Saí às 18h e ouvi: “Tão cedo?” Como se sair a horas fosse sinal de fraqueza. Em vez de orgulho por termos vida além do trabalho, somos envergonhados por termos equilíbrio. Como se o facto de estarmos de pé, funcionais, presentes e lúcidos fosse menos valorizado do que chegar ao limite e desmaiar com o computador aberto.

Esta mentalidade não é só cansativa — é perigosa.

A cultura de trabalho em Portugal continua a alimentar a ideia de que só é produtivo quem vive exausto. Que ficar até tarde no escritório é sinónimo de mérito, e que trabalhar até o corpo ceder é algo a admirar. Mas isso não passa de uma falácia — e das mais cruéis.

A ciência já nos provou que o ser humano não consegue manter atenção plena durante horas a fio. Tal como nas aulas, onde o foco raramente ultrapassa os 30 minutos, o mesmo se aplica ao trabalho. A produtividade não está no tempo gasto, mas na forma como esse tempo é usado. No entanto, continuamos a valorizar a presença constante, mesmo quando já não há rendimento real. E assim criamos ambientes onde o esforço visível vale mais do que o trabalho bem feito.

O mais perverso desta lógica é o que ela faz com quem tenta fugir dela. Quem prioriza o descanso sente-se culpado. Como se não merecesse respeito, oportunidades ou sucesso por não estar sempre cansado. Como se desligar fosse um erro, e não um ato de inteligência. Esta culpa transforma-se num ciclo vicioso: trabalhamos mais para provar que somos bons o suficiente, ficamos exaustos, depois culpamo-nos por estarmos cansados, e depois… voltamos ao mesmo. Até cair.Esta cultura não atinge apenas uma área — está espalhada por toda a sociedade. São advogados, médicos, professores, jornalistas, funcionários públicos, jovens em início de carreira — todos a viver debaixo do mesmo peso. Todos a competir para ver quem cai primeiro — como se o colapso fosse uma forma silenciosa de vencer. Como se cada hora extra fosse um troféu, e não um sinal de alerta.

E os números não mentem. O burnout já deixou de ser uma exceção. É sintoma de um sistema normalizado de excesso. De acordo com um relatório da Eurofound , apenas nove países europeus conseguiram apresentar dados representativos sobre burnout nos últimos dez anos - e Portugal está entre eles. Isso demonstra que, por cá, o esgotamento profissional já não é exceção: é um fenómeno reconhecido, documentado e, acima de tudo, crescente. O corpo reage. A mente reage. E o país continua a aplaudir quem abdica da própria vida.

O sucesso não pode continuar a ser medido em noites mal dormidas, cafés em jejum e ausências em jantares de família. Temos de reeducar o que chamamos de esforço. Temos de aprender a valorizar a eficiência, e não a permanência. A produtividade está no foco, não no tempo que fingimos estar disponíveis.

Sair cedo não é preguiça. É sanidade. Priorizar o descanso não é egoísmo. É autoconsciência. E reconhecer os próprios limites não é desistir. É ter coragem de escolher viver.

Talvez estejamos todos demasiado cansados para admitir. Mas o que precisa de mudar não são apenas os horários — é a mentalidade que nos diz que só quem se anula merece ser levado a sério.

Porque, no fim, o problema nunca foi quem sai cedo. O verdadeiro problema é estarmos todos convencidos de que ficar até cair é que é normal.