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Criadas a partir de uma única tábua de madeira moldada a vapor, dobrada em três lados e fechada com cavilhas, as caixas bentwood serviam funções práticas e cerimoniais. Muitas foram retiradas das comunidades costeiras e vendidas a museus e coleccionadores privados.
White, conselheiro eleito e chefe hereditário da nação Heiltsuk, na Ilha Campbell, ficou responsável por transportar a caixa de volta à aldeia de Bella Bella. “Senti-me como realeza,” disse, em entrevista ao The Guardian. “E enquanto estava sentado no avião, caiu-me a ficha: não estava apenas a transportar um objecto. Estava a trazer de volta um pertencente do nosso povo.”
Chegada a casa, a caixa foi recebida com cânticos, danças e cerimónias, data que coincidiu com a ratificação da nova constituição da nação Heiltsuk, em maio.
O seu regresso simboliza os obstáculos enfrentados pelas comunidades indígenas na recuperação de bens culturais levados por missionários e agentes do Estado, sobretudo após a proibição do potlatch — cerimónia tradicional de partilha — no final do século XIX.
Onde esteve a caixa durante 150 anos?
Durante gerações, estas caixas serviram fins cerimoniais e práticos, sendo resistentes à água e ideais para armazenar alimentos ou bens preciosos em viagens de canoa ao longo da costa do Pacífico.
Antes de se transformarem em caixas, essas tábuas eram retiradas cuidadosamente de árvores vivas — uma prática ancestral chamada descasque, que deixa cicatrizes visíveis mesmo passados séculos. A árvore mais antiga com marca cultural conhecida na Colúmbia Britânica remonta ao ano de 1186.
“Os nossos antepassados tiravam apenas o que era necessário e agradeciam à árvore,” contou White.
A caixa que agora regressava a casa era uma entre muitas que, ao longo de décadas, foram parar a lugares onde essas árvores nem sequer existem. No final do século XIX, agentes federais e missionários cristãos assaltaram comunidades indígenas sob o pretexto da ‘preservação’.
Vários desses objectos foram vendidos sob coacção: totems funerários, máscaras e caixas bentwood acabaram espalhados por museus e colecções privadas no mundo inteiro. Por vezes, reaparecem em leilões.
Foi assim, que, em 2020, a caixa foi comprada num leilão em Vancouver por Janet e Dave Deisley, um casal de Utah, nos Estados Unidos da América. Contudo, não tardou a que o devolvessem, por sentirem que “nunca pertenceu à sua casa”. “Era lindíssima, mas ficava ali, isolada, numa sala formal no meio do deserto. Sentia-me mal por ela", disse Janet.
O processo envolveu contactos com representantes indígenas e mais de um ano de logística até ser entregue à comunidade.
Desde 2022, os Heiltsuk repatriaram quatro itens, incluindo um assento cerimonial criado pelo artista Richard Carpenter. A nação mantém uma base de dados com mais de mil peças identificadas em instituições e colecções privadas.
White afirma que o gesto dos Deisley inspirou outras ofertas de devolução. No entanto, muitas peças continuam em mãos alheias. “Há uma sensação de perda ao saber que objetos criados para os nossos chefes estão hoje nas casas de estranhos,” disse.
Um relatório recente estima em 663 milhões de dólares canadianos o custo do repatriamento para todas as 204 nações indígenas da província ao longo de cinco anos.
De volta a casa
A caixa devolvida encontra-se agora na sala dos chefes da comunidade. “Nunca foi um objecto de museu. Foi feita para estar viva, em uso, entre o nosso povo,” concluiu White.
Com mais de mil artefactos ainda dispersos por dezenas de instituições e colecções privadas, os Heiltsuk continuam a trabalhar na sua base de dados digital para identificar e reivindicar os seus bens culturais. Mas, como diz White, “não temos pressa. Não temos ainda um museu. E quando tivermos, tem de ser nosso — não para turistas, mas para os Heiltsuk.”
Após cerimónias com dança, canto e partilha de alimento, artistas locais puderam estudar de perto a caixa, comparando os estilos artísticos das diferentes nações costeiras. “Depois de tanto tempo, voltou a casa. Em todos os sentidos,” concluiu.
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