
José Luís Carneiro, futuro secretário-geral do PS, quer que o dinheiro que Portugal vai pôr a mais na defesa seja para investir na economia do país. Seriam mais 1500 a 1800 milhões de euros por ano para Portugal cumprir a meta do 2% do PIB, mas será mais do que isso, agora que Luís Montenegro se comprometeu a investir 3,5% do PIB.
O ex-ministro da Administração Interna quer ainda saber por que motivo no diálogo com os partidos com assento parlamentar o primeiro-ministro se comprometeu com 2% e foi dizer em Haia, nos Países Baixos, onde decorreu a cimeira da NATO, que Portugal se compromete a gastar 3,5% do PIB em defesa.
Considera-se um "socialista democrático", com "profundas convicções humanistas". Mais à esquerda ou mais à direita do que Pedro Nuno Santos? "Cada líder com o seu perfil [...] O meu percurso pessoal e político temperou-me de uma forma diferente".
Esta não é uma entrevista tradicional. Além das perguntas do 24notícias, é o resultado de uma conversa - editada, mas que mantém as perguntas e respostas - entre um grupo de jovens da SEDES, que João Perestrello começou a dinamizar há cerca de um ano a convite de Álvaro Beleza, e José Luís Carneiro, candidato único à liderança do PS, agora em eleições internas (dias 27 e 28 de junho), convidado da última tertúlia, na quinta-feira.
Contornou algumas perguntas, mas teve sempre resposta. A todos, José Luís Carneiro deixa um conselho, o mesmo que costumava dar aos adidos que concorriam para a carreira diplomática: "Façam com que a vossa vida altere a vida dos outros. Se a vossa vida ajudar a mudar para melhor a vida dos outros, valeu a pena".

Receia que lhe possa acontecer o mesmo que a António José Seguro, ou seja, que quando chegar o momento em que pode vir a ser primeiro-ministro venha um António Costa (que pode ser Fernando Medina, Mariana Vieira da Silva, ou outro), tira-lhe o tapete e ficar com os louros?
Quem está para servir, não teme.
Quem do PS para a Presidência da República, e por que motivo não foi ainda anunciado apoio a um candidato?
A nossa prioridade está nas eleições autárquicas. As candidaturas presidenciais são, em primeiro lugar, uma decisão unipessoal. São uma expressão da cidadania.
Sobre as autárquicas: que resultados quer o PS alcançar nestas eleições (2025-2029)?
Mais votos, mais mandatos para as autarquias de freguesia, assembleias municipais e câmaras municipais.
"É evidente que o meu percurso pessoal e político me temperou de uma forma diferente [de Pedro Nuno Santos]."
Do total de presidentes em final de mandato, 53 são socialistas - terá de substituir, por exemplo, Basílio Horta, em Sintra, Eduardo Vítor Rodrigues, em Vila Nova de Gaia, ou Rui Santos, em Vila Real. Isto é uma vantagem ou desvantagem e porquê?
Termos mais autarcas em fim de mandato aumenta a exigência. As decisões já foram tomadas e serão todas respeitadas.
O PS tem vindo a sofrer desaires em diversos países. Acredita que chegou a vez de Portugal, isto é o princípio do fim do PS?
Será mais um dos esforços a fazer. Vamos conseguir.
Qual a primeira medida que tomará como novo secretário-geral do PS?
Agradecer aos que me elegeram e confiaram em mim. E transmitir-lhes que o nosso primeiro dever é servir Portugal.
Uma coisa é convencer os militantes e simpatizantes do PS (ainda por cima sem oposição), outra é convencer os portugueses. Acredita que poderá vir a ser primeiro-ministro de Portugal?
Quem é eleito secretário-geral do PS tem de estar preparado para todas as responsabilidades de serviço público.
Vê-se como o líder mais à direita que o PS já teve?
Considero-me um socialista democrático, com profundas convicções humanistas e que coloca a dignidade de todo o ser humano no centro da acção política. Mais à esquerda ou mais à direita? É no socialismo democrático que está o PS, cada líder com o seu perfil, também em função da experiência de vida de cada um, do contexto cívico e político em que se desenvolveu.
É evidente que o meu percurso pessoal e político me temperou de uma forma diferente [de Pedro Nuno Santos].
António Costa convidou-me para ser secretário de Estado das Comunidades Portuguesas, uma experiência que me permitiu conhecer o mundo da diáspora, Portugal disseminado por todas as regiões do mundo, da Nova Zelândia e Austrália - onde ajudei a criar a associação de estudantes e de investigadores portugueses -, à Venezuela - onde contribuí para apoiar vários portugueses detidos e libertar dois jovens detidos sem culpa formada, fui visitá-los à cadeia e, passados oito dias, conseguimos tirá-los de lá -, ou ainda nas Caraíbas, quando o furacão Irma destruiu tudo - e, à chegada, uma mãe com uma criança ao colo correu para nós e começou a chorar connosco (e nós com ela). Era de Famalicão.
Isto permitiu-me ter um perfil de, antes de me pronunciar, refletir muito. Refletir antes de afirmar publicamente as coisas, porque conheço os obstáculos; há uma diferença muito grande entre dizer e fazer. Há quem diga que sou moderado, não sou moderado, sou ponderado. Gosto de ponderar, de refletir antes de avançar, mas isso não significa receio, significa que tenho consciência.
"Passei a olhar para a oposição e para as maiorias como tendo a mesma essência democrática, o mesmo valor democrático. Uma boa oposição faz um bom poder."
Os adidos que concorriam para a carreira diplomática pediam-me sempre um conselho, da experiência que tinha. Deixo-vos o mesmo conselho que lhes dava: façam com que a vossa vida altere a vida dos outros. Se a vossa vida ajudar a mudar para melhor a vida dos outros, então valeu a pena.
Este é um perfil de centro-esquerda, moderado, reformista, de alguém que tem consciência de que não é com uma varinha mágica que modificamos as coisas, é preciso planeamento e visão.
Em que é que o PS de José Luís Carneiro vai ser diferente do PS de Pedro Nuno Santos?
Aos 15 anos integrei e liderei um grupo de jovens católicos, que promovia um conjunto vasto de atividades, entre as quais a angariação de fundos e de apoios para desenvolver atividades na comunidade.
E tive a aspiração de poder vir um dia a desempenhar funções de cooperação para o desenvolvimento, foi por isso que fui fazer o mestrado em Estudos Africanos, queria ir para África.
Mas quando acabei o curso, fui convidado para dar aulas em Lisboa, na Lusíada, enquanto fazia o mestrado no Instituto de Ciências Sociais e Políticas. E comecei a escrever sobre política internacional e política africana n'O Independente, entre 1995 e 1999. Ou seja, a minha vida mudou, mas a minha primeira predisposição quando fui para Relações Internacionais e para Estudos Africanos era seguir uma vida vocacionada para a cooperação e para o desenvolvimento.
A seguir, fui convidado para as autarquias e, a partir daí, a vida transformou-se. Fui autarca [Câmara Municipal de Baião], oito anos na oposição, aprendi a ser oposição, e quando fui para o poder (primeiro com 50%, depois com 68%, depois com 71,5%), passei a ter uma leitura da oposição diferente da que teria se tivesse ido logo para funções de maioria.
Passei a olhar para a oposição e para as maiorias como tendo a mesma essência democrática, o mesmo valor democrático. Uma boa oposição faz um bom poder. E um bom poder sabe integrar e respeitar os contributos da oposição. A qualidade da vida democrática faz-se precisamente pela diversidade de pontos de vista.
Mas tive várias experiências, presidi o conselho da comunidade que fazia a gestão dos cuidados primários de saúde de cinco municípios, 250 mil utentes. Aprendi e percebi como funcionava o SNS e onde poderíamos ter ganhos de eficiência, de cooperação, por exemplo.
"O SNS deve concentrar os recursos públicos fundamentais, mas não devemos ter preconceitos se respondermos às pessoas em cooperação com o setor social, com o setor cooperativo, com o setor privado."
Como é que o PS vai ser diferente do PSD e como vai relacionar-se com Luís Montenegro enquanto oposição, agora que é o terceiro partido no parlamento?
A oposição deve ser firme na defesa de valores fundamentais, cooperante no que são os domínios de soberania e estratégicos do Estado. E, ao mesmo tempo, ser uma alternativa política. O que tentarei fazer é construir uma alternativa política.
Os valores fundamentais do Partido Socialista são, nomeadamente, a defesa de pilares como o Serviço Nacional de Saúde, a proteção social e a segurança social, a escola pública, porque são factores de igualdade dos cidadãos.
Mas isso não significa que estes pilares do Estado social não precisam de ser renovados, de se modernizar para responder às novas exigências da demografia, do envelhecimento, das dependências.
Acreditamos que o SNS pode ser mais sustentável se valorizar mais os cuidados primários de saúde e melhorar a articulação com os cuidados hospitalares. A realidade mostra-nos que com os cuidados de saúde mais capacitados na saúde preventiva, nos cuidados primários, conseguimos evitar que entre 30% e 40% dos doentes recorram às urgências (são as chamadas "falsas" urgências).
O SNS deve concentrar os recursos públicos fundamentais, mas não devemos ter preconceitos se respondermos às pessoas em cooperação com o setor social, com o setor cooperativo, com o setor privado. Desde que isto não ponha em causa o alicerce fundamental do SNS. Esta é uma visão de esquerda, uma visão social-democrata.
"Para motivar os professores, os alunos, os pais, tem de haver uma mudança importante: reforçar a autoridade democrática nas diversas esferas da escola e dos órgãos locais."
Como olha para a escola pública?
Uma das mais importantes mudanças que fiz como autarca foi o reordenamento da rede escolar. Tínhamos das mais elevadas taxas de abandono e insucesso escolar e, para mim, era evidente, quando estava na oposição, que havia um problema grave na escola.
Quando eu estudava, na escola do centro do concelho, só três alunos da minha sala de aula chegaram ao ensino superior. Mas, no conjunto da periferia, a maior parte dos alunos repetia o ano uma, duas, três vezes, até que saía da escola. Isto acontecia porque a escola só funcionava metade do dia e tinha dentro da mesma sala de aula três ou quatro níveis de ensino, porque havia poucas crianças.
Temos consciência de que a escola precisa hoje de uma mudança. Precisa de se desburocratizar. Hoje, os professores estão a preencher formulários, a fazer relatórios, em vez de estarem a preparar aulas, perdem capacidade para responder às necessidades educativas dos alunos. Sabemos que alguns alunos têm posses para poder ter explicações, como, felizmente, os meus filhos, mas há os que não têm e, não tendo esse acompanhamento, têm dificuldades em conseguir progredir.
Para a escola ser desburocratizada, para motivar os professores, os alunos, os pais, tem de haver uma mudança importante: reforçar a autoridade democrática nas diversas esferas da escola e dos órgãos locais. É necessário capacitar as equipas multidisciplinares ao nível dos conselhos municipais de educação, capacitar as famílias, capacitar as escolas nos seus meios humanos e materiais. Garantir que a escola pública é um espaço de cidadania, de liberdade, de responsabilidade.

"Temos de evitar a mobilização dos fundos de pensões - que em Portugal têm cerca de 40 mil milhões de euros -, porque isso comporta riscos."
E quanto à segurança social?
Sei que muitos jovens votam na Iniciativa Liberal. Compreendo que, quando se é jovem, damos menos valor às políticas de saúde e à segurança social. Mas, quando avançamos na idade, é aí que valorizamos esta dimensão, por exemplo.
Há um relatório relativo à integração dos capitais europeus, elaborado pela ex-ministra das Finanças Maria Luís Albuquerque, que requer a maior atenção. O PS também é a favor da "Europa dos capitais", nomeadamente para dar segurança financeira à União Europeia - na crise financeira houve risco de perda de poupanças.
Mas temos de evitar a mobilização dos fundos de pensões - que em Portugal têm cerca de 40 mil milhões de euros -, porque isso comporta riscos para os fundos que vão garantir, nomeadamente, as pensões futuras.
Isto não significa que não devamos adoptar uma postura de oposição responsável.
"Estamos à espera de explicações: porque é que [Luís Montenegro] se comprometeu com 3,5% se o mandato que tinha do diálogo com os partidos era de 2%?"
Em que áreas de cooperação com o governo?
Na política externa, na defesa, na justiça e na segurança interna.
A construção do projeto europeu tem de ser feita com a Aliança Atlântica, nomeadamente com os nossos compromissos com os Estados Unidos da América, que vêm do pós-Segunda Guerra Mundial. Somos membro fundador da Aliança Atlântica, em 1949, e temos responsabilidades com os nossos aliados.
Isto significa que devemos preservar e valorizar a nossa relação com os Estados Unidos, independentemente das escolhas democráticas feitas pelo povo americano.
Somos a favor dos 2% do PIB para o pilar de defesa - o primeiro-ministro disse há dias que não se iria comprometer com mais de 2%, mas agora [Cimeira da NATO em Haia] comprometeu-se com 3,5%. Estamos à espera de explicações: porque é que se comprometeu com 3,5% se o mandato que tinha do diálogo com os partidos era de 2%? Vamos esperar pela explicação.
Contudo, 2% significa pôr mais 1500 milhões a 1800 milhões de euros por ano no financiamento da defesa, convém que esse montante contribua para desenvolver a economia do país.
"Não podemos andar sempre a mudar de políticas, sob pena de elas não produzirem resultados para a nossa vida coletiva."
Como?
Nomeadamente, desenvolvendo um complexo industrial militar que estabeleça uma relação entre o sistema científico nacional e o tecido económico e produtivo do país, que também contribua para a coesão territorial. Temos o exemplo da Embraer em Évora, da Tekever em Ponte de Sor, empresas da área da defesa e da proteção civil que contribuem para o emprego qualificado, o tal que sai do país.
Na área da justiça também temos dito que é possível cooperar para criar um compromisso. Não podemos permitir que haja fugas ao segredo de justiça, que colocam em causa o bom nome das pessoas. Quando são absolvidas, já não conseguem recuperar a sua reputação, a sua dignidade.
Como não podemos permitir que alguém seja detido e esteja oito, dez dias preso antes de ser presente a um juiz, é uma violação grosseira dos direitos humanos. A celeridade processual e a prestação de contas são outros exemplos importantes, mas poderia dar muitos mais.
Deve haver um compromisso alargado entre todos os atores - magistrados, advogados, partidos políticos, órgãos de comunicação social - tendo em vista promover um amplo consenso que se venha a traduzir numa maior celeridade processual e numa abertura e cultura de prestação de contas.
No quadro da segurança interna, estamos disponíveis para procurar com o governo pôr em prática políticas que estavam em curso e que são fundamentais para o país. Por exemplo, o planeamento civil de emergência. O apagão que aconteceu uma vez na energia pode acontecer noutros setores, nos sistemas financeiros, nos sistemas de comunicações, nas reservas alimentares, nas reservas energéticas.
Temos de ter uma política de preservação das nossas infraestruturas críticas e um planeamento atempado, com recursos e meios. Para isso, também estamos disponíveis para cooperar com o governo.
Por último, temos de olhar no futuro. Proponho na moção que apresento o chamado Pacto Portugal Futuro 2050. Porque todos os documentos estratégicos do futuro estão a ser planeados hoje nas Nações Unidas e na União Europeia com os olhos em 2050, para responder às questões da demografia, da tecnologia, da saúde, do agro-alimentar e por aí fora.
Temos um défice de planeamento?
Temos um défice de planeamento em relação ao que são as prioridades da política. Temos de ter um bom planeamento e, depois, tem de haver um compromisso entre os principais atores do país para que essas opções tenham continuidade, não podemos andar sempre a mudar de políticas, sob pena de elas não produzirem resultados para a nossa vida coletiva.
Aqui, uma prioridade é o eixo da economia, como devemos pôr a economia a crescer. Tem de ser mais produtiva e, para isso, temos de ter clareza no que queremos. Precisamos de um choque de tecnologia nas nossas empresas. Com dois objectivos: incorporar recursos dos territórios na nossa base produtiva - por exemplo, exportamos mil milhões de mobiliário por ano e importamos 80% da matéria-prima. Não é possível ter uma política florestal integrada? - e incorporar tecnologia: temos de orientar os nossos centros de investigação, mais de 350, para que a investigação seja aplicada, para dar maior autonomia e maior valor à nossa produção nacional.
"Portugal tem de ser um país global, cosmopolita, competitivo do ponto de vista da afirmação do que tem de melhor, de mais criativo, mais inovador, mais estratégico."
Quem são os jovens que o Partido Socialista vai incluir no seu projeto futuro, vai haver uma renovação de quadros?
Fiz um diálogo com os membros do Partido Socialista que termina hoje [quinta-feira] em Lisboa. De seguida, queremos que este projeto, que fica agora legitimado, vá ao encontro da sociedade civil, queremos criar um movimento para fora do Partido Socialista.
Dentro desse movimento, a dimensão que vai ter uma atenção especial é precisamente, distrito a distrito, organizar movimentos com jovens. Vamos descobrir esses jovens, que estão muitas vezes em territórios menos conhecidos, e abrir-lhes as portas para que possam participar na vida política. Isto mais do que olhar para aquilo que são as representações institucionais, que muitas vezes se fecham sobre si mesmas.
"A nossa diáspora é talvez dos fatores mais estratégicos que Portugal tem no mundo."
O objetivo é ouvir estes jovens, que são bons nas suas áreas, e perceber como podemos criar uma oportunidade de participação. Quero contar com a Juventude Socialista para ir ao encontro desses jovens por todo o país.
Já leram "Os Engenheiros do Caos [de Giuliano da Empoli]? Se puderem, leiam, porque vão perceber como é que as redes sociais criaram uma falsa sensação de participação. E como têm sido instrumentalizadas pela inteligência artificial. Sem nos apercebermos, caímos nessa armadilha de individualismo, embora pensemos que estamos a participar.
Um relatório do ISCTE mostra que no dia da reflexão, antes das eleições legislativas, houve 850 mil publicações que semearam a desinformação. Temos de encontrar soluções, mas é preciso ter competências específicas para estas áreas.
Qual a sua visão para Portugal e quais as duas ou três prioridades (não temos recursos para tudo)?
A minha visão é a de um país global. Portugal tem de ser um país global, cosmopolita, competitivo do ponto de vista da afirmação do que tem de melhor, de mais criativo, mais inovador, mais estratégico. E tem de ser simultaneamente um país inclusivo.
Portugal é um país com características especiais. O meu conhecimento dos portugueses no mundo, nas suas múltiplas facetas, dá-me essa visão. A nossa diáspora é talvez dos fatores mais estratégicos que Portugal tem no mundo. Temos das pessoas mais criativas na Califórnia, em Toronto, Sydney, Suíça. Mas só conseguimos estar nas cadeias globais de valor se formos justos, coesos internamente.
Temos um problema de assimetrias territoriais e sociais muito fortes em Portugal. Há dois terços de território que não são aproveitados, não são potenciados. Dois milhões de pessoas que vivem na pobreza ou no limiar da pobreza, mais de 20% da população. Enquanto estes problemas de coesão não forem resolvidos, teremos sempre problemas a nível global.
"Se perdermos os vasos sanguíneos do nosso corpo, morrem essas partes do corpo. O território é a mesma coisa."
Como poderíamos estabelecer uma melhor relação entre a economia do mar e a economia do interior e como é que isso se articula com a economia da defesa?
Temos duas áreas que estão identificadas como áreas onde poderemos crescer muito no domínio da economia nacional a partir da economia do mar, uma tem a ver com a produção de energia, nomeadamente com a produção de energia offshore, outra no domínio da aquacultura ou piscicultura. Além dos Estaleiros de Viana do Castelo, que hoje têm já uma resposta interessante, nomeadamente a encomendas das Forças Armadas e das forças de segurança internas.
Depois, há o domínio da vigilância e controlo costeiro, uma das áreas em que do ponto de vista do ambiente e dos recursos energéticos tem vindo a crescer. Um dos mercados mais interessantes da Tekever, que produz drones, é precisamente o domínio da fiscalização costeira, quer para funções nacionais, quer no quadro da União Europeia, nomeadamente da Frontex [Agência Europeia da Guarda de Fronteiras e Costeira].
Onde entram os contratos territoriais de desenvolvimento que proponho? Entre o eixo do litoral e o eixo transfronteiriço, temos um eixo central, território que não é litoral nem é interior. Do meu ponto de vista, temos de ser capazes de criar, como defendíamos para Sines, plataformas logísticas (com infra-estruturas de transportes e mobilidade, tecnologia e energia) ao longo desse eixo, correspondendo a cada uma das áreas das Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regionais [CCDR], como centros de localização empresarial, de criação de emprego, de centros de investigação e tecnologia, que depois fazem o interface com territórios de mais baixa densidade. Isto é totalmente exequível.
Se perdermos os vasos sanguíneos do nosso corpo, morrem essas partes do corpo. O território é a mesma coisa. Ou temos vasos que constituam capilaridades económicas, sociais, culturais, institucionais e o território vive, ou o território morre. Que é o que tem acontecido numa parte, aquilo que se pode considerar uma inutilidade económica de bens e recursos que existem em dois terços do território do país.
O PS tinha uma espécie de lista de compras, medidas avulsas para o país. Por outro lado, fez apelo ao voto útil, conquistar votos de outros partidos à esquerda. Não tem uma visão, ideia próprias para defender?
Também não gosto muito dessas fórmulas, que fazem lembrar as necessidades muito especiais de pessoas que vivem com maiores dificuldades. A alternativa é uma visão do país como a que estou a explicar.
O PS perdeu eleitores na emigração, não elegeu nenhum deputado. Porquê?
Porque o PS dispensou o seu deputado mais conhecido da emigração na Europa [Paulo Pisco]. Um deputado na emigração demora muito tempo a construir, dada a dispersão das comunidades. As bolsas eleitorais dos círculos da emigração estão em França [Europa] e no Brasil [Fora da Europa], é destes países que vem dois terços da votação.
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