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Portugal continua a ter o indicador per capita de compras de livros mais baixo entre países europeus com desenvolvimento semelhante: 1,3 livros por habitante.

Os dados foram apresentados na terceira edição do BOOK 2.0 - O Futuro da Leitura, na Fundação Champalimaud, Johan Pehrson, ex-Ministro da Educação da Suécia, explicou como no seu país, com a mesma população de Portugal, se vendem anualmente 69 milhões de livros, com 79% dos pais suecos a lerem histórias aos filhos até aos 5 anos de idade . Já em Portugal, o número de vendas é de 14 milhões de livros em 2024 e não há dados quanto às crianças que adormecem a ouvir histórias.

A leitura por prazer continua a ser secundária nos hábitos dos portugueses. Segundo dados da APEL (Associação Portuguesa de Editores e Livreiros), 60% da população lê por gosto todas as semanas, sendo que a maioria dos leitores são mulheres (64% contra 54% dos homens). A leitura continua longe de ser uma prioridade no tempo livre, ocupando dos últimos lugares nas atividades de lazer.

Margarida Gaspar de Matos, psicóloga e professora catedrática da Universidade Católica Portuguesa, confirma ao 24notícias que a leitura ocupa um lugar cada vez mais secundário entre os adolescentes portugueses, superada pelos ecrãs e pelo descanso.

De facto, os números são claros: quase metade (42%) dos adultos portugueses têm dificuldade em compreender textos mais longos, conseguindo interpretar apenas mensagens curtas. No Inquérito às Competências dos Adultos, em Portugal, os adultos entre os 15 e os 65 obtiveram um resultado abaixo da média da OCDE. 235 pontos em literacia (260), 238 em numeracia (265) e 233 em resolução adaptativa de problemas (250). A escala vai de zero a 500 pontos e os resultados nacionais não vão além do nível 2 em 5 níveis de proficiência.

Ecrã, distração e cansaço: o que afasta os jovens da leitura 

O formato digital tem ganhado cada vez mais expressão com um aumento de 8% em 2022 para 17% em 2024, segundo o  estudo da APEL.

Paradoxalmente, a digitalização também trouxe algo positivo, segundo Margarida Gaspar de Matos: um ligeiro aumento da leitura entre jovens que antes não liam nada, graças à acessibilidade proporcionada pelos dispositivos eletrónicos. Ainda assim, o livro físico mantém o seu encanto. Curiosamente, a psicóloga lembra um evento da LeYa com Daniel Sampaio, onde ofereceram aos jovens a possibilidade de escolher entre um livro formato digital ou papel, todos optaram pelo livro físico, o que destaca a experiência tátil e a mobilidade.

O papel da família e a liberdade de escolha

Para Margarida Gaspar de Matos, o gosto pela leitura nasce muito antes da escola. Ter livros em casa, permitir que as crianças explorem, toquem, "leiam à sua maneira" e associem os livros a momentos positivos é crucial.

É precisamente essa liberdade de escolha que muitas vezes desaparece com as leituras obrigatórias, que transformam a leitura num esforço, não num prazer.

Do ponto de vista neuropsicológico, a leitura regular tem um impacto profundo. A psicóloga e neuropsicóloga Luisa Leal sublinha ao 24notícias que o ato de ler ativa várias áreas cerebrais: da linguagem (áreas de Broca e Wernicke, duas regiões fundamentais do cérebro humano relacionadas com a linguagem) ao reconhecimento visual das palavras (associado a outra região do cérebro chamada giro fusiforme), passando pelo hipocampo e pela amígdala, que associam leitura a memória e emoção. Além disso é uma atividade que pode retardar o declínio cognitivo associado à idade e prevenir doenças neurodegenerativas, como a doença de Alzheimer.

Mas o formato importa. Ler em papel facilita a memória episódica e promove maior envolvimento emocional, enquanto a leitura em ecrãs tende a ser acompanhada de distrações, maior fadiga visual e menor foco. "Quando a leitura é associada à obrigação, aumenta-se o stress e desativa-se o sistema de recompensa do cérebro", explica Luisa Leal, o que torna a experiência menos gratificante.

As redes sociais acrescentam outro desafio: habituam o cérebro a estímulos rápidos e fragmentados, condicionando a capacidade de concentração necessária para uma leitura profunda. Daí o conceito de cérebro "biliterate", capaz de ler tanto de forma rápida e superficial ( como acontece online) como lenta e atenta (em papel). O problema surge quando o "skimming", a leitura em diagonal típica do digital, se sobrepõe à leitura profunda, essencial para a compreensão duradoura. Entre os jovens, estas tendências confirmam-se.

Ao 24notícias, Mariana Folque, 24 anos, recorda que lia quase diariamente até ao secundário, muito por influência do Plano Nacional de Leitura. "Agora, com o trabalho e o cansaço, leio menos. As redes sociais também ocupam grande parte do meu tempo livre", admite. Antes de se deitar, a leitura era rotina, hoje, o hábito foi substituído pelo scrolll em vídeos curtos. Ainda assim, mantém o gosto por livros, mesmo que o tempo lhe falte.

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Entre os convidados do evento Book 2.0 esteve também o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, que defendeu o livro como "fator da democracia" e deixou a mensagem final que ler “enriquece a capacidade de compreender e aceitar os outros” e que "não ler é renunciar ao futuro". O Presidente sublinhou ainda que “preservar a essência do Plano Nacional de Leitura é fundamental”.

Um hábito que se pode recuperar

De acordo com o relatório, muitos adultos com baixas competências sentem-se desligados dos processos políticos e não têm competências para lidar com informações digitais mais complexas, o que constitui uma preocupação crescente para a democracia.

As especialistas são claras: nunca é tarde para recuperar o gosto pela leitura. Bastam dez minutos por dia para reativar a ligação com os livros e treinar a concentração. Para reforçar esse hábito, defendem medidas como o acesso facilitado a livros, a redução do preço através de políticas fiscais e a criação de espaços de leitura acessíveis e atrativos. Ler não é apenas descodificar palavras, é exercitar o cérebro e fomentar o pensamento crítico.

*Texto editado por Ana Maria Pimentel

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