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Ontem, dia 20 de novembro, a empresa MUVU (fornecedor de tecnologia na área da indústria) trouxe especialistas de referência ao Manufacturing Tech Summit para falar sobre dados, inteligência artificial e Sistemas de Execução de Manufatura (MES).

"Manufacturing Tech Summit" reuniu mais de 100 participantes na Porto Business School. Já é conhecida data da segunda edição
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O 24notícias esteve presente nesta conferência e conversou com Tiago Santos, CEO da MUVU, que explicou que a ideia surgiu da necessidade de falar sobre a evolução veloz da tecnologia. "A nossa ideia com o Manufacturing Tech Summit não é ter uma vertente puramente comercial, mas sim uma vertente de partilha de conhecimento, partilha de experiências e apresentarmos as novas tecnologias que existem".

Pensamento crítico: "o maior diferenciador" na era industrial da Inteligência Artificial

O início ficou a cargo de José Maria Pimentel, professor e consultor em Pensamento Crítico e Tomada de Decisão, assim como criador do podcast 45 graus. Na intervenção começou por falar do facto de o pensamento crítico ser hoje uma das competências mais importantes no contexto industrial dominado pela Inteligência Artificial (IA). A velocidade das mudanças, a complexidade dos sistemas, o excesso de dados e a crescente automação tornam o ambiente mais incerto e exigem profissionais capazes de fazer as perguntas certas, avaliar informação e identificar riscos.

O orador destacou várias limitações estruturais da IA, desde a falta de explicabilidade e a dependência da qualidade dos dados até à dificuldade em generalizar e à ausência de compreensão contextual. Alertou também para o fenómeno “garbage in, gospel out”, em que outputs enviesados são interpretados como verdades absolutas, e recordou que a IA opera sobretudo no nível associativo, longe do raciocínio causal humano descrito por Judea Pearl, cientista da computação e filósofo.

Face a estes limites, o pensamento crítico surge como o verdadeiro diferenciador. Para José Maria Pimentel, é ele que permite filtrar informação, identificar enviesamentos, compreender quando confiar (ou não) em sistemas automatizados e mitigar os riscos inerentes à sua utilização. Num ambiente cada vez mais automatizado, concluiu, o elemento humano continua a ser central para garantir decisões fiáveis e contextualizadas.

Inovação, competitividade e tecnologia: lições de um painel sobre a indústria em transformação 

O painel moderado por Tiago Santos reuniu três especialistas — Sandra Guerreiro (ESTEVE), Raquel Caldeira (Introsys) e Jorge Gomes (CTT) — para discutir inovação tecnológica, competitividade e transformação industrial. A conversa evidenciou que a adoção tecnológica é um processo complexo, que exige mais do que implementar ferramentas: requer mudança de mentalidade, desenvolvimento de competências e envolvimento contínuo das equipas. No setor farmacêutico, a diretora de qualidade da ESTEVE (empresa farmacêutica internacional espanhola) que projetos só avançam quando mindset, skillset e toolset evoluem em conjunto, como demonstrado pelo sucesso do One Button Batch Release (processo frequentemente associado a softwares que automatizam a aprovação final de um lote de produtos com uma única ação.)

Raquel Caldeira trouxe a perspetiva da automação industrial, salientando o desafio de inovar quando os clientes sabem que têm problemas mas não sabem defini-los. Na Introsys (empresa de automação industrial), esta incerteza exige clarificação constante, gestão de expectativas e desenvolvimento de soluções modulares, equilibrando customização com ambição de criar produtos escaláveis. A dificuldade em transformar serviços altamente personalizados em produtos replicáveis continua a ser um dos maiores entraves à evolução tecnológica na indústria portuguesa.

Jorge Gomes apresentou a transformação dos CTT, que passaram de uma organização centrada no correio para uma empresa logística moderna e digital. A resposta ao crescimento do e-commerce incluiu o desenvolvimento interno de tecnologias como lockers, máquinas de self-service e sistemas financeiros automatizados, demonstrando capacidade de inovação industrial nacional. Também o modelo de manutenção foi reformulado para equipas multidisciplinares, aumentando eficiência e capacidade de resposta.

“Mais filósofos, menos programadores”

O painel integrou ainda duas lightning talks. A primeira foi apresentada por Bruno Silva, Head of Research and Development na MUVU, que abordou a falácia das “tecnologias instantâneas”, a ideia errada de que soluções tecnológicas surgem de um dia para o outro. Recorreu à metáfora do icebergue para mostrar que, por trás da Inteligência Artificial, existe um longo percurso científico que culminou em modelos como o ChatGPT. Defendeu uma colaboração estreita entre humanos e tecnologia, desde o operador que trabalha diariamente com máquinas até ao nível executivo, ilustrando-a com a imagem de um coração criado pela sinergia entre uma ação robótica e uma mão humana.

Além disso, sublinhou a importância do pensamento crítico, da capacidade de união e da supervisão humana (human on the look), evocando a ideia de “pensar devagar”, de Daniel Kahneman, como equilíbrio entre trabalho rápido e reflexão profunda. Citou ainda Daniela Braga: “mais filósofos, menos programadores”, reforçando que precisamos de compreender o que as pessoas pensam e não apenas o que os sistemas produzem. O operador receia perder o emprego, o CEO procura onde melhorar o negócio. A tecnologia tem de servir ambos.

A segunda lightning talk, por Bárbara Almeida, especialista Digital Azure da Microsoft, explorou o conceito de “empresa do futuro”: a passagem de um desenvolvimento tradicional para um modelo assente em IA. Recordando que a IA não é uma novidade, existe desde os anos 60, mas que a grande viragem ocorreu com os modelos conversacionais e a popularização de ferramentas como as da OpenAI, que colocaram o tema no centro da discussão pública. Referiu a visão da Indústria 5.0 (conceito que complementa a Indústria 4.0, focando na colaboração entre humanos e máquinas, colocando o ser humano no centro do processo produtivo): human-centric, mas AI-first, com o ser humano como orquestrador apoiado pela inteligência artificial. Partilhou também a perspetiva da Microsoft, que considera a IA “a nova eletricidade”, capaz de gerar toda uma nova cadeia de valor e novas indústrias, tal como aconteceu na revolução elétrica.

A dependência de Bruxelas, a burocracia e os empresários “irresponsáveis”

No painel seguinte, com Catarina Caria (Analista de Assuntos Internacionais), Pedro Santos (Gestor de Projeto na PRODUTECH) e Flávia Barbosa (Coordenadora de Investigação no INEGI), moderado por Rui Ribeiro (Especialista em Transformação Digital na Zertive Consulting), discutiu-se a necessidade de a Europa assumir um papel mais ativo na política industrial, num mundo que passou de bipolar para tripolar. Catarina Caria destacou que crises, guerras e ruturas das cadeias de valor apenas tornaram urgente aquilo que já era evidente: a fragilidade europeia na indústria de defesa. Portugal, tradicionalmente dependente de Bruxelas para defesa, matérias-primas críticas e parcerias estratégicas, nunca desenvolveu uma base industrial robusta, um risco hoje inegável. A dependência de materiais críticos, o choque energético e episódios como grandes apagões tornaram visíveis vulnerabilidades estruturais, agravadas por ameaças híbridas e cibernéticas, reforçando a necessidade de maior resiliência digital.

Falou-se ainda da urgência de acelerar a reindustrialização verde e digital. Recordou-se que, em 2020, se discutia intensamente o hidrogénio verde e o potencial de Sines, defendendo-se que Portugal deve focar-se mais em “design in Portugal” do que em “made in Portugal”. Em vez de sermos apenas mão de obra, importa qualificar o mercado laboral e atrair capital humano que permita às empresas escalar. Para Pedro Santos, “os custos só são um problema quando não temos clientes que os paguem”; a inovação é a procura de fatores diferenciadores que garantam vantagem competitiva. Considera que Portugal tem excelentes empresas, sobretudo considerando a burocracia que lhes é imposta. Questionado sobre se os empresários são “loucos”, Pedro respondeu que são “irresponsáveis, mas são com eles que temos de viver”.

Flávia Barbosa reforçou a importância de criar ecossistemas colaborativos, alinhada com a visão de que é necessário olhar para fora do “ângulo habitual” e envolver universidades no desenvolvimento de protótipos, juntamente com parceiros industriais. Salientou que, apesar de isto parecer um “caminho óbvio”, não corresponde à realidade portuguesa. Propôs a criação de grupos de trabalho que reúnam empresas e fornecedores de tecnologia para expor problemas e procurar soluções. Identificou a comunicação como um dos principais entraves, especialmente o desalinhamento entre empresas e investigação científica.

Na sessão de encerramento, Tiago Santos apresentou em primeira mão o novo conceito da MUVU, a lançar no início do próximo ano: um rebranding do Railes, com uma abordagem fortemente suportada por IA, sem perder o foco na experiência do utilizador e no objetivo de facilitar a vida de quem trabalha nas fábricas. A nova tecnologia será apresentada oficialmente num evento no dia 22 de janeiro.

O Railes MES é um software de controlo e análise da produção em tempo real que ajuda os fabricantes a obter melhores resultados, transformando informações úteis para o negócio.

*Artigo editado por Alexandra Antunes

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