
Ricardo Rosário começou pelo ténis que jogou até aos 18 anos. A universidade interpôs-se na cavalgada rumo a um respeitado ranking onde nunca entrou. Competitivo, continuou a competir de raquete na mão. Mudou para uma mais pequena e no padel, foi top-200 já com a barreira dos 40 anos ultrapassada.
Não ficou por aqui. “Há dois anos descobri o pickleball, numa clínica na Ericeira”, informa o jogador e treinador desta modalidade de raquetes jogada num campo em tudo semelhante ao de padel mas de dimensões de uma quadra de badminton. É Vogal da Associação Pickleball de Portugal (PTPICKLE).
Conversou com o 24noticias (anteriormente SAPO24) no Oeiras Padel Academy (OPA), em Porto Salvo. Num feudo reservado ao padel, Ricardo Rosário dá aulas de pickleball, desporto cuja febre se espalhou um pouco por todo o mundo e começa agora, aos poucos e lentamente, a borbulhar em Portugal.
“Não havia campo quando comecei a jogar. Com o meu parceiro, brasileiro, montávamos um campo com linhas e rede amovível”, recorda. “Mais tarde, como gosto muito de tática, tirei o curso de treinador em Espanha, dado pela Federação Espanhola e comecei a dar aulas em maio de 2024”, recorda.
Ping-pong e badminton, as almas gémeas
O pequeno retângulo outdoor vizinho dos campos indoor da infraestrutura de padel do OPA é o anfiteatro onde Ricardo Rosário desenvolve a sua nova paixão.
“É um desporto que cai que nem uma luva. Nunca fui muito físico, mas sempre tive muita técnica”, revela. E o pickeball abre portas a quem não é tão competitivo, nem tão físico. “Técnica e reflexos”, são atributos necessários para encaixar na dinâmica.
“É um jogo de grande repetição, é um bocadinho como o ping-pong. Se se deixa de jogar uma semana, perde-se a mão com muita facilidade. Há muitas pancadas diferentes, umas soft, outras hard e é preciso treinar muito para jogar bem”, explica. “Uma coisa é jogar, outra coisa é jogar bem. E para jogar bem é preciso treinar muito”, antecipa.
Nas aulas, o treinador Ricardo Rosário recebe “um bocado de tudo”, reconhece. “Há alguns americanos, brasileiros e portugueses. Iniciantes ou intermédios”, avança.
O passado de raquetes na mão é comum aos alunos. “Vem muita gente do ténis, de outros desportos de raquetes, do ping-pong, squash ou badminton”, cita.
Para surpresa, “as pessoas não estão a trocar o padel”, assinala, modalidade, que, pelas semelhanças, poderia ser campo fértil de recrutamento.
“Não queremos retirar praticantes ao padel. Aliás, é muito difícil, porque é um desporto muito aditivo. Mas, o pickeball também é”, solta. Nesse sentido, “é mais fácil ir buscar praticantes virgens ou ao ténis”, completa Ricardo Rosário.
A explosão com a pandemia e as redes sociais como motor
Mas afinal o que é o pickleball, o desporto de rápido crescimento que muitos ainda não ouviram falar?
Inventado nos Estados Unidos da América (EUA), nos anos 60 do século passado, cresceu no contexto da pandemia da COVID-19.
Num ápice, varreu os Estados Unidos e deixou de ser uma prática casual nas traseiras de uma qualquer casa para se transformar no desporto de maior crescimento nos EUA, alastrando-se a cerca de 20 milhões de norte-americanos no final do ano 2024.
Em paralelo, durante o lockdown, foi exportado para o mundo. Tal como o ténis ou o padel, o distanciamento social imposto, permitiu, nesse período, a aproximação entre pessoas para praticar este novo desporto de raquetes.
Inclusivo e perfeito para interação social, aberto a todas as idades e adaptado a todos os níveis físicos, de aprendizagem fácil, de investimento quase espartano em material desportivo – raquete, ténis e bola, além de campos amovíveis -, a atratividade expandiu-se dos mais idosos aos mais jovens. E introduziu ainda muitos novos desportistas na prática de um desporto.
“O jogo em si não é somente para idosos. É também para jovens”, classifica. “Em Espanha estão a aparecer miúdos de 13, 14 anos, tal como aconteceu no padel”, refere Ricardo Rosário. E acrescenta. “Os americanos dizem muito... “We have fun”. As pessoas realmente divertem-se muito a jogar. E também vão para socializar”, destaca.
A explosão é, em parte, explicada pela inundação de conteúdos nas redes sociais, pela mão de influencers e apoio de ex-tenistas, John McEnroe, Andre Agassi e John Isner, entre outros, além de figuras globais do desporto como LeBron James que investiram na compra de equipas.
O crescimento global, ainda circunscrito em grande parte aos EUA, Canadá e Austrália, carece de maior mancha no mapa-mundo. Se tal acontecer, muito provavelmente poderá colocar o pickeball nos Jogos Olímpicos Brisbane2032.
O pickleball não é concorrente direto do ténis nem do padel
Portugal não ficou imune à novidade desportiva e Paulo Aguiar, presidente da Associação Pickleball de Portugal, explica como entrou nas fronteiras portuguesas. “A modalidade chegou de forma orgânica, trazida por residentes estrangeiros e portugueses que a descobriram no estrangeiro”, recorda.
Importado, o pickelball carrega às costas, também em território luso, um passado fecundante em tudo semelhante ao ténis, badminton, ténis de mesa ou padel. “O pickleball não se posiciona como concorrente direto do ténis ou do padel, mas sim como uma modalidade complementar”, revela.
“A sua acessibilidade, simplicidade e dimensão social tornam-no uma excelente porta de entrada para os desportos de raquete”, acrescenta o responsável da PTPICKLE.
“Acreditamos que há espaço para coexistência e sinergias entre as modalidades, desde que haja planeamento e diálogo entre os agentes desportivos”, continua.
Campos, ainda não há muitos, mas a partilha, embora ocasional, acontece, tal como apontado na coabitação no Oeiras Padel Academy.
“É prematuro falar em canibalização de recursos ou conflitos”, considera Paulo Aguiar a propósito da convivência de espaços. “Atualmente, muitos praticantes improvisam campos com fita adesiva em pavilhões ou recintos polidesportivos, o que demonstra mais escassez do que competição”, informa.
“A construção de campos é relativamente simples e rápida”
Para colmatar esta lacuna, um dos objetivos centrais da PTPICKLE é “promover a construção de infraestruturas adequadas e acessíveis, à semelhança do que já acontece em Espanha”, adianta Paulo Aguiar.
A modalidade está espalhada no continente, “com maior expressão no Algarve, Lisboa, Porto, Leiria, Braga, Caldas da Rainha, Torres Vedras e Guarda”, enumera. “Mas o objetivo é expandir para o interior e zonas menos servidas”, aponta.
Quanto a custos, comparado com o padel, o pickleball “é mais acessível, as raquetes e bolas são mais baratas, e os campos ocupam menos espaço”, destaca. Tal representa “uma vantagem clara, sobretudo em contextos escolares ou comunitários”, vinca.
“A construção de campos é relativamente simples e rápida, mas os licenciamentos seguem os trâmites normais das autarquias. Estamos a trabalhar para sensibilizar os municípios para a importância de apoiar esta nova modalidade”, assegura.
Crescer através do desporto escolar
Crescer, é outro dos fins e pode ocorrer na escola. “O pickleball é, por excelência, uma modalidade com enorme potencial para o contexto escolar”, assevera. É, também, “uma excelente ferramenta de combate ao sedentarismo, à exclusão e ao abandono da atividade física em faixas etárias críticas”, frisa o líder da associação portuguesa.
As características “únicas, regras simples, baixo custo, fácil aprendizagem e baixo risco de lesões”, transformam-no “numa ferramenta pedagógica de excelência para professores de Educação Física e coordenadores de Desporto Escolar”, sustenta.
No seguimento, uma das prioridades da PTPickle “é justamente integrar a modalidade nos programas curriculares e extracurriculares das escolas, do 2.º ciclo ao ensino secundário”, confessa. “Acreditamos que as escolas são o terreno mais fértil para o
crescimento sustentável da modalidade e onde, verdadeiramente, se pode cultivar o gosto pelo jogo desde cedo”, antecipa Paulo Aguiar.
A associação está, assim, a desenvolver “materiais didáticos, ações de formação para professores e projetos-piloto em parceria com agrupamentos escolares”, enuncia.
“O jogo pode ser praticado em ginásios, campos polidesportivos, com apenas pequenas adaptações. A raquete é leve, a bola é oca e a dinâmica do jogo promove a motricidade, a coordenação e o espírito de equipa, ideal para crianças e adolescentes com diferentes níveis de aptidão física”, indica.
Mais do que o lado a competitivo, o pickleball “apresenta-se nas escolas como uma proposta inclusiva, intergeracional e transversal. Estimula o gosto pela atividade física, promove hábitos saudáveis e reforça a interação social entre alunos”, descreve.
“A maioria dos praticantes são sociais”
O praticante padrão em Portugal “é muito diverso” e inclui “desde jovens curiosos a seniores ativos”, “portugueses” e “estrangeiros residentes”, enumera.
O número de clubes e “federados” são data incerto e, neste momento, não existe um número oficial de emblemas registados, nem de praticantes, “até porque a própria noção de “federado” está por definir no contexto do pickleball nacional”, esclarece.
Feito a salvaguarda, Paulo Aguiar avança. “A maioria dos praticantes são sociais, e o foco inicial está em criar uma base sólida de praticantes, treinadores e árbitros, antes de avançar para uma estrutura federativa formal”, atesta.
Faz a radiografia a este fenómeno. Olha para o passado recente e conclui que o crescimento nos últimos dois anos foi “sobretudo informal, mas notório”, sinaliza.
Fixa o horizonte a curto prazo. “Pretendemos estabelecer núcleos regionais, organizar competições regulares, criar uma seleção nacional ativa e estar presentes em grandes eventos internacionais”, perspetiva o presidente da direção da PTPickle .
A médio prazo, “ambicionamos integrar o sistema desportivo nacional”. Por fim, a vertente competitiva “será desenvolvida de forma gradual”, conclui Paulo Aguiar.
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