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O que aconteceu?

Em fevereiro de 2022, um funcionário do Ministério da Defesa britânico (MoD) cometeu um erro grave ao enviar por email uma folha de cálculo com dados pessoais de cerca de 18.700 afegãos (mais de 33.000 pessoas incluindo familiares) que tinham pedido para ser realojados no Reino Unido após a tomada de poder pelos Talibãs. A informação incluía nomes, contactos e, nalguns casos, moradas, conta a BBC.

Estes afegãos tinham colaborado com as forças britânicas e estavam em risco de represálias. A fuga de dados só foi detetada em agosto de 2023, quando parte da informação foi publicada num grupo de Facebook.

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Resposta do governo britânico

O governo pediu ao Facebook para remover os dados, avisou 1.800 requerentes no Paquistão e procurou ocultar o incidente através de uma superinjunção, uma ordem judicial que impedia os meios de comunicação de divulgar qualquer informação sobre a fuga, ou até sobre a existência da própria ordem.

A superinjunção foi pedida pelo então Ministro da Defesa Ben Wallace e permaneceu em vigor até julho de 2025, altura em que o atual governo, liderado pelo Partido Trabalhista, a decidiu levantar após revisão judicial.

Criação de esquemas secretos

Para proteger os afegãos cujos dados foram expostos, o governo criou esquemas de realojamento secretos, como o Afghan Relocation Route (ARR), criado em abril de 2024 para afegãos em risco que não eram elegíveis para o programa ARAP original. E a Operação Rubific, uma missão secreta para evacuar diretamente para o Reino Unido os mais vulneráveis.

Até agora 4.500 afegãos já chegaram ao Reino Unido através destes esquemas. No total, cerca de 35.000 afegãos foram realojados desde 2021, 6.156 dos realojados estavam na lista de dados comprometida e há 600 convites adicionais já emitidos que serão ainda honrados, mas o ARR foi encerrado, segundo a Al Jazeera.

Custos

O realojamento dos afegãos afetados já custou mais de 850 milhões de libras (aproximadamente mil milhões de euros), com custos totais estimados entre 5,5 e 6 mil milhões de libras. As autoridades dizem que é pouco provável que os Talibãs tenham usado a informação para identificar alvos, mas reconhecem que há risco.

As pessoas afetadas foram aconselhadas a proteger as suas atividades online, evitar contactos desconhecidos e usar VPNs. Um processo judicial está em curso contra o governo britânico por parte de pelo menos 1.000 afegãos.

Reações

O atual Ministro da Defesa, John Healey, pediu desculpa pública no Parlamento em nome do governo britânico. A oposição e advogados classificaram a situação como uma falha catastrófica de segurança e responsabilidade institucional.

E um tribunal chegou a considerar que a superinjunção criou um “vácuo de escrutínio democrático” e que não permitir debate parlamentar ou jornalístico era inaceitável, adianta o The Guardian.

Compensações

O Ministério da Defesa britânico confirmou que não irá compensar a maioria dos afegãos afetados pela fuga de dados ocorrida em fevereiro de 2022, muitos dos quais colaboraram com as forças britânicas no Afeganistão e agora temem represálias por parte do regime Taliban, adianta a BBC.

O governo britânico, através do Ministério da Defesa (MoD), afirma agora que não fará quaisquer compensações voluntárias nem pagará indemnizações a título preventivo. Considera que os casos são "hipotéticos" e está preparado para contestar judicialmente eventuais processos legais. A justificação assenta num relatório independente, o chamado Rimmer review, que concluiu que é "altamente improvável" que o simples facto de o nome de alguém constar na lista bastasse para o tornar alvo de retaliação direta pelo regime afegão. O relatório também afirma não haver evidências de uma campanha sistemática de vingança por parte dos Taliban contra ex-colaboradores britânicos.

Contudo, muitos dos afetados relatam viver em clima de medo e insegurança, com familiares ainda no Afeganistão a mudarem-se constantemente para evitar serem identificados. Um deles, identificado pelo pseudónimo “Ahmed”, disse à BBC que a compensação monetária é insuficiente e que o essencial seria o governo agir com celeridade para evacuar os familiares em risco, para o Reino Unido ou para um país terceiro seguro.

Consequências

Entretanto, vários processos legais estão a ser preparados, incluindo uma ação coletiva coordenada pelo escritório Barings Law, que representa mais de mil clientes afegãos. Estima-se que, em alguns casos, as compensações reclamadas possam chegar a cinco dígitos por pessoa, o que poderá traduzir-se num encargo significativo para o Estado britânico caso os tribunais reconheçam culpa.

Este episódio revelou falhas graves no tratamento de dados sensíveis por parte do governo britânico, expondo antigos aliados a riscos reais num contexto político e humanitário cada vez mais instável no Afeganistão. Apesar das garantias oficiais, muitos continuam a apelar a uma resposta urgente, concreta e humana, que vá além de relatórios ou argumentos legais.