Falar em educação é quase sempre falar de métodos, programas e reformas. Mas a verdadeira revolução pode estar noutro lugar: no modo como o cérebro humano aprende. E é aí que a neurociência, a psicologia cognitiva e a investigação convergem — e onde a escola portuguesa continua a ficar para trás.

Afinal, como aprende o cérebro? A resposta não tem mistério, mas tem rigor. O cérebro aprende devagar, consolida com esforço e esquece depressa se não praticar. A memória de trabalho (de curto prazo) — aquela que usamos para reter informação por instantes — é limitada e quando é sobrecarregada, a aprendizagem colapsa.

Sofia Garcia da Silva, coordenadora da unidade de Lisboa do CADIn – Centro de Neurodesenvolvimento e Inclusão, resume dando uma imagem agrícola: "Se o solo estiver demasiado encharcado, a água não entra". É exatamente isso que acontece quando se despeja demasiada informação de uma vez, quando as aulas acumulam conceitos sem progressão clara, ou quando os alunos são empurrados para descobrir conteúdos sobre os quais não têm ainda base.

É por isso que não basta o professor falar à frente do quadro, ler ou indicar a página do manual, projetar um diapositivo. As turmas têm discrepâncias, cognitivas e sociais. Para ensinar, além de dominar a disciplina que leciona, o professor tem de dominar a pedagogia, compreender como funciona o cérebro de uma criança ou de um jovem. "A ciência cognitiva é essencial: sem conhecermos a arquitetura do cérebro humano, o ensino é cego. Saber como o cérebro apreende e retém informação é essencial para ensinar de forma eficaz e eficiente", considera Sofia Garcia da Silva.

O cérebro é uma espécie de despensa com várias gavetas e armários. A "memória de trabalho", que representa a capacidade para processar informação nova, está ligada à memória de longo prazo, o armazém onde temos a memória de conhecimento. Quando um professor apresenta conteúdos demasiado complexos ou demasiado extensos de uma só vez ou o ambiente tem demasiados estímulos, esta ponte rompe-se: há uma sobrecarga da "memória de trabalho" que vai comprometer a passagem da informação para a memória de longo prazo. O bloqueio significa que o conhecimento não chega a ser consolidado.

E lá se vai o primeiro mito, a ideia de que "o saber não ocupa espaço". Hoje, os especialistas em ciência cognitiva sabem que a capacidade da "memória de trabalho" é limitada; há um número limite de informações que podemos colocar nesta "secretária mental". Daí a importância de estruturar, segmentar, criar rotinas e apresentar a matéria em sequências lógicas. "O que é importante para o professor, é saber que a probabilidade de o aluno aprender é maior se houver uma estrutura e uma sequência da informação e se a informação for partilhada por segmentos e pouco a pouco", diz.

O professor precisa de saber em que ponto estão os seus alunos antes de introduzir novos conteúdos. Um estudante iniciante processa a informação de modo totalmente diferente de um estudante experiente. Para os primeiros, a sobrecarga é quase inevitável; para os outros, informação já guardada na memória de longo prazo (o "disco rígido") ajuda a aliviar a pressão sobre a memória de trabalho e a relacionar assuntos.

Como estudar? Testar, testar, testar

Aqui, cai por terra o segundo mito: aprender não tem de ser divertido; é difícil e exigente. O esforço é parte integrante do processo de aprendizagem, e a repetição — sobretudo sob a forma de teste (não para avaliar, mas sim para aprender) — é uma das ferramentas mais poderosas já identificadas pela ciência.

Se ensinar tem ciência, aprender também. Joana Rato, psicóloga da Educação e professora na Universidade Católica Portuguesa, explica porque é que "uma direta é o maior disparate que podemos fazer". "Não somos computadores, da mesma maneira que a resistência física tem limites, também temos limitações a este nível: a fadiga cognitiva está a ser estudada, mas já sabemos que a aprendizagem não deve ser uma maratona de resistência".

Dormir é também parte importante do processo, é o que nos permite consolidar memórias e limpar o disco rígido. Está provado que o descanso e as pausas regulares são fundamentais e produzem melhores resultados na aprendizagem. "Concentrar tudo sem intervalos não vai ajudar e fazer diretas é como escrever textos no computador sem os gravar".

Então, como estudar para ter bons resultados? "As estratégias mais eficazes de aprendizagem são aquelas que se baseiam na memória, não são reler várias vezes o mesmo texto, sublinhar partes ou destacar excertos com muitas cores. O que é eficaz é recuperar a informação, espaçar o estudo e intercalar conteúdos relacionados entre si. Além disso, testar, testar, testar", garante Célia Oliveira, psicóloga da Educação e Ciências Cognitivas e professora na Universidade Lusófona do Porto.

"Praticar para reforçar e cruzar informação". Este é um princípio que atravessa toda a literatura científica. Cada tentativa para recuperar informação fortalece a memória. Cada pausa, cada espaço entre dois momentos de estudo, aumenta as hipóteses de reter informação.

"As estratégias de aprendizagem mais eficazes são bastante contra-intuitivas", porque não vão ao encontro do que é mais óbvio, diz a psicóloga. Para provar o poder da testagem, Célia Oliveira cita um estudo clássico, em que é dado a um grupo de alunos um excerto de 250 palavras para ler.

"Um grupo leu quatro vezes o excerto, outro leu o excerto uma vez e respondeu a perguntas três vezes. Ambos os grupos foram avaliados e não houve grande diferença no desempenho entre si. Mas, uma semana depois, voltaram a ser avaliados. Os alunos que tinham lido o texto uma vez e testado três vezes, apenas esqueceram 14% do que tinham aprendido, enquanto os alunos que leram o texto quatro vezes esqueceram 50% da informação".

"Isto significa que o exercício de irmos buscar à nossa memória informação, ativar o que lá está, funciona, reforça o traço de memória e consolidada a aprendizagem", conclui. Como pode ser replicado em sala de aula ou pelos alunos no estudo autónomo? "Respondendo a fichas de exercícios, pedindo à Inteligência Artificial para lhes fazer perguntas, recitando em voz alta, pedindo aos colegas para fazer perguntas e verificar, comparar as respostas com os conteúdos", responde.

"Dica importante para os professores: fazer uma pausa. Dar tempo para os alunos que não se lembram imediatamente de uma reposta irem à sua memória buscar a informação. Vão lembrar-se melhor na sequência desse esforço", assegura.

A ciência está feita, falta chegar à escola

A formação continua de professores corresponde a um enorme investimento que Portugal faz todos os anos. Números do Conselho Nacional de Educação dizem que só entre 2021 e 2023 houve 4 mil ações de formação por ano, que envolveram mais de sete mil formadores e chegaram a cerca de 100 mil professores.

Com que resultados? "Ninguém sabe", responde Pedro Freitas, investigador no What Works Hub for Global Education da Universidade de Oxford e no Centro de Economia da Educação da Nova SBE. "Sendo uma política pública, é estranho".

Inquéritos a professores mostram que maioria faz formação, mas pede mais em três áreas: na sua área científica, na área das tecnologias e em áreas relacionadas com comportamento. Será que a procura de formação está alinhada com a oferta do sistema? Aparentemente, não.

Há dados importantes, diz Pedro Freitas. "Os professores dizem que aprenderam coisas novas, mas não dizem se isso for transferido para a sala de aula. O que se aprende [na formação] tem de ser aplicado na sala de aula e geral uma resposta que leva a fazer novas perguntas, que levam à formação continuar, que é um ciclo sem fim: aprender, aplicar, receber feedback, voltar, aprender, aplicar...".

Hoje, "é impossível distinguir as formações que têm impacto das que não têm. Ninguém sabe, porque não se avaliam resultados", critica o investigador.

Pedro Freitas lembra ainda que a formação continua não substitui uma sólida formação inicial. "Temos um problema mais do que falado e discutido de falta de professores. Temos um aumento de vagas para formação inicial, mas sabemos que há falhas pedagógicas e falhas científicas na formação inicial, se não fizermos nada estamos a escalar algo que tem alicerces científicos fracos", avisa. "Para ensinar algo bem, tenho de saber bem essa matéria, não posso ensinar o que não sei".

O que falha? "Falham sobretudo as ciências cognitivas, a falta de atualização científica". Isto, apesar de, no entanto, existir hoje um conhecimento sólido sobre como se aprende, como se deve ensinar e como se forma um professor eficiente e eficaz.

Desde 2018, a Iniciativa Educação, que reúne neurocientistas, docentes, psicólogos e especialistas internacionais, publicou mais de 230 artigos científicos sobre a matéria — e este artigo é resultado da conferência "Educar tem Ciência", que juntou na Nova SBE mais de 300 pessoas, entre professores e especialistas em ciência e educação. Mas entre o que se sabe e o que se faz vai uma longa distância.

Um caso exemplar (a adoptar por Portugal?)

Miguel Herdade, diretor no The Access Project e diretor de uma escola primária em Londres, lembra que "nas escolas não há nada tão importante como a qualidade do professor que os alunos têm à sua frente". E a ciência confirma isso, "por isso é tão importante debater como é que conseguimos que os professores sejam ainda melhores para dar um futuro melhor às crianças. Se a escola vai determinar o futuro da criança, o professor pode ser o elemento diferenciador".

As explicações são um fenómeno a crescer a nível global e Portugal não foge à regra. O mercado mundial de explicações está avaliado em mais de 106 mil milhões de euros e, até 2026, deverá crescer para 172 mil milhões. Um relatório técnico do Conselho Nacional de Educação de 2024, "Explicações/Educação (na) Sombra", revela que em Portugal cerca de 60% dos alunos recorrem a explicações ao longo do seu percurso escolar. Isto revela que os alunos não estão confortáveis com o ensino na sala de aula.

Miguel Herdade conta como a realidade em Inglaterra é bem diferente da de Portugal e explica que isso também é resultado de uma mudança. "Tive oportunidade de fazer um projeto à escala nacional no Reino Unido, que tinha como objetivo garantir que os professores ingleses eram os melhores. A qualidade da formação era muito variável e pretendia-se criar um "tipo" que pudesse ser usado em todas as salas de aula".

Em Inglaterra, a formação inicial é feita nas escolas; os professores têm licenciatura base, que pode ser em Direito, em Matemática ou noutra área qualquer, e, no final, fazem uma pós-graduação (ou mestrado) de um ano e meio numa escola, acompanhados por um professor mais velho, "que tem mais experiência, já sofreu algumas dificuldades", o que "evita acabar o curso de ensino e toma lá 30 miúdos, que estão ativamente a tentar boicotar o nosso trabalho".

"Durante os dois primeiros anos, o professor mais velho faz uma espécie de passar de pasta, de sabedoria, de conhecimento", explica Miguel Herdade. "Portugal tinha a beneficiar com este método, porque o gap geracional é ainda maior: apenas 2% os professores têm menos de 30 anos. É uma pena o país perder a experiência acumulada dos mais velhos".

Este foi um processo complicado também em Inglaterra, "encontrar 100 mil mentores para 100 mil novos professores foi um desafio". E implicou formação na disciplina, mas também sobre liderança de escolas, porque as direções de escola têm um papel fundamental. Aliado a isto, tivemos uma componente tecnológica muito forte, que permitiu dar aos professores ferramentas digitais, materiais feitos por Inteligência Artificial".

Note-se que no Reino Unido os salários dos professores não são tabelados como em Portugal e cada escola contrata os seus professores livremente. O aumento da remuneração tem um impacto maior no início da carreira, que se vai desvanecendo à medida que os professores vão envelhecendo. "O salário é importante, mas não é só isso, é preciso dignificar os professores de outras formas, dar-lhes dignidade e o apoio de que eles precisam", sublinha Miguel Herdade.

Para este professor, "não há nenhuma razão pela qual não possamos fazer isto em Portugal". E resume o modelo em cinco pontos principais: comportamento do alunos (como corrigir o comportamento dos alunos na sala de aula); como funciona o cérebro dos alunos (a melhor estratégia para ensinar); como estruturar o currículo; como estar presente na sala de aula com dignidade e profissionalismo; como é que a avaliação pode ser um instrumento para apoiar professores e alunos. Será que o governo e o Ministério da Educação se atrevem a dar este passo?