
Acompanhe toda a atualidade informativa em 24noticias.sapo.pt
O ex-presidente do Brasil, Jair Messias Bolsonaro, foi esta quinta-feira condenado por todos os crimes de que estava acusado, numa decisão tomada pela maioria dos juízes da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF).
A pena, fixada em 27 anos e três meses, foi atenuada tendo em conta a idade avançada do ex-presidente. Do total, 24 anos e nove meses correspondem a reclusão, dois anos e seis meses a detenção, acrescendo ainda o pagamento de uma multa durante 124 dias. Por cada dia, Jair Bolsonaro terá de pagar o valor de dois salários mínimos, o que resultará numa soma de aproximadamente 376,4 mil reais (cerca de 60 mil euros).
O voto decisivo partiu da ministra Cármen Lúcia, a única mulher entre os cinco juízes da Primeira Turma. Cristiano Zanin foi o último a pronunciar-se.
O resultado ditou uma condenação por 4 votos a 1, não apenas para Bolsonaro, mas também para outros sete réus envolvidos no processo.
Para compreender como se chegou a este desfecho, é necessário recuar alguns anos. Em 2021, a condenação que agora se confirma tinha sido rejeitada pelo então presidente Jair Bolsonaro com uma confiança quase inabalável, durante um encontro com líderes evangélicos no município de Goiânia.
“Estar preso, estar morto ou a vitória” disse Bolsonaro, afastando de imediato a primeira opção.
“Podem ter a certeza de que a primeira alternativa não existe... Deus colocou-me aqui, e só Deus me tira daqui", afirmou, citado pela Agência Pública.
O que levou Bolsonaro a ser condenado?
Em 2022, Lula da Silva enfrentou Jair Bolsonaro nas eleições presidenciais do Brasil, numa campanha marcada por intensa polarização, com uma diferença de 2,1 milhões de votos. Assim, Bolsonaro tornou-se o primeiro presidente a não conseguir ser reeleito, desde que a reeleição imediata existe no Brasil.
Após a vitória de Lula, que Bolsonaro se recusou a reconhecer, seguidores do ex-presidente começaram a organizar protestos por todo o país. Desde o dia seguinte às eleições, surgiram apelos a uma intervenção militar que impedisse a posse do novo chefe de Estado.
Bolsonaro alimentou teorias falsas sobre fraude eleitoral e incentivou manifestações em frente a quartéis, criando um clima de instabilidade e desconfiança. Surgiram também indícios de que o ex-presidente poderia ter participado em planos para permanecer no poder mesmo após a derrota.
A tensão atingiu o auge a 8 de janeiro de 2023, quando milhares de apoiantes radicais invadiram e destruíram instalações do Supremo Tribunal Federal, do Congresso Nacional e do Palácio do Planalto, em Brasília. A ação constituiu uma tentativa violenta de impedir a posse de Lula da Silva e reverter os resultados das eleições, num ataque sem precedentes à democracia brasileira.
O ataque foi motivado pelas falsas alegações de fraude nas eleições de 2022 e teve como objetivo intimidar as instituições democráticas.
Os manifestantes vandalizaram paredes, destruíram móveis e equipamentos e obrigaram à evacuação de funcionários e autoridades, deixando o país em estado de alerta e levando à mobilização de forças federais para restaurar a segurança.
O episódio resultou em prisões imediatas de líderes do movimento e gerou ampla repercussão internacional, sendo comparado à invasão do Capitólio nos Estados Unidos em 2021.
Em novembro de 2024, a Polícia Federal indiciou Jair Bolsonaro por tentativa de golpe de Estado, detalhando que o ex-presidente teria articulado planos para impedir a posse de Lula, incluindo conspirações contra a vida do próprio presidente e do ministro do STF Alexandre de Moraes.
O inquérito revelou a existência de documentos, reuniões e contactos entre militares e civis com o objetivo de subverter a ordem democrática, bem como a instalação de um “gabinete paralelo” para coordenar ações violentas. O indiciamento evidenciou a gravidade das ameaças à democracia no Brasil e reforçou o conflito de Bolsonaro com as instituições.
As provas-chave que levaram à condenação de Bolsonaro e mais sete réus
Durante o julgamento foram utilizadas várias provas que levaram à condenação dos réus por crimes como tentativa de golpe de Estado, tentativa de abolição violenta do Estado democrático de direito e organização criminosa armada.
Segundo o procurador-geral da República, Paulo Gonet, citado pelo UOL, o grupo de réus "documentou quase a totalidade" de suas ações, entre mensagens, manuscritos, planilhas e gravações, "tornando ainda mais perceptível a materialidade delitiva".
Além de Bolsonaro, são eles:
- Alexandre Ramagem, ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência;
- Almir Garnier, ex-comandante da Marinha;
- Anderson Torres, ex-ministro da Justiça;
- Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional;
- Mauro Cid, ex-ajudante de ordens da Presidência;
- Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa;
- Walter Braga Netto, ex-ministro da Casa Civil de Bolsonaro
"[A PGR] fez prova cabal de que o grupo, liderado por Jair Messias Bolsonaro, composto por figuras chaves do governo, das Forças Armadas e de órgãos de inteligência, desenvolveu e implementou um plano progressivo e sistemático de ataque às instituições democráticas", afirmou a juíza do STF Cármen Lúcia, durante o seu voto.
Entre os principais elementos recolhidos pela Polícia Federal e pelo Ministério Público estão várias declarações de Bolsonaro contra as urnas eletrónicas, bem como a “minuta do golpe”, uma proposta de decreto para instaurar o estado de defesa, encontrada na residência do ex-ministro da Justiça Anderson Torres.
"A denúncia não se baseou em conjecturas ou suposições frágeis. Os próprios integrantes da organização criminosa fizeram questão de documentar quase todas as fases da empreitada", afirmou o Procurador Geral da República, Paulo Gonet.
Entre as provas relacionadas com as urnas eletrónicas destacam-se uma transmissão em direto de Bolsonaro, em julho de 2021, na qual questionava o sistema de votação, outra transmissão ao vivo, em julho de 2022, durante um encontro com embaixadores, em que voltou a pôr em causa o sistema eleitoral, e ainda manuscritos e arquivos digitais que apontam para uma tentativa de “desacreditar reiteradamente” as urnas eletrónicas.
Relativamente à tentativa de golpe de Estado, as provas incluem mensagens, planilhas e registos de reuniões que apontam para o “manejo indevido das forças de segurança pública, especialmente da Polícia Rodoviária Federal, no segundo turno das eleições” de 2022. Uma convocação do Alto Comando do Exército para impedir a posse do governo Lula, em janeiro de 2023, e várias versões da “minuta do golpe”, encontradas na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres, na sede do PL e no smartphone de Mauro Cid.
Entre os documentos apreendidos estão ainda o “Punhal Verde Amarelo”, do general Mário Fernandes, impresso no Palácio do Planalto, que descrevia ações para assassinar autoridades como o ministro do STF Alexandre de Moraes, o “Copa 2022”, prevendo atentados com lança-granadas e fuzis em Brasília e São Paulo e a “Operação Luneta”, encontrada num pendrive do tenente-coronel Hélio Ferreira Lima, com planos para o golpe.
Entre as provas está também a “Operação 142”, descoberta na sede do Partido Liberal, que indicava que Lula não subiria “a rampa”, numa referência ao artigo 142 da Constituição, que regulamenta o papel das Forças Armadas.
As defesas dos réus contestaram de várias formas as provas apresentadas pelo Ministério Público. Alegaram cerceamento do direito de defesa, afirmando não ter tido tempo suficiente para analisar o vasto material apreendido pela Polícia Federal, que incluía telemóveis, computadores e documentos.
A defesa de Bolsonaro afirmou que o ex-presidente foi arrastado aos acontecimentos de 8 de janeiro, sem negar os documentos. Os advogados de generais como Heleno e Braga Netto contestaram a autenticidade de manuscritos e “prints” utilizados como prova, defendendo que não havia indícios de que esses materiais tivessem sido compartilhados ou utilizados para qualquer ação prática.
Comentários