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Ao entardecer numa quinta em Nova Iorque central, Mike e Jenny Thomas preparavam o jantar com os filhos, Edith, de cinco anos, e George, de três, a tocar a campainha com entusiasmo. Sentados à mesa, recitaram uma oração em latim antes de fazer a bênção sobre a refeição, num ritual que reflete a religiosidade profunda da família.

Há pouco mais de uma década, Mike e Jenny eram democratas urbanos de ideias progressistas. Compravam em mercados locais, liam sobre psicanálise e participavam em hortas comunitárias. Mas sentiam uma frustração e uma insatisfação que os levou a imaginar uma vida rural mais simples e espiritual, conta o The Guardian. Hoje, gerem uma quinta onde Mike trabalha a terra, estuda filosofia cristã e cultiva uma ligação quase mística com o ambiente.

A conversão ao catolicismo conservador trouxe mudanças radicais na vida quotidiana da família. Jenny chegou a queimar livros de teoria crítica e filosofia de esquerda, enquanto Mike defende um modelo familiar em que o homem sustenta a família com um único rendimento e a mulher se dedica ao lar e aos filhos. Este ideal reflete-se em escolhas como a educação doméstica, que consideram mais personalizada e integral do que as escolas públicas locais.

O casal integra um movimento mais amplo, o “trad” (de tradicionalista), que rejeita o mundo moderno em favor de uma vida centrada em Deus, família e terra. Muitos aderentes veem a vida urbana e tecnológica como opressiva e ilusória, preferindo comunidades rurais auto-suficientes e afastadas da economia de mercado dominante. Redes sociais e blogs tornaram-se canais para partilhar experiências e instruir outros interessados num estilo de vida semelhante, embora nem todos procurem notoriedade.

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A pandemia impulsionou este movimento, expondo vulnerabilidades nas cadeias de abastecimento e no sistema educativo, e levando famílias a valorizar a autossuficiência e o apoio comunitário. O “trad” atrai não apenas católicos conservadores, mas também protestantes, que combinam práticas rurais com valores espirituais rigorosos. Alguns aderentes vão mais longe, adotando posturas intencionalmente anacrónicas, como evitar transportes motorizados e limitar despesas ao mínimo.

Apesar do romantismo associado à vida tradicional, especialistas alertam que a idealização do passado pode ser enganadora. O modelo de “homem provedor, mulher dedicada ao lar”, típico dos anos 1950 nos EUA, nunca foi universal e esteve muitas vezes ligado a desigualdades e vulnerabilidades para as mulheres. A historiadora Stephanie Coontz lembra que, em épocas passadas, mulheres casadas podiam ficar presas em matrimónios abusivos devido à falta de autonomia económica.

As famílias "trad" reconhecem as dificuldades e frustrações que acompanham este estilo de vida. A vida rural exige trabalho físico intenso, gestão de animais, produção própria de alimentos e tempo limitado para lazer. No entanto, muitos consideram estes desafios uma oportunidade de fortalecer vínculos familiares, desenvolver disciplina e transmitir valores espirituais às crianças.