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Uma investigação do The Guardian retrata a ascensão e queda do grupo cristão britânico Jesus Fellowship que, sob a fachada de comunidade religiosa e solidária, escondeu décadas de abusos físicos, psicológicos e sexuais contra crianças e adultos.
Fundado por Noel Stanton, um pastor baptista carismático, o Jesus Fellowship promovia uma vida de comunhão, entrega total ao coletivo e renúncia à “família natural” em favor da “família espiritual”.
Sob uma rígida hierarquia liderada por homens, onde os bens eram partilhados e os afetos controlados, centenas de crianças viveram em dormitórios separados dos pais, sujeitas a castigos físicos e, em muitos casos, a abusos sexuais cometidos por membros protegidos pela liderança.
Philippa Barnes, uma das vozes das denúncias, recorda ter sido separada do irmão aos 12 anos e obrigada a dormir num dormitório com mulheres adultas, sendo vigiada e punida por comportamentos inocentes.
Nos anos 80 e 90, o grupo reinventou-se como Jesus Army, investindo numa imagem moderna e missionária que atraiu jovens e pessoas vulneráveis, como sem-abrigo e toxicodependentes. Desfilavam em autocarros coloridos e casacos de campanha, proclamando o amor de Jesus enquanto acolhiam novos membros — frequentemente em dormitórios partilhados com crianças.
Por fora, parecia uma comunidade cristã alternativa; por dentro, era um ambiente de controlo absoluto, onde exorcismos eram realizados sobre crianças e denunciar abusos era sinónimo de expulsão ou ostracismo. Quando Philippa, aos 17 anos, decidiu testemunhar em tribunal sobre o abuso sofrido por uma amiga de infância, enfrentou uma campanha interna de difamação. Ainda assim, com o apoio do pai e do irmão, recusou-se a recuar.
O agressor foi condenado, mas regressou ao grupo após cumprir apenas três meses de prisão. Durante décadas, a cultura de silêncio impediu que os abusos fossem reconhecidos como parte de um sistema generalizado. Foi só em 2015, após a polícia aceder a um dossier de 133 testemunhos internos, que se iniciou a Operação Lifeboat. Esta investigação revelou um cenário preocupante: centenas de vítimas, a maioria menores de idade à data dos factos, e uma estrutura organizacional que ignorava ou ocultava os crimes.
Apesar de apenas cinco condenações, o impacto social e legal foi significativo. Com o apoio de ex-membros como Philippa, nasceu a Jesus Fellowship Survivors Association. Esta associação foi determinante na criação de um esquema de compensações, lançado em 2022, que recebeu mais de 600 candidaturas.
O relatório final, publicado em 2024, identificou 264 agressores, mais de metade com cargos de liderança. Estima-se que uma em cada seis crianças que viveram nas casas comunitárias entre 1969 e 2019 foi vítima de abuso.
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