O ciclo de sessões, iniciado a 22 de setembro, reúne cerca de 150 chefes de Estado e de Governo, além de representantes de organizações internacionais e da sociedade civil. No centro dos trabalhos estão temas como os conflitos armados em Gaza, Ucrânia e Sudão, a crise climática, a igualdade de género, a inteligência artificial e a reforma do sistema multilateral.

Logo na cerimónia de abertura da sessão especial que celebra os 80 anos da ONU, o secretário-geral António Guterres lembrou que a organização nasceu da dor e do trauma da Segunda Guerra Mundial, sublinhando que os fundadores da ONU não eram idealistas, mas sim realistas profundamente marcados pelos horrores do conflito. “A paz não é ingénua, é uma escolha corajosa”, afirmou Guterres, defendendo o fortalecimento da ONU para garantir um futuro partilhado e sustentável.

A presidente da atual sessão, Annalena Baerbock, reforçou esta mensagem ao sublinhar que “os tempos voltaram a escurecer”, mencionando diretamente os exemplos de Gaza, Ucrânia, Haiti e Sudão como espelhos da fragilidade global. Annalena Baerbock apelou a um “extraordinário sentido de responsabilidade coletiva”, lembrando que a Carta das Nações Unidas nasceu como um símbolo de esperança e deve continuar a servir de bússola moral num mundo cada vez mais polarizado.

A agenda da UNGA80 inclui debates gerais com intervenções dos 193 Estados-membros, além de cimeiras temáticas e reuniões paralelas. Entre os principais eventos destacam-se a conferência internacional sobre a solução pacífica da Questão Palestina, uma cimeira sobre a igualdade de género e os 30 anos da Conferência de Pequim, o SDG Moment, que avalia o progresso dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável até 2030, e ainda uma reunião sobre governança da inteligência artificial, na qual se discutem os impactos éticos, sociais e de segurança dessa tecnologia.

Sessão de abertura

  • Brasil

O primeiro a discursar é Lula da Silva, presidente do Brasil. Donald Trump é o próximo a subir ao púlpito, mas ainda não está na sala. Lula da Silva congratula o facto de Brasil ter saido da lista de países de forma extreema, mas lamenta a realidade do reto do mundo. "A pobreza é tão inimiga da demoracia como o extremismo", comenta, "temos de combater a fome e a pobreza em todo o mundo".

Abordando outros tópicos, desde a prisão de Bolsonaro, à crise climática e aos perigos da internet, Lula da Silva conclui que os objetivos do G20 e da ONU devem promover a "revisão de prioridades" e incentivar a criação de soluções para todo os países, inclusive na América Latina olhada como "terrorista".

O presidente brasileiro critica ainda a decisão dos Estados Unidos da América de negar visto às autoridades palestinianas para a participação na ONU.

Não há uma "bancada" Palestina formal na ONU, mas sim uma Delegação da Palestina que atua como Estado Observador Não-Membro desde 2012. Em 2024, o estatuuto foi ampliado para ter mais direitos e participação na Assembleia-Geral, mas sem direito a voto ou a candidatura a órgãos da ONU.

  • EUA

Donald Trump começa a sua intervenção com a confiança e carisma a que nos tem habituado. A primeira parte do seu discurso é dedicado ao elogio da situação do país, devido, segundo o mesmo, à passagem do presidente pela Casa Branca. Para Trump, todos os países da ONU beneficiam deste trabalho.

Entre as medidas destacadas, o presidente norte-americano sublinha o reforço fronteiriço e o combate ao crime de droga. O que o presidente não refere é o transtorno que as deportações em massa de imigrantes a viver nos EUA causaram nas ruas de Los Angeles. Manifestações violentas mostraram o descontentamento da população face à separação de famílias e à falta de apoio social, ao contrário do que Trump diz ser "a opinião do povo americano".

Não é verdade que haja evidência sólida de que imigrantes, legais ou ilegais, sejam responsáveis por taxas mais elevadas de crime nos EUA como um todo. Fontes independentes e estudos académicos apontam precisamente o contrário: imigrantes têm, em várias pesquisas, taxas de crime iguais ou inferiores às da população nascida no país.

Por exemplo, uma análise da CNN com dados do ICE - responsável pelas deportações - mostra que menos de 10% dos detidos têm condenações por crimes violentos, enquanto a maioria dos casos envolve infrações migratórias ou tráfico não‑violento, provando o discurso de Trump errado. As afirmações de que imigrantes são culpados principais de crime organizado ou tráfico humano nos EUA não se sustentam nos dados disponíveis.

Donald Trump continua a parabenizar-se pelo trabalho realizado no contexto internacional: "Travei sete guerras, e nenhum outro país conseguiu algo semelhante, nem as Nações Unidas, que tinham esse dever".  E acrescenta: "As Nações Unidas pouco ou nada têm feito".

Sobre Gaza, o presidente norte-americano acredita que o reconhecimento do Estado da Palestina alimenta o poder do Hamas, a quem exige a libertação dos reféns israelitas. No ano passado, Trump chegou a sugerir a reconstrução de Gaza numa "riviera do Médio Oriente", desconsiderando a autonomia dos cidadãos palestinianos.

Por fim, ameaça a liderança russa com fortes tarifas repreensivas caso a guerra não acabe brevemente e avança que a administração norte-americana está preparada para combater a segurança e cibersegurança do mundo.

  • ONU

O secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, começou por declarar que a falta de responsabilização internacional tem alimentado alguns dos conflitos mais graves da atualidade, destacando os casos do Sudão, da Ucrânia e de Gaza.

No discurso de abertura do debate anual da Assembleia-Geral da ONU, Guterres criticou países que “agem como se as regras não lhes fossem aplicáveis” e insistiu que a impunidade é “a mãe do caos”.

O líder da ONU começou por se referir ao conflito sudanês, onde denunciou massacres de civis, fome generalizada e repressão. Passando para a guerra na Ucrânia, Guterres sublinhou que a ofensiva continua a atingir civis e a destruir infraestruturas, colocando em risco a segurança global. Reconheceu esforços diplomáticos recentes dos Estados Unidos e de outros Estados e apelou a um cessar-fogo que permita avançar para “uma paz justa e duradoura” de acordo com a Carta da ONU e o direito internacional.

Relativamente a Gaza, o secretário-geral descreveu a situação como a mais devastadora que testemunhou nos seus mandatos. Lembrou que o Tribunal Internacional de Justiça já impôs medidas obrigatórias no caso de alegado genocídio, mas alertou que desde então a crise só agravou, com fome declarada e aumento do número de mortes.

Num tom global, Guterres lembrou que, além destes conflitos, há crises abertas do Haiti ao Sahel, e advertiu: “Quando a responsabilização desaparece, os cemitérios enchem-se.” Dirigiu-se ainda ao Conselho de Segurança, pedindo reformas que o tornem mais representativo, transparente e eficaz, lamentando os bloqueios provocados pelo uso do veto.

No que será o penúltimo discurso de abertura da Assembleia-Geral do seu mandato, Guterres alertou contra injustiças que alimentam exclusão e corrupção, defendendo uma aposta clara nos direitos humanos. “A paz não é ingénua, é uma escolha corajosa”, concluiu.

Um órgão de cooperação

A Assembleia Geral da ONU continua a ser o principal órgão deliberativo e representativo das Nações Unidas, com uma composição universal, 193 Estados-membros com direito a voto. As suas funções incluem a aprovação do orçamento da ONU, a eleição de membros de órgãos como o Conselho de Segurança e o Conselho de Direitos Humanos, a nomeação do secretário-geral (com base em recomendação do CS), e a adoção de resoluções sobre paz, segurança, direitos humanos, desenvolvimento e cooperação internacional.

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