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Embora Jane Austen seja conhecida sobretudo por retratar os caprichos e contradições do amor romântico, há outro tipo de relação igualmente importante que percorre os seus romances: a relação entre irmãos, e em particular entre irmãs.

As irmãs surgem como confidentes, conselheiras ou mesmo como contraponto às heroínas. Elinor Dashwood tem Marianne, o “sentimento” em contraste com o seu “bom senso”; Elizabeth Bennet, em Orgulho e Preconceito, tem quatro irmãs, cada uma com experiências diferentes no casamento e na corte; em Persuasão, Anne Elliot convive com a vaidosa Elizabeth e a nervosa Mary.

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Essa centralidade da irmandade na obra de Austen reflete a sua própria vida. Jane teve uma relação extraordinariamente próxima com a irmã mais velha, Cassandra. A ligação era tão forte que a mãe das duas chegou a dizer: “Se a cabeça da Cassandra tivesse de ser cortada, a Jane teria a sua cortada também.” Para Kalika Sands, responsável pela secção de Livros e Manuscritos da Sotheby’s em Nova Iorque, partilhavam não só uma ligação emocional intensíssima, mas também um vínculo intelectual raro, disse à CNN.

Um exemplo claro dessa cumplicidade está numa carta longa e animada que Jane escreveu a Cassandra em 1805, cerca de três meses após a morte do pai. Nela, Austen descreve os dias em Bath, comenta sobre vizinhos e familiares, relata notícias de amigos, brinca com os problemas de saúde da irmã e lamenta a perda de estatuto social da família. A carta vai agora a leilão em Nova Iorque, em outubro, e poderá atingir 400 mil dólares.

A carta mostra também a forma como Austen percebia a mudança da sua posição social. Recorda uma ida ao picadeiro sete anos antes, para assistir a uma apresentação de Miss Lefroy, e comenta: “Que diferente conjunto de pessoas frequentamos agora... mas sete anos, suponho, são suficientes para mudar cada poro da pele e cada sentimento da mente.”

Nem Jane nem Cassandra se casaram, e permaneceram inseparáveis até à morte precoce da escritora, aos 41 anos. “Não tive um único pensamento escondido dela”, escreveu Cassandra, dois dias depois da morte da irmã.

A importância desta relação vai além da vida privada: foi Cassandra quem pintou o único retrato que subsiste de Jane Austen e quem destruiu a maioria da sua correspondência após a sua morte. Das cerca de 3.000 cartas que Austen terá escrito, apenas 161 chegaram até nós. Este gesto, que poderia ser visto como uma perda irreparável, é interpretado por alguns como um ato de proteção: Cassandra terá eliminado registos de períodos difíceis, como os anos em Bath em que Jane escreveu pouco e, segundo alguns críticos, pode ter sofrido de depressão. “Queremos realmente que as cartas ou mensagens que revelam os momentos mais duros das nossas vidas fiquem para consumo público?”, questiona Kalika Sands, defendendo que Cassandra preservou a dignidade e o legado da irmã.

O leilão incluirá ainda outros objetos raros ligados a Austen. Entre eles, uma cópia de Emma enviada em 1816 à escritora irlandesa Maria Edgeworth — o único exemplar conhecido de uma obra de Austen enviada a outro autor — que poderá alcançar 350 mil dólares. Haverá também um pequeno poema satírico de 1811, no qual Austen ironiza sobre as práticas médicas da época, estimado em 150 mil dólares.

No total, a Sotheby’s estima que os artigos relacionados com Austen em leilão entre 1 e 15 de outubro possam atingir 1,3 milhões de dólares.