Acompanhe toda a atualidade informativa em 24noticias.sapo.pt

Em março de 2024, seis meses após o início da guerra em Gaza, a educação no território foi praticamente destruída: as escolas foram encerradas e convertidas em abrigos, e todas as universidades da Faixa de Gaza ficaram parcial ou totalmente arrasadas. Neste contexto, a Harvard Educational Review (HER), uma revista académica americana com quase um século de história, decidiu lançar uma edição especial dedicada à "Educação e Palestina". O objetivo era reunir investigação e reflexão crítica sobre a educação dos palestinianos, o ensino sobre a Palestina e os desafios enfrentados por professores e estudantes no contexto de ocupação, repressão e violência.

Segundo um artigo do jornal britânico The Guardian, o projeto foi bem acolhido e os artigos selecionados abordavam temas como o conceito de “escolasticídio” (a destruição sistemática da educação em Gaza), os limites à liberdade de ensinar sobre Palestina nos EUA, ou o papel da educação na luta pela libertação palestiniana. O processo editorial estava praticamente concluído, com contratos assinados, os textos revistos e a edição amplamente promovida. Porém, a 9 de junho de 2025, a Harvard Education Publishing Group (HEPG), editora responsável pela HER, cancelou subitamente a publicação da edição especial. A decisão foi comunicada aos autores num e-mail inesperado, invocando "vários problemas complexos", nomeadamente questões no processo de revisão e edição, mas sem qualquer referência ao conteúdo político dos artigos.

A sua newsletter de sempre, agora ainda mais útil

Com o lançamento da nova marca de informação 24notícias, estamos a mudar a plataforma de newsletters, aproveitando para reforçar a informação que os leitores mais valorizam: a que lhes é útil, ajuda a tomar decisões e a entender o mundo.

Assine a nova newsletter do 24notícias aqui

Para os autores e editores envolvidos, a explicação oficial mascara o verdadeiro motivo: censura política motivada pelo receio de reações negativas face ao conteúdo pró-palestiniano dos textos. Argumentam que a exigência de uma revisão legal de todos os artigos — algo altamente invulgar — surge como resposta à crescente pressão política sobre as universidades norte-americanas, particularmente da administração Trump, que tem acusado as instituições de ensino superior de tolerarem o antissemitismo. Harvard, que está envolvida num litígio contra o governo federal devido a cortes de financiamento e sanções por alegado antissemitismo, terá adotado uma posição de “cumprimento antecipado” para evitar mais conflitos políticos e legais, mesmo à custa da liberdade académica.

O caso gerou indignação entre académicos e ativistas. Autores como Thea Abu El-Haj e Chandni Desai alertam para o precedente grave que a decisão representa: se universidades como Harvard não conseguem defender o princípio fundamental da liberdade de investigação e publicação, está em risco não só o estudo da Palestina, mas qualquer campo que envolva posições politicamente sensíveis. Rabea Eghbariah, jurista palestiniano e autor de um pós-escrito sobre a negação da Nakba, viu o seu contrato recusado depois de exigir uma cláusula de proteção da liberdade académica. Muitos dos investigadores que participaram na edição especial perderam colegas e estudantes durante a guerra, e escreveram os seus artigos enquanto universidades em Gaza eram bombardeadas. Para eles, este não é um mero exercício académico, mas um testemunho de resistência intelectual num contexto de destruição.

Os editores da revista foram também apanhados de surpresa, sem terem sido incluídos no processo de decisão, e repudiaram publicamente o cancelamento. A secção de Harvard da Associação Americana de Professores Universitários classificou o episódio como um exemplo claro de censura e repressão do discurso académico sobre a Palestina. Apesar do clima repressivo, os académicos envolvidos notam um interesse crescente dos estudantes em temas ligados à Palestina, reflexo de uma mudança profunda na opinião pública e de um enfraquecimento do controlo tradicional sobre a narrativa do conflito israelo-palestiniano. A repressão, dizem, é uma reação ao facto de as universidades estarem a perder o monopólio sobre o discurso dominante.