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Mónica Silva, de 33 anos, estava grávida de sete meses quando foi vista pela última vez a 3 de outubro de 2023 na Murtosa. Saiu de casa com as ecografias da gravidez, ligou pouco depois ao filho a dizer que estava a regressar a casa, mas isso nunca chegou a acontecer.

Fernando Valente, 39 anos, com quem terá tido um relacionamento amoroso e que alegadamente será o pai do bebé, foi acusado dos crimes de homicídio qualificado, aborto, profanação de cadáver, acesso ilegítimo e aquisição de moeda falsa para ser posta em circulação. Mas, esta semana, foi absolvido — o tribunal de Aveiro considerou que não havia provas suficientes para justificar um encontro entre o suspeito e Mónica Silva.

O Ministério Público (MP) acusa o arguido de ter matado a vítima e o feto que esta gerava, no dia do desaparecimento da mulher, à noite, no seu apartamento na Torreira, para evitar que lhe viesse a ser imputada a paternidade e beneficiassem do seu património.

A acusação refere ainda que durante a madrugada do dia 4 de outubro e nos dias seguintes o arguido ter-se-á desfeito do corpo da vítima, levando-o para parte incerta, escondendo-o e impedido que fosse encontrado até hoje.

Durante o julgamento, o arguido negou as acusações, voltando a reafirmar a sua inocência na última sessão, após as alegações finais. "Não sei o que se passou com a Mónica. Não sei absolutamente nada. Não lhe fiz absolutamente nada", garantiu.

O MP e o advogado dos filhos da vítima e do viúvo pediram a condenação do arguido à pena máxima de 25 anos de prisão — mas para já não é isso que se verifica.

"Um tribunal só pode condenar uma pessoa quando existe uma certeza absoluta dos factos. Não há corpo. Havendo corpo, a morte está aprovada", começa por explicar ao 24notícias o advogado Paulo Graça, da Garcia Pereira e Associados.

Contudo, "a circunstância de não haver corpo não inibe o tribunal de ainda assim dar a morte como comprovada", se houver "algum elemento de prova que indiscutivelmente permita concluir que a morte ocorreu".

"Por exemplo, sabe-se que determinada pessoa esteve em determinado local e recolheram-se vestígios de sangue daquela pessoa de uma quantidade tal que, de acordo com as regras da ciência, seria impossível estar vivo tendo perdido aquela quantidade de sangue. Não há corpo. Mas, com este elemento de prova, consigo sustentar com segurança que houve morte daquela pessoa", nota.

"Aparentemente, neste processo, para além de não haver corpo, não houve nenhum elemento de prova que pudesse estabelecer esta relação. Portanto, a partir do momento em que não há a certeza da morte da pessoa, todos os outros crimes que estavam agarrados a este, caem. Ora, se não sabe se a pessoa está morta, mas sabe-se que a pessoa estava grávida, eu não posso provar que houve um aborto", acrescenta o advogado.

Além disso, também não se pode provar "a profanação de cadáver porque se supunha a prova da morte. E, portanto, tudo esteve na circunstância de não haver nenhuma prova que levasse indiscutivelmente alguém a concluir pela morte".

E dá um exemplo de natureza diferente para explicar casos semelhantes em que não há corpo. "Imaginemos que estamos ali no Cabo Espichel e vemos uma pessoa que se está a afogar a 40 metros da costa. Estamos ali duas ou três horas e vemos a pessoa a ir abaixo, é impossível que aquela pessoa tenha sobrevivido, se não tinha meios de salvação. O corpo nunca aparece — mas, dadas estas circunstâncias, é óbvio que aquela pessoa morreu, não a vimos voltar da água, há uma prova da morte. Ora, neste caso da grávida não foi isto que se passou".

"Portanto, se o tribunal assim o entendeu, tinha de absolver este senhor. Aqui quem se esticou foi o Ministério Público, já que sabia que não tinha no processo nenhuma prova, ainda que fosse indireta, da morte", atira Paulo Graça.

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"A prova indireta seria, por exemplo, uma perícia que determinasse a perda de sangue, que foi o que aconteceu no caso daquela menina, a Joana, que foi comida pelos porcos. A prova da morte obteve-se por aí. Se o Ministério Público sabia que não tinha este tipo de provas, não devia ter acusado", frisa o advogado, que admite que o MP pode ter sido "pressionado pela cobertura mediática do caso" para "forçar uma condenação".

Assim, para o advogado, tudo está dependente da investigação que ainda se possa fazer. "A partir do momento em que se suspeita de um homicídio, mas não há cadáver, eu diria que o trabalho investigatório tem de ser um trabalho muito mais exaustivo. Eu tenho de conseguir demonstrar que, embora não exista cadáver, há um conjunto de circunstâncias que levam necessariamente a entender que uma pessoa, naquelas condições, só pode ter morrido".

Só as provas feitas em julgamento contam — e ainda pode haver condenação

Neste caso, alguns dos testemunhos apresentados à Polícia Judiciária e ao Ministério Público acabaram por ter contados de forma diferente em tribunal, o que fez com que as afirmações não tivessem peso em julgamento, nomeadamente no que diz respeito a alegadas limpezas do prédio em que a acusação considera ter ocorrido o homicídio de Mónica Silva.

Paulo Graça ajuda a perceber o motivo para tal acontecer. "Só vale a prova que é feita em julgamento, não a prova que é feita antes, que só pode valer em julgamento em determinadas circunstâncias. E porquê? Porque a prova que é feita para o Ministério Público sustentar a acusação é uma prova que pode ser obtida de diversas formas e, enfim, às vezes os órgãos de polícia criminal são demasiado incisivos. Estão muito convencidos de determinada coisa e às vezes pressionam demasiadamente as pessoas. E a pessoa ali debaixo da pressão até diz coisas, até diz aquilo que acha que querem ouvir para deixá-la em paz e depois quando chega ao julgamento altera o depoimento".

De recordar que o Ministério Público está a investigar acusações contra inspetores da Polícia Judiciária por alegada tortura a uma testemunha do julgamento, Octávio Oliveira, que terá sido obrigado a "dizer que realizou uma limpeza que nunca aconteceu" no prédio do suspeito do homicídio.

"Portanto, a regra é que a prova faz-se em julgamento. O legislador supõe que a pessoa em princípio disse a verdade no inquérito e vai dizê-la no julgamento, mas no mundo em que nós vivemos as coisas não se passam assim. E, portanto, se as pessoas alteraram o depoimento", remata.

Por outro lado, reconhece que a sequência apresentada e os pormenores do caso podem levar a que se considere "quase de certeza" que Fernando Valente tem responsabilidade no caso. "As pessoas pensam logo: se ele apagou as coisas [do telemóvel], se limpou a casa, se o telemóvel [da grávida] dava lá... isto é porque ele a matou, não? Mas a verdade é que não podemos extrair essa consequência assim".

"Eu consigo saber que aquela pessoa esteve naquele dia, naquela hora, naquele sítio — a pessoa que supostamente morreu — e que houve uma limpeza. É evidente que isto é altamente suspeito. Mas eu daí consigo determinar que quem faz uma limpeza é porque matou uma pessoa? Aí é que está o ponto", realça o advogado.

Nesse sentido, Paulo Graça tem "muitas dúvidas que o Tribunal da Relação altere esta decisão", embora tudo seja "uma questão de a prova ser reanalisada. O Ministério Público vai recorrer e, teoricamente, isto pode voltar a ser um caso".

Então, o que pode acontecer? "O tribunal pode dizer que entende que, afinal, aquilo que ocorreu na audiência do julgamento permite a prova do homicídio. Se o processo transitar em julgado, ele ainda pode ser condenado".