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O direito à informação e o direito de ser informado estão consagrados na Constituição da República Portuguesa (CRP) e são também garantidos por leis específicas. E se não há nenhuma lei que obrigue um político ou um responsável de uma empresa pública a responder a perguntas incómodas, a legislação prevê o acesso dos cidadãos a documentos administrativos.

"Todos têm o direito [...] de informar, de se informar e de ser informados, sem impedimentos nem discriminações", diz o n.º1 do artigo 37.º da Constituição da República Portuguesa. Por outras palavras, a Constituição assegura o direito de difundir informação, de procurar informação e de receber informação verdadeira e acessível.

Este princípio é reforçado no artigo 268.º da CRP, que dá aos cidadãos o direito de ser informados pela Administração, de aceder a arquivos e registos administrativos e até de impugnar atos e normas. Tudo isso vem regulado na Lei 26/2016, que resulta de uma diretiva comunitária de 2003, onde são estabelecidos prazos de resposta, procedimentos e deveres que não deixam margem para interpretações criativas.

Apesar disso, basta uma ronda rápida pelos gabinetes de comunicação dos ministérios, pelas autarquias locais ou pelas mais diversas entidades públicas para perceber que a realidade está longe da letra da lei: pedidos de informação ignorados, respostas atrasadas, explicações vagas, documentos difíceis de obter ou formulários quase indecifráveis fazem parte do quotidiano dos cidadãos (e, naturalmente, dos jornalistas).

Entre o silêncio e a opacidade

Não há estatísticas oficiais completas — e esse é outro problema —, mas os dados da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA) mostram uma tendência persistente: continuam a chegar reclamações de cidadãos e jornalistas que aguardam respostas há semanas, quando a lei fixa o prazo de dez dias úteis, prorrogáveis até 20 dias em circunstâncias justificadas, para uma resposta.

A opacidade não é sempre deliberada. Muitas vezes nasce da inércia burocrática, da falta de formação dos serviços, da pressão interna para evitar polémicas ou simplesmente da ausência de cultura de transparência. Outras vezes traz segundas intenções. Mas o efeito é o mesmo: os cidadãos ficam sem saber, sem compreender, sem poder avaliar ou escrutinar.

E é aqui que nasce uma zona cinzenta (às vezes muito escura) no debate público: aquilo que não é segredo de Estado, mas é tratado como se fosse, dá azo à especulação, à contra-informação e àquilo a que hoje se decidiu chamar fake news.

Os gabinetes de comunicação — que deveriam facilitar a relação entre o Estado e o público — tornam-se frequentemente filtros que controlam o acesso à informação. É comum um pedido simples receber respostas tão genéricas que pouco acrescentam ao que já é do conhecimento geral, ou tão técnicas que confundem mais do que esclarecem. Não é raro que entrevistas sejam recusadas sem explicação, declarações sejas adiadas indefinidamente ou dados públicos sejam classificados como "não disponíveis no formato solicitado".

A lei, contudo, não apoia esta cultura de controlo. Pelo contrário: o espírito legal aponta para a transparência como regra e o sigilo como exceção — e sempre fundamentada (o que raramente é prática). A informação pública pertence ao público, não aos decisores que a detêm. Os titulares de cargos políticos não são proprietários dos dados que gerem em nome do Estado.

Cidadão: espectador ou fiscal?

Uma democracia saudável exige que o cidadão seja mais do que um simples espectador. É preciso que seja exerça também o papel de fiscal, seja um participante informado. Mas para isso, tem de ter acesso ao que o Estado faz, decide e planeia fazer.

Num ecossistema mediático saturado de ruído e superficialidade, a transparência institucional é o maior fator de credibilidade. Quando as respostas tardam, quando os factos são escondidos em notas técnicas, quando o silêncio se torna estratégia, quem perde não é apenas o jornalista — é o país.

A transparência não é um slogan, é uma obrigação. No caso, a legislação portuguesa é até, de acordo com especialistas, avançada e clara. O problema está na prática. Para que a transparência deixe de ser retórica, é preciso ter serviços públicos formados para responder dentro dos prazos legais; responsáveis políticos comprometidos com a causa pública mais do que com interesses pessoais ou do partido; entidades públicas com procedimentos normalizados e acessíveis;
cidadãos e jornalistas que conheçam os seus direitos e os exijam.

A transparência não é um gesto de boa vontade, é uma responsabilidade democrática. Em última análise, é aquilo que distingue uma governação confiável de uma governação que vive de truques. Porque, como muitos cidadãos sabem e poucos políticos admitem, o mais inquietante nem sempre é o que está protegido por segredo de Estado — é o que se esconde sem qualquer justificação legal. Os exemplos multiplicam-se.

É frequente ministérios, empresas públicas e autarquias contratarem estudos, auditorias ou avaliações de impacto com recurso a fundos públicos e, no final, não divulgarem os resultados, nem sequer quando solicitados. Quantos relatórios ficam na gaveta, quantas auditorias internas não veem a luz do dia, quantas avaliações de políticas públicas (no campo da habitação, dos transportes ou da saúde, por exemplo) são guardadas a sete chaves, não vá cair o Carmo e a Trindade?

Outras vezes, o tempo é a melhor forma de calar e os atrasos na informação são cirúrgicos. Apesar de a lei dar dez dias úteis para responder a pedidos de informação administrativa, há gabinetes governamentais peritos em ultrapassar este prazo, enviando respostas quando o tema já desapareceu da agenda pública. São exemplos recorrentes.

Há também quem defenda que as agendas dos titulares de cargos políticos devem ser públicas e, um passo à frente, algumas entidades já as publicam. Mas ainda é comum ver reuniões sem descrição de participantes, apenas com menção a uma "entidade externa", ou "reunião de trabalho", omitindo encontros com grupos de interesse, que, potencialmente, podem configurar conflitos.
Os contratos, adjudicações e ajustes diretos são outro labirinto. Muitas vezes as plataformas digitais têm falhas de atualização,
documentos incompletos, com a falta de anexos essenciais, e as decisões administrativas publicadas não têm fundamentação clara: o contrato está disponível, mas no papel falha informação importante.

E o rol continua: faltam estatísticas oficiais. Há ministérios e organismos públicos que recolhem dados essenciais para políticas públicas, mas que demoram meses a publicá-los, publicam apenas resumos ou divulgam números sem metodologia, impossibilitando a verificação. Isto acontece, por exemplo, com dados sobre desempenho dos serviços públicos (saúde, educação, justiça) que existem, mas raramente são divulgados em detalhe.

Em resumo, a recusa em prestar declarações é o silêncio que substitui a transparência. Não custa prever como tudo acaba e os relatórios "Government at a Glance", da OCDE, provam-no: enquanto em 2021 41% dos inquiridos portugueses afirmaram confiar no Governo, em 2023 este valor caiu para pouco mais de 31,53%. A confiança também diminuiu mais de dez pontos ao nível local, de 51% em 2021, para 37,61% em 2023. O parlamento nacional é ainda menos confiável do que o governo, apenas 30,8% dos inquiridos confiam na Assembleia da República. Em 2025, como mostra o relatório, que é produzido de dois em dois anos, as coisas não melhoraram. Informar (bem) e estar (bem) informado, afinal, compensa.

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