
Se os nomes não nos dizem nada ao ler o cartaz do espetáculo, talvez cheguemos lá se nos lembrarmos do clássico filme 'Anastasia', de 1997, ou 'Frozen', da Disney, onde as vozes de Liz Callaway e Santino Fontana estão entre as personagens principais dando vida a clássicos do cinema e da Broadway, como "Once Upon a December" ou "Love Is an Open Door".
Para o espetáculo que já acontece há três anos e que em 2024 consagrou Keala Settle como a 'babysitter' do teatro musical em Portugal, a receita é simples e tudo começa numa sala de ensaios onde, durante alguns dias, um grupo de atores com particular talento para teatro musical se junta a grandes nomes da Broadway.
Este ano, Seth Rudetsky, pianista, maestro e apresentador, que também é conhecido por fazer este tipo de espetáculo lá fora, convidou todos estes atores para atuar em três noites no Torel e trouxe com ele o companheiro de vida, o produtor James Wesley Jackson, para o ajudar a fazer um streaming do evento, de Lisboa para o mundo.
O 24notícias (anteriormente SAPO24) teve a oportunidade de assistir ao ensaio e olhar por trás da cortina do que se passa em palco. Dança, guarda-chuvas e música, tudo aconteceu ali naquela pequena sala de espetáculos, onde esta quarta-feira, num julho escaldante, artistas que ambicionaram Tony Awards se juntaram a um grupo de jovens portugueses.
Entre os musicais e filmes que constam da performance deste ano, que procura juntar Broadway e cinema, estão Mary Poppins, Wicked e Les Misérables, entre muitos outros.
Quem organiza o "Broadway no Parque" é a MTL - Music Theater Lisbon, uma organização fundada por Martim Galamba, e o casal de atores de teatro musical Sissi Martins e Ruben Madureira, com o objetivo de criar uma espécie de indústria de teatro musical em Portugal, promovendo formações para artistas e espetáculos como este ou o musical 'Rent', que esteve em março deste ano no Teatro Variedades, sempre com sala cheia.
Em entrevista ao 24notícias, Sissi Martins, provavelmente um dos nomes mais proeminentes do teatro musical no nosso país, admite que existe cada vez mais teatro musical em Portugal: "Não só porque o público começa a gostar, mas principalmente porque há 20 anos ainda não tínhamos elencos preparados para proporcionar ao público uma qualidade de espetáculo que se vê lá fora. Há 20 anos era difícil encontrarmos um elenco de 30 ou 40 pessoas, muito menos para três ou quatro produções no nosso país, porque estamos a focar-nos só em Lisboa, mas no resto do país também há muitas produções, e não havia muita gente para o fazer".
"Neste momento temos uma geração que de há 10 anos para cá se tem formado, se tem preparado para fazer teatro musical. Portanto, eu acho que não é só uma vontade das produtoras e do público, mas é um conjunto de acontecimentos que têm refletido esse aumento", sublinha.
É deste espírito de crescimento que nasce a MTL, que Sissi ajudou a criar, para ajudar uma geração de jovens a não ir para fora formar-se, mas neste momento são mais do que isso. "Isto está a crescer para eventos, para musicais, para produções, que é uma vontade também para dar trabalho a essas gerações que estão agora formadas".
Sobre os artistas internacionais nos espetáculos, Sissi pensa que não é isso que faz as pessoas irem ver os espetáculos. "É o bom talento, aliado, claro, a nomes internacionais (...). As pessoas vêm pela curiosidade de conhecer os artistas internacionais, muitas vezes, e depois ficam derretidos com o nosso talento português também".
Já no futuro que projeta para esta organização, diz que quer duas a três produções por ano feitas pela MTL. "É um objetivo louco, mas temos essa vontade".
Neste espetáculo em que se junta ao pianista Seth Rudetsky para organizar, diz que juntar cinema e Broadway nasce de uma brincadeira para "proporcionar ao público temas que eles conhecem, mas também mostrar que o teatro musical está muito enraizado lá fora, e na nossa cultura também, sem o saberem".
Sissi Martins é também um nome eternamente ligado ao pai do teatro musical em Portugal, Filipe La Féria, mas confessa que depois de uma pausa de 10 anos naquelas produções, e um regresso para o musical 'Laura' no ano passado, quer manter mais o foco na MTL, onde se querem lançar no universo da produção em Portugal. Este ano ainda a vamos ver no musical "Alice no País das Maravilhas" no Teatro da Trindade, em setembro, e depois disso a MTL já prepara "título bombástico para 2026".
"Quando entrámos no ensaio, era como se estivéssemos num ensaio da Broadway"
O encontro com os artistas da Broadway foi bem diferente. Depois de uma viagem da sala de ensaios para o hotel no meio do trânsito caótico e do calor de Lisboa, Liz Callaway, Seth Rudetsky e James Wesley Jackson sentaram-se com o 24notícias para uma conversa.
Os dois últimos tinham chegado naquele dia a Lisboa e vinham ainda com as malas atrás, o mesmo para Santino Fontana que não conseguiu participar na entrevista devido ao jet lag. Receberam-nos no hotel The Late Birds Lisbon e, depois de propormos tirar fotografias, não hesitaram em começar a atacar logo o piano da entrada e mostrar-nos um bocadinho do que são capazes. Depois disso, foi a cortina do lobby do hotel o palco da brincadeira e estava dado o mote para a conversa.
"Quando entrámos no ensaio, era como se estivéssemos num ensaio da Broadway. Isto porque eles são tão bons que nunca se perceberia que o inglês não é a sua língua materna", começa por dizer o produtor James Wesley Jackson.
"Eles ensaiaram três dias, eu não conseguia fazer isso", acrescenta a artista nomeada aos Tony Awards Liz Callaway, voz de Grizabella em Cats e a primeira Ellen em Miss Saigon, na Broadway.
Já o pianista que compôs números de abertura dos Tony, foi indicado para os Emmy três vezes como argumentista e, em conjunto com o marido produtor, criou durante a pandemia, em 2020, uma websérie diária transmitida ao vivo para ajudar atores em dificuldades, e diz que veio a Lisboa sem saber o que esperar. "É como fazer um espetáculo profissional em Nova Iorque".
Sobre a introdução do cinema no espetáculo, o produtor James explica que a escolha foi a pensar na ligação que as pessoas poderiam ter com histórias como 'Frozen' ou 'Anastasia', filmes que se transformaram em musicais e que fazem parte da memória de muitos adultos. "Tenho a certeza que as pessoas em Portugal os conhecem".
"Noto que quando vou fazer espetáculos ao estrangeiro e faço atuações pelo mundo fora e canto o 'Once Upon a December', como fiz no filme, as pessoas dizem-me que estão a ouvir a banda sonora da infância e agora vamos cantar isto num jardim. É a minha primeira vez num jardim e isso é mágico", acrescenta Liz Callaway. "Queremos ajudar a trazer o teatro musical para Portugal e com esta familiaridade é possível", diz também.
E como começar uma indústria de teatro musical em Portugal? Seth Rudetsky usa as palavras do produtor premiado de "Hello, Dolly!", David Merrick: "Um público não sabe o que não viu, mas sabem quando viram", isto para explicar que o público, quando exposto a grandes atores da Broadway e artistas vencedores de prémios Tony, como é o caso de Santino Fontana, vão perceber o que é e querer mais e mais. "É uma experiência a um baixo preço", acrescenta.
No futuro todos querem voltar a Lisboa para fazer qualquer coisa. "As pessoas estão tão invejosas de eu ir cantar a Lisboa", diz Liz, ansiosa por voltar, mesmo antes de ter cantado a primeira vez.
Seth e James gostavam de fazer o musical Hairspray aqui. "Quem sabe... Seria espetacular". O sonho por agora é na próxima paragem por Lisboa, em outubro, fazerem uma paragem em escolas com algo direcionado a alunos e teatro musical. "Nos EUA, os teatros fazem atuações em escolas, e pode dizer-se às crianças portuguesas que é possível ser músico e ator", sublinha Seth Rudetsky.
E como o "Show Must Go On", ficou no ar a promessa desta não ser a última vez que estes artistas vão marcar presença em Portugal.
Quanto ao "Broadway no Parque", vai estar até dia 12 de julho, sempre às 21hoo, no Jardim do Torel, em Lisboa, e ainda há alguns bilhetes disponíveis, que podem ser adquiridos aqui. 30 euros é o preço que custa ver algumas das maiores estrelas da Broadway em Lisboa.
Já domingo, dia 13, no Fórum Lisboa, o palco ilumina-se para receber Patti LuPone, a grande estrela do teatro musical, vencedora de múltiplos prémios Tony, Grammy e Olivier, que se imortalizou em papéis icónicos como Eva Perón, em Evita, Fantine, em Les Misérables, ou Rose, em Gypsy. Neste evento, que também é organizado pela MTL, os bilhetes custam 10 euros e ainda podem ser comprados aqui.
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