis para o processo a troco de uma redução de pena. Eventualmente saberemos alguma coisa.
O caso Epstein estava encerrado com a sua morte e provavelmente mais ninguém falaria dele, não fosse a extemporânea e perfeitamente parva afirmação de Pam Bondi, a Ministra da Justiça, numa apresentação perante o Comité de Apropriações da Câmera dos Representantes, de que o caso ia finalmente ser encerrado, que o “Arquivo Epstein” nunca tinha existido e que de facto se tinha suicidado na cadeia. (É de notar que, em Maio, Bondi tinha dito que Trump estava no Arquivo...) Estas afirmações, numa deposição muito mais extensa, poderiam ter passado despercebidas.
Mas, por razões misteriosas, não passaram. A opinião pública entrou em spin com milhões de comentários nas redes sociais. Mais estranho ainda, a estranheza às palavras de Bondi não vieram apenas dos democratas. Os mais fanáticos MAGA também não levaram a coisa a bem, por motivos diferentes: acham que há muitos democratas mencionados no Arquivo. Facto é que Epstein se dava bem com republicanos e democratas, a única opinião que tinha era que os ricos eram mais interessantes do que os pobres e queria manter os seu estatuto com qualquer governo.
As afirmações de Bondi não fazem sentido. Primeiro, o caso estava esquecido, não havia razão para o trazer à pauta. Segundo, é impossível que não existam milhares de páginas sobre um caso que foi investigado pelo FBI e várias procuradorias, terceiro, e isto é mais discutível, mas é dificil acreditar que um tipo como o Epstein, que já tinha estado preso e sabia mexer os cordelinhos, ficasse deprimido ao ponto de se suicidar antes do caso chegar a tribunal. Tinha várias cartas na manga; comprar procuradores, como fez na Flórida, escolher os melhores escritórios de advogados do país e, sobretudo, dizer quem privava com ele nas festinhas.
A investigação feita sobre o “suicídio” tem vários buracos; naquele momento os guardas prisionais estavam todos distraídos e o vídeo permanentemente ligado à sua cela mostra alguns cortes estranhos.
O pior talvez tenha sido o Presidente meter-se ao barulho. Podia ter ignorado o assunto, que não é nada comparado com os terríveis dossiers que tem na mão: as tarifas alfandegárias, a imigração, a conquista da Gronelandia, a NATO e a Guerra da Ucrânia, o bombardeamento falhado do Irão, a nomeação para Prémio Nobel da Paz... Mas não; usando o seu método padrão de governar, que é quando surge um problema o que faz é criticar quem o criou (neste caso, Pam Bondi), a comunicação social sempre “em falência”, e os “socialistas” que querem manchar a “maior Presidência da História dos Estados Unidos”.
Já reproduzi na semana passada o post que gritou na sua rede “TruthSocial”, mas vale a pena repetir: ““Há um ano o nosso País estava MORTO e agora é o MAIS APRECIADO no Mundo inteiro. Vamos continuar assim e não percamos Tempo e Energia com Jeffrey Epstein, uma pessoa que não interessa a ninguém.” (maísculas no post original)
Trump deu-se intensamente com Epstein durante dez anos, e a amizade só terminou porque competiram um contra o outro para comprar uma mansão em Miami. Trump ganhou, mas não gostou e proibiu Esptein de ir a Mar-a-Largo.
Para piorar a situação, o “Wall Street Journal”, ultra-conservador, foi desencantar uma mensagem de aniversário que Trump mandou a Epstein cheia de referências pornográficas, inclusive um desenho em que o sexo da mulher desenhada está coberto pela sua assinatura. Trump nega, diz que nem sabe desenhar (estranho que haja alguma coisa que ele não faça “melhor que ninguém”) e ameaçou processar o “Journal”, esquecendo que o dono, o famigerado Murdoch, também tem a “FOX News” a estação televisiva que mais o tem defendido desde sempre.
Na Câmara dos Representantes, os democratas conseguiram colocar à votação a criação de uma Comissão de Inquérito para investigar o Arquivo; imediatamente o “speaker”, Mike Johnson, que limparia a casa-de-banho de Trump se ele mandasse, adiantou o interval estival dos trabalhos para esta sexta-feira, de modo a que não se possa constituir a Comissão.
Como já aqui disse, mas faço questão de lembrar, se por acaso o Arquivo Epstein mostrasse claramente a participação de Trump nos favores de Epstein, mostraria também muitos outros políticos e financeiros importantes, o que não interessa a ninguém. As baixas na base fanática MAGA podem ser grandes, mas nunca substanciais. Também não o envergonhará, porque ele não tem vergonha. A melhor das hipóteses, que seja demitido (hipótese por absurdo, uma vez que manda no Senado e no Supremo Tribunal), seria a pior das hipóteses, porque seria substituido por JD Vance.
Good luck with that!
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