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Muitas pessoas continuam em situação de sem-abrigo mesmo depois de receberem habitação e apoio. A experiência de “estar em casa” envolve mais do que um abrigo físico: depende de fatores como segurança, estabilidade e conexão com outras pessoas. Estas dimensões estão intimamente ligadas a experiências de trauma e de vinculação na infância.

Para Elias Barreto, psicólogo no Hospital Psiquiátrico Júlio de Matos, compreender essas relações é essencial para desenvolver respostas eficazes. No webinar “Attachment, Trauma, Homelessness”, conduzido pela psicóloga Silvia Ramondi e Elias Barreto, esta ligação entre trauma, vínculo e habitação foi explorada a fundo.

O trauma, especialmente na infância, molda o modo como nos relacionamos com o mundo. Durante a conferência, os especialistas explicaram que bebés criados apenas com cuidados físicos, sem afeto consistente, carregam menos ferramentas internas para lidar com as adversidades da vida.

Muitos adultos sem-abrigo partilham estas experiências. Estudos mostram que 47% sofreram negligência ou abuso, 34% perderam precocemente os pais por abandono ou separação, 31% por morte, e 27% vivenciaram abuso sexual.

Américo Nave, diretor da associação de intervenção comunitária CRESCER, confirma ao 24notícias: “O trauma deixa marcas invisíveis. Por isso, a sociedade muitas vezes não entende os comportamentos das pessoas em situação de sem-abrigo, como o consumo de substâncias e a hostilidade, que são estratégias de sobrevivência”.

Os mitos também persistem. Muitos acreditam que estas pessoas “não querem trabalhar” ou “não querem sair da rua”. Américo Nave confronta o preconceito com factos.

“Nunca encontrámos ninguém que não quisesse sair da rua. Damos-lhes apoio certo, e 90% não regressa à situação de sem-abrigo”, afirma.

O problema está, em parte, nas políticas públicas. Durante décadas, respostas partilhadas — dormitórios coletivos, centros de acolhimento — ofereciam abrigo, mas não segurança emocional, privacidade ou personalização. Para alguém traumatizado, é impossível reconstruir a confiança necessária para se reintegrar.

“Nos últimos 40 anos, a maioria das respostas não tem sido eficaz para estas pessoas”, disse.

A CRESCER sugere uma estratégia diferente: no modelo “Housing First”, a habitação vem primeiro, não depois. A associação conta também com um drop-in, na Amadora, onde as pessoas podem descansar, comer e tomar banho. Nos restaurantes da CRESCER, têm a oportunidade de desenvolver competências profissionais, provando que todos têm algo a oferecer.

Américo Nave garante que investir na habitação não é uma utopia. A CRESCER estima que 0,1% do PIB seria suficiente para retirar todas as pessoas da rua em Portugal.

“O investimento das políticas públicas tem que ser na habitação. Os únicos países que tiveram algum sucesso nesta área foram os que optaram por essa estratégia”.

A rua é muitas vezes o reflexo externo de traumas internos, mas a casa só se torna lar quando oferece segurança, vínculo e dignidade. Os especialistas acreditam que é essencial fornecer habitação, mas também cuidado, conexão e oportunidade. Uma casa não é apenas onde se dorme. É também o lugar onde alguém volta a acreditar que merece existir.

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