O local escolhido foi a base aérea Elmendorf-Richardson, perto de Anchorage, talvez por ficar mais ou menos a meio caminho entre Washington e Moscovo. Os comentadores – muitos, de todos os países – vislumbraram vários gestos simbólicos no encontro, mas não viram nenhuma conclusão concreta. Digamos que os dois presidentes concordaram em continuar as conversações, ponto final.
O Donald tinha dito que esperava um acordo de cessar-fogo imediato, em preparação para conversações posteriores de como acabar a guerra. Mas, depois do encontro, disse aos muitos jornalistas presentes: “Não conseguimos chegar lá, mas fizemos alguns progressos”. E arrematou com a frase que é o título deste artigo, mas tem outra sonoridade em inglês: “There is no deal until there is a deal”.
Uma vez que nada de substancial aconteceu, os jornalistas e comentadores ficaram-se pelos faits divers: Trump deixou Putin falar primeiro, quando o protocolo seria o contrário, o anfitrião fala antes do visitante. Aliás o Donald foi extremamente simpático com o Vladimir, sempre a sorrir e a dar bocas sobre o facto de se voltarem a ver.
O último encontro aconteceu em Helsínquia em 2018, foi etiquetado como uma cimeira, e ficou para a História por o presidente norte-americano ter dito que “os nossos serviços de informação dizem que a Rússia interferiu nas eleições de 2016, mas aqui o Vladimir está a dizer-me que não, e eu acredito nele.”
Faço uma pequena ideia da raiva e frustração dos serviços de informação norte-americanos ao ver o seu Presidente valorizar mais a versão do inimigo. E lembro-me da cara de Putin, assim como um miúdo que escapou de uma mentira, enquanto Trump dizia esta enormidade; devia estar a pensar “que sorte que eu tenho de ter um idiota assim como rival”.
Aliás, naquela cimeira, na primeira presidência do norte-americano, também ficou marcada pelo facto de se terem encontrado sozinhos, sem os ministros e assessores que normalmente estão presentes. Desta vez, no Alasca, estiveram, do lado norte-americano, o Secretário de Estado (Ministro dos Negócios Estrangeiros) Marco Rubio e o enviado especial Steve Witkoff, e do lado russo o Ministro dos Negócios Estrangeiros, Sergei Lavrov e o assessor Yuri Ushakov.
Trump foi extremamente cordial, quase que se pode dizer subserviente perante Putin – que está sob sanções norte-americanas e tem um mandato de prisão internacional por crimes de guerra. Putin, sempre sorridente, mas sóbrio, deixou que o Donald o levasse no seu carrão pessoal, “the Beast” e lhe mostrasse uma impressionante linha de uns vinte ou trinta aviões furtivos estacionados na pista – os mesmos que bombardearem o Irão em Junho. De cor indefinida e a carlinga num tom avermelhado, têm um ar realmente temível e Trump não deixou de mencionar a última operação, num tom mais convivial do que ameaçador.
Todos estes sinais foram esmiuçados pelos comentadores, à falta de especificidades sobre o que se discutiu.
E o que se discutiu? A Ucrânia, evidentemente, segundo uma tradição maldita dos países mais pequenos cujo estatuto é discutido pelos grandes. Aconteceu quando o Reino Unido e o Reich alemão deram um destino à Checoslováquia, ou quando o Pacto Ribentrop/Molotov dividiu a Polónia, e noutras ocasiões de que não me estou a lembrar agora.
Os ucranianos não estiveram presentes, assim como representantes da União Europeia, afinal de contas os mais interessados em saber das decisões das duas superpotências. (Se bem que hoje a Federação Russa só possa ser considerada superpotência pelo número de aparatos nucleares e reservas petrolíferas. Em todos os outros indicadores, incluindo deixar massacrar os seus soldados, é apenas uma potência maléfica.)
Claro que Trump disse que ia logo a seguir falar com Zelensky e Ursula van der Leyen, para lhes comunicar os (não) resultados do encontro. Disse também que no próximo, Zelensky deve estar presente – para ser humilhado pelos dois, penso eu.
Porque, de facto, e vendo as coisas friamente, não há nada a negociar, para lá dum cessar fogo e troca de prisioneiros; a Federação Russa jamais abandonará o território que conquistou na Ucrânia, e a Ucrânia nunca desistirá de o reconquistar, mesmo a troco de alguns rebuçados, como a entrada na UE. Os russos afirmam que a Ucrânia é um país que nunca existiu e os ucranianos dizem que está escrito na sua constituição que não podem alienar território.
Portanto parece que o mais importante deste encontro foi a reentrada de Putin na cena internacional, ao fim de anos de isolamento. Se não me engano, a última vez que esteve com um líder “ocidental”, foi com Macron, em 2022, que ficou para a História pela distância entre eles, sentados nos extremos de uma mesa enorme – nessa altura o Covid-19 ainda estava activo e Putin é conhecido como extremamente germofóbico.
Trump ainda não perdeu a esperança de ganhar o Prémio Nobel da Paz, uma proposta que foi apresentada por outro animal da mesma espécie, Netanyahu.
É assim o espírito humano; quando se obtém o que se ambicionava, já ambicionamos outra coisa. O Donald já conseguiu ser Rei do seu país, “o melhor de sempre”, segundo o próprio, portanto agora quer o Prémio Nobel, uma vez que Papa é improvável; Leão XIV tem 69 anos e durará mais que Trump, com 79 e uma vida desregrada...
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