Acompanhe toda a atualidade informativa em 24noticias.sapo.pt

2 de agosto. As malas estão feitas. Há uma mochila com as coisas mais práticas para o dia e para a noite que se passa ao relento em Tor Vergata, nos arredores de Roma. Na outra, tudo o resto. Mais os sacos com comida e com os souvenirs (e com o que já não cabe nas mochilas e que se atira simplesmente para dentro de qualquer coisa).

Mochila, esteira e saco-cama vão connosco. Tudo o resto pode ficar guardado nas escolas ou outros espaços que acolhem peregrinos. Abençoados, que ninguém tinha forças para acartar tudo ao longo de transportes apinhados e de mais uns quantos quilómetros a pé.

Neste dia, todos os jovens se movem em direção ao local que vai receber o Papa Leão XIV. As primeiras previsões apontam para 500 mil jovens no local. Para quem esteve na JMJ em Lisboa, o número soa a pouco.

A sua newsletter de sempre, agora ainda mais útil

Com o lançamento da nova marca de informação 24notícias, estamos a mudar a plataforma de newsletters, aproveitando para reforçar a informação que os leitores mais valorizam: a que lhes é útil, ajuda a tomar decisões e a entender o mundo.

Assine a nova newsletter do 24notícias aqui

Para evitar as horas de maior movimentação e de calor, fazemos uma última visita estratégica: falta-nos passar uma Porta Santa, a da Basílica de São João de Latrão. A aposta foi boa, a fila tem pouca gente e os controlos de segurança são rápidos. Quando entramos, depressa percebemos que é mais um sítio que vai ficar na memória. Afinal, é também a mais antiga igreja do ocidente. Apesar disso, há também quem se deixe vencer pelo cansaço e aproveite o chão e as colunas como encosto para uma soneca (diz a tradição que aquela igreja em específico ficava de portas abertas em tempos para acolher qualquer um que precisasse de abrigo, portanto a função também foi cumprida por estes peregrinos).

Há tempo para compras de última hora e nem em Roma se deixa de regatear. Pagar em dinheiro dá desconto, mas faltam-nos três euros para o valor apontado. Tentamos a sorte: resulta. Do lado do vendedor, Silvestro, vem um sorriso e um pedido: “rezem por mim”. Fácil de cumprir por quem está em peregrinação.

Antes de seguirmos caminho é preciso almoçar. Viva a massa, outra vez. Ninguém se queixa, é uma refeição quente e numa dose generosa. Vai ajudar no esforço que aí vem. Pelo meio da refeição, um imprevisto: dois elementos dos Carabinieri interpelam o grupo em italiano e pedem as identificações. Cartões de cidadão entregues, percebemos que tudo faz parte dos controlos esporádicos de peregrinos. Depois, fazem a pergunta óbvia: “não deviam estar em Tor Vergata?”. Sim, e estamos prestes a iniciar essa aventura.

O percurso faz-se primeiro de metro. É mais difícil do que o habitual, mas não se compara com o que vivemos na Jornada Mundial da Juventude. Não nos sentimos sardinhas em lata. Ainda.

Depois, cinco quilómetros a pé. A mochila pesa, os sacos-cama e as esteiras abanam e batem nas pernas ou nas costas, o Google Maps é usado para percebermos se falta muito para a chegada. A multidão encaminha-se para o mesmo lugar. Há alegria que esconde o cansaço, mas não todo. Há quem precise de parar para tratar bolhas, beber água ou só retomar o fôlego. A Proteção Civil faz tudo para ajudar: manda jatos de água, distribui sumos, barritas energéticas (de alperce que em Roma parece que tudo tem sabor a alperce) e garrafas de água.

A entrada no recinto que vai receber o Papa faz-se de forma atabalhoada: não há divisão de peregrinos por setores como na JMJ, cada um vai para onde quer, o que significa que há nas entradas um efeito rolha. É preciso passar a confusão para percebermos que caminho seguir para encontrar um espacinho onde montar acampamento. E, ao mesmo tempo, apanhar a box com jantar, pequeno-almoço e almoço.

O efeito comida é perigoso. Há atropelos, empurrões. Um voluntário grita “scusa, scusa, scusa” enquanto leva toda a gente a reboque devido às caixas que passa de um lado para o outro da rua onde não cabe mais ninguém. Mas tudo se faz. Refeições distribuídas, é só procurar chão.

Tarefa difícil e que implica andar mais um bom bocado para um setor onde sabemos que há espaço, por troca de mensagens com quem já lá está. Mas nem a caminhada até esse local foi simples: pelo meio, seguranças empurram-nos para abrir caminho. Pensamos que é para deixar passar o carro do lixo que está em movimento. Porém, depressa se começa a ouvir que Leão XIV pode passar por ali. A multidão começa a juntar-se, subimos a um gradeamento que de seguro tem pouco. O Papa chega e acena.

Vimos o Papa! Estava tão perto! Que sorte que tivemos. Vi melhor do que o Papa Francisco em Lisboa. Nem gravei o momento só para dizer adeus.

Emoções arrumadas, é seguir o percurso. Chegamos pouco depois e começamos a montar acampamento. Rapazes num lado, raparigas noutro. A Vigília começa entretanto, mas só para alguns. Há quem não resista e adormeça, mas também quem aproveite aquele momento de reflexão. O silêncio diante da exposição do Santíssimo Sacramento é impressionante. Ainda mais porque os números foram revistos: cerca de um milhão de jovens marcam presença em Tor Vergata.

Depois, é tempo de comer qualquer coisa. E de meter a conversa em dia no caso de ainda haver forças. Manda a tradição que amigos e conhecidos percorram ruelas confusas pelo meio de sacos-cama para se encontrarem e dizer um olá e dar um abraço. Peregrinos juntos em tudo.

3 de agosto. As horas passam. Uns dormem, outros continuam a aproveitar. De madrugada chove. Há quem acorde com a água, outros mantém-se como estavam. Quem estava atento começa a vestir impermeáveis, a abrir chapéus e a tentar salvar mochilas, não vá S. Pedro mandar mesmo uma carga de água a sério. Não mandou, foi só uma forma de refrescar. É tempo de dormir (e o chão não tem comparação com o que se encontrou no Parque Tejo, não há silvas nem pedras).

Amanhece e ouvem-se comentários sobre a falta que faz o Padre Guilherme em modo DJ a acordar peregrinos, o mesmo repete-se nas redes sociais. É tempo de começar a despertar, ir à casa de banho, lavar os dentes, comer qualquer coisa, tentar trocar pelo menos de t-shirt — por ordem indefinida, que peregrino que é peregrino aproveita quando dá e não segue propriamente as rotinas habituais. E pelo meio de tudo isto ainda há tempo de voltar a acenar a Leão XIV, que volta a passar no papamóvel.

De seguida, a missa. “Queridos amigos, nós também somos assim: fomos feitos para isto. Não para uma vida onde tudo é óbvio e parado, mas para uma existência que se renova constantemente no dom, no amor. E assim aspiramos continuamente a um ‘algo mais’ que nenhuma realidade criada nos pode dar. Sentimos uma sede tão grande e ardente que nenhuma bebida deste mundo pode saciar”, disse o Papa, entre tantas outras mensagens dirigidas aos jovens.

Num instante, acabou. É tempo de recolher tudo. Fechar mochilas, deixar o lixo no lixo, comer qualquer coisa para dar forças para o caminho de volta ao metro. Agora é que é: sardinhas em lata na força toda. O percurso demora, há novamente encontrões e empurrões nas proximidades da entrada, mas acaba por correr tudo bem. Depressa — um conceito que para os peregrinos ganha um significado mais prolongado do que para o comum dos mortais — estamos de volta ao local onde deixámos as restantes mochilas e sacos.

Antes que cheguem os autocarros, há tempo para um “banho” de toalhitas. Os braços estão cheios de terra, ninguém se sente capaz de passar mais umas poucas horas sem um duche, mas é assim que tem de ser. Até Lourdes, a próxima paragem, são mais uns quantos quilómetros e então esperam-nos chuveiros. E depois daí já quase se vê Lisboa lá ao fundo.