Esta semana, nos dias 24 e 25 de Junho, decorreu em Haia a 34ª Cimeira de uma organização que evoluiu bastante desde que foi fundada, em 1949. Começou por ser a união dos países europeus, Canadá e Estados Unidos, perante a ameaça do antigo aliado na II Guerra Mundial, e agora inimigo, a União Soviética.

De um lado ficou a Europa democrática (mais ou menos), do outro os países que passaram a ser comunistas, e que responderam com a fundação do Pacto de Varsóvia.

Cabe aqui dizer que Portugal foi um dos países fundadores, apesar de não ser uma democracia. Mas Salazar queria ficar do lado dos vencedores e receber fundos do Plano Marshall . Fez algumas mudanças cosméticas para parecer mais democrático e até tinha uma Constituição que podia admitir uma democracia, assim do género da que mais recentemente Órban instituiu na Hungria. Já a Espanha era formalmente fascista e portanto ficou de fora; só em 1982 é que a democracia espanhola pós-Franco foi admitida.

Na prática, o que a NATO permitiu foi que os países europeus, primeiro separadamente e cada vez mais juntos (Tratado de Roma, 1957) até formar a União Europeia (1993), não gastassem mais que uns cêntimos na Defesa, podendo assim investir à vontade num modelo social de qualidade.

Para as altas patentes dos membros, a NATO mantinha uma quantidade de cargos muito agradáveis em vários “centros de comando”, onde se faziam jogos de guerra das nove às cinco.

Durante este período a NATO fez incursões militares no Kosovo (1999), no Afeganistão (2001) e na Líbia (2011) - na prática eram os norte-americanos a fornecer armas e homens, com algumas forças simbólicas europeias.

Com a implosão da União Soviética, em 1989, o Pacto de Varsóvia morreu de morte natural e portanto a NATO não fazia mais sentido. Contudo, os generais e membros do Estado Maior da Aliança, tinham todo o interesse em manter a estrutura burocrática que lhes proporcionava uma vida tão agradável. De facto, até cresceu, com a entrada dos ex-satélites soviéticos, agora convertidos em democracias e sempre receosos de um renascimento do imperialismo russo.

Ora bem, a Rússia conheceu apenas dois anos de democracia, que terminaram com a subida ao poder de Vladimir Putin, em 2000, que rapidamente instituiu uma ditadura, desta vez de direita, imperialista e ressentida do “pior desastre político do século XX” (Putin dixit). O ditador afirmou, com todas as letras, ao vivo na televisão, que o novo Império Russo irá de Vladivostok a Lisboa. Mas primeiro precisa de recuperar os antigos países do Pacto de Varsóvia.

Foi-se impondo através de governos putinistas na Belarus (“pacificamente”), na Chechenia, Cazaquistão, Quirguistão, e Tajiquistão (pela força). Em 2014, o presidente pró-russo da Ucrânia, Viktor Yanukovych, foi deposto por manifestações populares gigantescas e o país aproximou-se do Ocidente, com o propósito de aderir à União Europeia, à NATO, e a tudo o que fosse preciso para fugir da influência russa. Os ucranianos criaram partidos políticos e elegeram um Presidente pró-ocidental, Petro Poroshenko. Nas eleições seguintes, em 2019, ganhou o actor Volodimir Zelensky, numa plataforma que incluía o combate à corrupção ao estilo soviético que continuava a dominar o país.

Esta situação era insuportável para Putin. Não funcionando os mecanismos insidiosos, só lhe restava a opção militar. Em 2014, invadiu a península da Crimeia. A Europa não gostou, mas não fez absolutamente nada, numa falta de espinha dorsal que lhe iria sair muito cara logo a seguir.

O “logo a seguir” foram duas situações que deixaram os europeus de cabelos em pé; em 2022 os russos invadiram a Ucrânia com toda a potência das suas forças armadas, e em 2025 (Janeiro deste ano) Donald Trump tornou-se o 47º Presidente dos Estados Unidos, declarando imediatamente que se estava na tintas para o que acontecia na Ucrânia. Especificou que, se os países europeus não gastassem 2% dos seus orçamentos em defesa, o seu amigo Putin podia invadir quem quisesse. 

Finalmente, os plácidos europeus, perceberam o buraco em que estavam metidos. Sempre tinham considerado que os Estados Unidos os defenderiam e foram completamente cegos à evidência dos instintos imperialistas de Putin. E agora? Formar exércitos de homens treinados leva anos; produzir equipamentos militares, veículos e munições, leva mais anos ainda. Só a Polónia, que nunca se esqueceu da subserviência a Moscovo, é que gasta 5% do seu orçamento com as forças armadas. Os outros países ainda mal chegaram aos 2% - nós, Portugal, estamos nos 1,2%. E nenhum país (excepto os nórdicos, Suíça e Grécia) têm serviço militar obrigatório.

Não há armas nem soldados, ponto final.

Trump tem dito muita coisa, mas tudo o que diz é uma ameaça declarada que não vai ajudar a Ucrânia em particular ou a Europa em geral.

É neste contexto que ocorreu a Cimeira de Haia. Mark Rutte, o secretário-geral da NATO e os presidentes de todos os países da Aliança trataram Trump com uma deferência de fazer corar uma criança.

Ninguém falou de temas que podem irritar Trump, como a eficiência do bombardeamento das centrais nucleares iranianas, ou o apoio à Ucrânia, nem houve quem fizesse discursos longos demais para a pouca atenção que Trump dá ao que não lhe interessa.

Rutte, que parecia um menino assustado ao lado do pai Donald, elogiou-o por supostos feitos e sucessos. Como disse alguém, agora temos a Organização Trump do Atlântico-Norte.

Todos juraram que vão gastar 5% do orçamento em defesa, apesar de todos saberem que isso é impraticável a curto prazo. Os líderes europeus gostam muito da Ucrânia mas não gostam de perder eleições - o que acontecerá certamente se cortarem a direito nos benefícios sociais dos seus eleitores. E os eleitores, que também gostam muito da Ucrânia, não estão dispostos a abandonar a sua almofada social, nem em fazer a recruta para uma guerra que ainda não lhes entrou em casa.

O comunicado final da conferência, que foi escrito antes dela começar, é muito curto e apenas assume o tal compromisso dos 5%. Aliás, tanto a Espanha como Portugal tiveram a desfaçatez de afirmar que não vão conseguir. Por ora, terá de comprar material aos Estados Unidos, que é quem os tem e Trump gosta sobretudo de fazer “um bom negócio”. Segundo os cálculos mais optimistas, apenas alguns países, como o Reino Unido, estão em condições de chegar aos 5% - em 2035!

Trump adorou a adulação que recebeu, mas é evidente que não mudará de ideias, ou seja, não irá ajudar a Ucrânia agora, nem ninguém a seguir.

Não se lembram daquele dito famoso que não se sabe quem disse? “O que deitou abaixo o Império Romano foram os banhos quentes e as camas fofas”. A História sempre se repete, a primeira vez como uma tragédia, a segunda como uma anedota.