
Milhões de crianças em todo o mundo estão hoje mais vulneráveis a doenças potencialmente fatais, na sequência de uma estagnação — ou mesmo recuo — nas taxas de vacinação infantil, segundo o maior estudo global já realizado sobre o tema, publicado na The Lancet, citado pelo The Guardian.
Apesar de meio século de avanços, que salvaram a vida de cerca de 154 milhões de crianças desde 1974, os investigadores alertam que os progressos abrandaram desde 2010 — e agravaram-se com a pandemia de Covid-19. As vacinas contra o sarampo, a poliomielite, a difteria e outras doenças preveníveis enfrentam agora novos desafios, como a desinformação crescente e a hesitação vacinal.
O estudo, liderado pela Universidade de Washington (Seattle), analisou dados de mais de 1.000 fontes em 204 países e territórios entre 1980 e 2023. Conclui que as taxas de vacinação contra o sarampo caíram em 100 países, enquanto 21 dos 36 países mais ricos, como França, Itália, Japão, Reino Unido e EUA, registaram descidas na cobertura de pelo menos uma vacina essencial.
“Apesar dos enormes esforços das últimas décadas, o progresso tem sido desigual”, afirmou o Dr. Jonathan Mosser, autor sénior do estudo. “Milhões de crianças continuam sem acesso às vacinas.”
As vacinas de rotina continuam a ser uma das intervenções mais eficazes e económicas da saúde pública. No entanto, segundo os autores, as desigualdades persistentes, a desinformação crescente e os impactos prolongados da pandemia estão a comprometer décadas de avanços.
Alerta para metas falhadas até 2030
O estudo alerta que, se nada for feito, o mundo falhará as metas globais de imunização definidas para 2030. Países como o Afeganistão, Paquistão e Papua-Nova Guiné estão a assistir ao regresso da poliomielite, enquanto a Europa registou, em 2024, um aumento de quase dez vezes nos casos de sarampo. Nos EUA, só em maio de 2025, mais de 1.000 casos foram confirmados em 30 estados, superando o total de todo o ano anterior.
Mesmo antes da pandemia, o progresso já estava a desacelerar. O número de crianças “sem qualquer dose” caiu de 58,8 milhões em 1980 para 14,7 milhões em 2019 — uma queda de 75%. Mas, desde 2010, muitos destes ganhos foram anulados, especialmente nos países de rendimentos altos.
Exemplos concretos incluem:
- Argentina: queda de 12% na primeira dose da vacina contra o sarampo;
- Finlândia e Áustria: quebras de 8% e 6%, respetivamente, na terceira dose da vacina contra a difteria, tétano e tosse convulsa (DTP).
O papel da desinformação
A hesitação vacinal e a desinformação emergem como os principais entraves atuais. A autora principal, Dra. Emily Haeuser, apelou a um esforço global mais coordenado: “Campanhas de vacinação bem-sucedidas assentam numa compreensão profunda das crenças, receios e expectativas das populações.”
Para Helen Bedford, professora de saúde infantil no University College London, que não participou no estudo, os motivos para a queda são “numerosos e complexos”, incluindo desigualdades sociais crescentes, desconfiança nos sistemas de saúde e falsas narrativas sobre a segurança e eficácia das vacinas.
“A vacinação continua a ser uma das ferramentas mais poderosas para proteger a saúde das crianças. Mas o seu sucesso depende de investimento contínuo, equidade no acesso e confiança pública.”
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