
É mesmo com profundo pesar que acompanhei o trágico acidente ocorrido na cidade de Lisboa, envolvendo o Elevador da Glória, da Carris, uma empresa pública que serve diariamente centenas de milhares de pessoas e faz parte da identidade da cidade.
Neste momento difícil, a minha solidariedade está com as famílias das vítimas, com os seus amigos, com todos os trabalhadores da Carris e com a comunidade que foi afetada.
Já sabemos que se iniciaram inquéritos de todas as entidades, incluindo o Ministério Público, e talvez um dia chegar-se-á aos responsáveis morais desta tragédia que muito prejudicará a histórica Carris, Lisboa, e a imagem do nosso país para quem nos visita.
Sem querer entrar neste caso em particular, permitam-me partilhar alguns ensinamentos que recebi pela oportunidade que já tive de desempenhar as funções de gestor público no pós troika.
A verdade é que o FMI já se foi embora de Portugal há mais de uma década e as suas práticas se foram mantendo na máquina do Estado com graves prejuízos para o serviço público que se presta aos cidadãos que pagam os seus impostos. Tentarei exemplificar de forma abstrata sem falar em nenhum caso em concreto, pois tenho o dever de sigilo pelas funções que desempenhei no passado e pelo respeito pela instituição que servi o melhor que consegui, dentro das condições e competências que o Estado determinou, independentemente de o governo ser liderado pela esquerda ou pela direita.
O mito urbano é que um bom gestor é aquele que corta na estrutura e no core. Esta é, infelizmente, a perspectiva dos “gurus” financeiros. Ora o pensamento é absurdo e coloca em causa o básico e elementar. A componente essencial de um negócio, seja ele qual for, deve estar internalizado e nunca a 100% num prestador de serviços. Mas as finanças adoram este pensamento e, por isso, incentivam a passagem do core para os prestadores de serviços limitando a contratação de recursos humanos e aprovando FSE (Fornecimento de Serviços Externos), que podem aumentar os custos 10 ou 100 vezes mais para o cumprimento do mesmo objetivo ou função. Para os interesses é via verde, para garantir um serviço público de excelência há que complicar e dificultar.
O Tribunal de Contas é outra das entidades que limita, e de que maneira, atos de gestão que têm que ser urgentes e devidamente justificados, pois tratam a contratação de parafusos e a contratação de medicamentos para um hospital da mesma maneira, ou seja, não há critério nem sensibilidade, mas sim e apenas formalidades.
O código de contratação publica é outro Tratado de Tordesilhas que só leva a conflitos infindáveis dos concorrentes na justiça e o serviço público e as pessoas que esperem sentadas seguindo o tempo doentio da justiça. Às vezes são precisos anos para ter um concurso público terminado e adjudicado. É exasperante!
O parlamento e os partidos políticos poderiam fazer um livro branco sobre os desafios da gestão pública para identificar o que está mal e legislarem com o fito da defesa do interesse público e dos serviços ao cidadão de excelência. Faziam verdadeiro serviço público.
Termino questionando os “gurus” financeiros para nos dizerem qual o valor humano e financeiro que todos perdemos na tragédia de ontem? Não continuemos a brincar com assuntos sérios.
Nota: Tive que lidar com este sistema que é um verdadeiro novelo labiríntico. Incompreensível e infindável. Frustrante para quem quer fazer melhor, transformar, resolver problemas e preparar o futuro. Dediquei muito do meu tempo a escrever para as diversas entidades, pois num dia de tragédia ou de azar existirão, com toda a certeza, responsáveis.
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