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O Papa Leão XIV, eleito há pouco mais de quatro meses e que hoje completa 70 anos, concedeu a sua primeira entrevista, na qual reflete sobre os desafios do pontificado, o papel da Igreja no mundo e as tensões da sociedade contemporânea. Prevost afirma sentir-se “profundamente americano”, mas recorda também os vinte anos passados no Peru como missionário e bispo, que marcaram a sua visão da Igreja. Diz não se sentir sobrecarregado pelo cargo, embora reconheça que se trata de “mergulhar em águas profundas”, sobretudo pela dimensão pública e diplomática do ministério petrino, que o obriga a lidar diretamente com líderes mundiais. Para si, ser Papa só é possível “pela graça de Deus e pela ação do Espírito Santo”, com a missão essencial de confirmar os outros na fé.
O jornal peruano El Comercio publica um trecho da primeira entrevista do Papa Leão XIV, a propósito do lançamento do seu livro Quem é, o que pensa e o que podemos esperar de Robert Prevost. Na conversa, o sucessor de Francisco expõe a sua visão para a Igreja e o papel que pretende desempenhar num mundo polarizado.
Leão XIV, nascido Robert Francis Prevost, sublinha a sua dupla identidade: é o primeiro papa norte-americano da história, mas também alguém profundamente marcado pela sua experiência de duas décadas como missionário e depois bispo no Peru. “Sou obviamente norte-americano e sinto-me profundamente ligado aos Estados Unidos, mas também amo muito o Peru e o povo peruano, isso faz parte do que sou. Metade da minha vida ministerial decorreu no Peru, por isso a perspetiva latino-americana é muito importante para mim”, afirmou. Essa vivência, acrescentou, aproximou-o da visão pastoral de Francisco e da dimensão profética da Igreja latino-americana.
Questionado em tom mais leve sobre para quem torceria num eventual confronto entre as seleções de futebol do Peru e dos EUA, respondeu: “Provavelmente pelo Peru, apenas por afeto. Também sou um grande adepto da Itália.” Recordou ainda o seu gosto pelo basebol, confessando ser adepto dos White Sox, embora, como papa, “torça por todas as equipas”.
Nos primeiros meses de pontificado, Leão XIV reconhece que está diante de “uma longa curva de aprendizagem”. Se a dimensão pastoral lhe é natural, o peso global da função ainda o surpreende: “Este é o aspeto totalmente novo: ser lançado como líder mundial. É algo muito público, em que as pessoas acompanham as conversas ou os encontros com chefes de Estado. Estou a aprender muito sobre o papel diplomático da Santa Sé e sinto-me desafiado, mas não sobrecarregado.” Sublinha, no entanto, que só pela graça de Deus é possível cumprir a missão do sucessor de Pedro: “Espero poder confirmar os outros na sua fé, porque essa é a tarefa essencial.”
Sobre a guerra na Ucrânia, o Papa distingue entre a voz da Santa Sé a favor da paz e a função de mediador direto: “Ser mediador não é tão realista como ser uma voz que apela à paz. Tenho consciência das implicações, mesmo nas vezes em que nos oferecemos para acolher negociações entre Ucrânia e Rússia. Desde o início, a Santa Sé tem procurado manter-se realmente neutra.” Sublinha que o essencial é não perder a esperança: “Podem existir tentações e más intenções de todas as partes, mas é preciso encorajar sempre a procurar os valores mais elevados.”
Interrogado sobre os “pontes” que pretende construir, Leão XIV destacou o diálogo como única via possível: “Uma das coisas que consegui fazer nestes primeiros meses foi encontrar-me com líderes de organizações multilaterais. Em teoria, as Nações Unidas deveriam ser o espaço para resolver estes problemas, mas há um consenso de que perderam capacidade de multilateralismo. Muitos defendem o diálogo bilateral. No entanto, é fundamental recordar que a humanidade tem potencial para superar a violência e o ódio que nos dividem cada vez mais. A polarização não ajuda ninguém, apenas uns poucos, enquanto todos os outros sofrem.”
Essa polarização, diz, tem várias causas: a crise da pandemia, a perda do sentido da vida e da família em alguns contextos, e sobretudo a desigualdade crescente entre trabalhadores e elites económicas. “Há sessenta anos, um diretor executivo podia ganhar entre quatro a seis vezes mais do que um trabalhador. Hoje, chega a ganhar seiscentas vezes mais. E li que Elon Musk poderá ser o primeiro trilionário do mundo. Se esse for o único valor que conta, então estamos em sérios problemas.”
Outro ponto central da entrevista foi a sinodalidade, que descreveu como “uma atitude, uma abertura, uma disposição para compreender e caminhar juntos”. Para Leão XIV, não se trata de uma ameaça à autoridade de bispos ou sacerdotes, mas de uma forma de viver a comunhão na Igreja: “Não deve ser vista como uma tentativa de transformar a Igreja numa espécie de governo democrático. Até porque, olhando para muitos países hoje, a democracia não é necessariamente a solução perfeita para tudo. O essencial é fazer este caminho juntos, respeitando a vida da Igreja tal como é.”
Com esperança no caminho iniciado, especialmente a partir da experiência latino-americana, o Papa considera que a sinodalidade é também “um antídoto para a polarização do mundo atual” e uma oportunidade para a Igreja se relacionar de forma renovada com o mundo contemporâneo.
Na entrevista, o Papa aborda de forma clara a questão da paz, sobretudo na Ucrânia. Considera que a Santa Sé pode e deve erguer a sua voz em favor da paz, mas distingue isso de um verdadeiro papel de mediação, que não lhe parece realista neste momento. Ainda assim, lembra os apelos já feitos e insiste que “a paz é a única resposta ao massacre”, sublinhando a necessidade de esperança e da mobilização de vários atores internacionais que possam pressionar as partes em conflito. Ao mesmo tempo, reconhece a perda de eficácia das Nações Unidas como espaço de multilateralismo, apontando que muitos problemas têm sido tratados em diálogo bilateral. Mas reafirma que o papel do Papa é construir pontes, e que só o diálogo pode contrariar a polarização e o ódio crescentes.
Falando sobre a crise global, Prevost identifica causas múltiplas da atual divisão, da pandemia à perda de valores fundamentais como a vida, a família e a comunidade. Entre os fatores mais graves, aponta o aumento brutal da desigualdade: se há 60 anos um diretor ganhava quatro a seis vezes mais do que um trabalhador, hoje o fosso chega a 600 vezes. Cita o caso de Elon Musk, prestes a tornar-se o primeiro trilionário do mundo, para alertar que, se a riqueza for o único valor que conta, a humanidade “está em sérios apuros”.
Questionado sobre a sua identidade, o Papa afirma sentir-se tanto norte-americano como peruano, destacando a influência da Igreja latino-americana na sua experiência e também na visão reformadora do Papa Francisco. Mantém uma ligação afetiva ao Peru, a ponto de dizer que, num hipotético confronto no Mundial de futebol entre EUA e Peru, talvez torcesse pelo Peru “por carinho”. Com humor, recorda ainda a sua paixão pelo basebol e a rivalidade doméstica entre White Sox e Cubs.
Um ponto central da entrevista é a reflexão sobre a sinodalidade, que define como “caminhar juntos”, dando voz a todos os membros da Igreja — leigos, sacerdotes, bispos e famílias — através do diálogo, da oração e da escuta. Reconhece que alguns se sentem ameaçados por este processo, temendo perda de autoridade, mas esclarece que não se trata de enfraquecer a hierarquia, e sim de construir comunhão. Para Leão XIV, a sinodalidade pode ser um verdadeiro antídoto contra a polarização mundial. Sublinha, contudo, que não significa transformar a Igreja num governo democrático: “A democracia não é sempre a solução perfeita para tudo, como vemos em muitos países. A Igreja deve ser compreendida e vivida pelo que é, um caminho partilhado em que todos têm um papel.”
Com estas palavras, o Papa Leão XIV apresenta-se ao mundo como um pontífice atento à dimensão social e económica das desigualdades, firme na defesa da paz, consciente das limitações institucionais atuais, mas esperançoso quanto à capacidade da humanidade — e da Igreja — de encontrar novos caminhos através do diálogo, da comunhão e da fé.
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