Para muitos cientistas e ecologistas, esta transformação representa uma rara "experiência natural" em grande escala: um ecossistema fluvial que se reconstitui por si só após uma catástrofe. Um novo relatório ambiental ucraniano confirma que até 40 mil milhões de sementes de árvores germinaram, formando aquilo que poderá vir a ser a maior floresta ribeirinha da estepe ucraniana, conta o The Guardian

Mas nem tudo são boas notícias. A destruição da barragem libertou também toneladas de sedimentos contaminados, acumulados ao longo de décadas de poluição industrial. Metais pesados como chumbo, mercúrio e cádmio estavam depositados no fundo do reservatório e agora estão expostos ao ambiente ou espalhados pelas águas abaixo. Estes poluentes representam um sério risco para a saúde humana e para a cadeia alimentar, podendo causar doenças graves e bioacumular em animais.

Além disso, grandes áreas permanecem inacessíveis devido à presença de minas e bombardeamentos contínuos. A monitorização ambiental é limitada e as consequências a longo prazo são incertas. Cientistas apelam à prudência, lembrando que regeneração natural e contaminação podem coexistir — como já se viu em Chornobyl.

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O futuro desta nova paisagem natural está também ameaçado por decisões políticas: a empresa estatal ucraniana de energia já manifestou intenção de reconstruir a barragem de Kakhovka. Para muitos especialistas, isso seria um erro histórico e ecológico. Reerguer a infraestrutura significaria submergir novamente este novo ecossistema, eliminando um processo de renaturalização único na Europa.

O local, conhecido historicamente como Velykyi Luh (“Grande Prado”), tem profundo valor cultural para os ucranianos, sendo retratado em lendas dos Cossacos e mitos nacionais. Agora, para muitos, representa não só a recuperação da natureza, mas também um símbolo de soberania, identidade e resiliência.

“O que está em jogo é mais do que um território – é uma escolha sobre o tipo de nação que a Ucrânia quer ser após a guerra”, afirma Eugene Simonov, especialista em rios e conservação. “Proteger este lugar seria um contributo decisivo para os compromissos ambientais europeus. Destruí-lo seria um acto de ecocídio.”

Embora o trauma humano da destruição da barragem e das inundações ainda pese sobre as comunidades afetadas, a ciência reconhece neste cenário uma rara oportunidade: testemunhar como a natureza pode renascer das ruínas – se lhe for permitido.