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O Natal é sinónimo de família, convívio e união, mas para muita gente é também uma época de stress, divisões e receios. A psicóloga Francisca Silva Ferreira, diretora clínica do Núcleo CASA, explica ao 24notícias que a época festiva funciona como um espelho que revela emoções antigas e padrões familiares que julgávamos superados. Entre as expectativas silenciosas, a vontade de agradar a todos e a pressão de criar momentos perfeitos, o que deveria ser uma época de alegria pode tornar-se fonte de ansiedade e cansaço.

"A criança interior que habita cada adulto quer ser aceite, teme desapontar e revive memórias de Natais passados: os cheiros, sabores, vozes e gestos que ficaram gravados no corpo", diz a psicóloga.

Idealizar que todos vão caber na mesma casa, na mesma mesa, e passar a noite juntos sem sobressaltos é outro desafio. “Tentar juntar muitas pessoas num espaço reduzido ou lidar com hábitos diferentes pode gerar mais tensão do que afeto”, explica a especialista, defendendo que reconhecer estas limitações físicas e emocionais é essencial para que a convivência seja sentida como abraço e não como obrigação.

Como (não) decidir onde passar o Natal?

Decidir onde passar o Natal é, muitas vezes, mais do que uma questão prática — é um verdadeiro ritual de passagem para o casal, onde se afirma como novo sistema familiar, autónomo e adulto.

"O erro mais frequente é permanecer na posição infantil, tentando agradar a todos: pais, tios, primos, em vez de atender às necessidades dos filhos e à coesão do casal", diz a psicóloga.

Outro deslize comum é reduzir a decisão a questões logísticas, ignorando o peso simbólico, emocional e sensorial das tradições familiares. Por exemplo, insistir em levar toda a família para a mesma casa sem espaço suficiente para dormir, cozinhar ou socializar pode transformar a celebração em fonte de caos e tensão.

A especialista alerta ainda para a dificuldade que alguns casais têm em comunicar de forma clara, discutindo repetidamente detalhes ou hesitando em afirmar-se como adultos na própria família que estão a construir. “Muitos sentem a pressão de agradar aos familiares de origem, em vez de priorizar os filhos, o que perpetua a ansiedade”, acrescenta.

Como comunicar limites sem gerar conflito?

Comunicar limites vai muito além de simplesmente dizer “não”. É, sobretudo, um gesto de coragem que protege o casal, os filhos e até o próprio bem-estar físico e emocional. Para Francisca Silva Ferreira, trata-se de “transformar uma tensão invisível em palavras claras, firmes e afetuosas”.

Nas famílias, a pressão nem sempre é explícita. Muitas vezes surge de forma subtil, através de silêncios prolongados ou pequenas mudanças de comportamento que podem gerar culpa, desconforto ou dúvida.

“Todos procuramos ser validados, reconhecidos e amados. Quando sentimos desaprovação, mesmo que implícita, isso funciona como uma forma de pressão emocional”, explica a psicóloga. Pequenas frases aparentemente inocentes, como “não te preocupes, ficamos bem aqui sozinhos”, podem carregar peso afetivo e ser interpretadas como rejeição ou abandono.

O primeiro passo, aconselha Francisca Silva Ferreira, é reconhecer a emoção do outro, mostrando compreensão pelo valor simbólico do pedido. Segue-se afirmar o limite de forma clara e serena, sem justificações excessivas ou assumir culpa, e por fim encerrar a comunicação com afeto, preservando o vínculo familiar.

Quando os limites são comunicados desta forma, tornam-se um ato de presença e cuidado.

“Ensina que se pode amar sem se perder, que a autonomia não destrói o vínculo e que respeitar o próprio corpo e mente é tão importante quanto cuidar do outro”, sublinha a especialista.

Como criar um plano de Natal equilibrado entre as famílias?

Para que o Natal seja harmonioso, a chave está na flexibilidade e na comunicação. Algumas famílias adaptam-se facilmente, encontrando soluções e alternativas para todos, outras valorizam mais a intimidade e o conforto, o que torna a negociação mais delicada.

Francisca Silva Ferreira explica que casais coesos conseguem criar “um ponto de integração, um espaço que represente a nossa família”, onde a decisão deixa de ser uma escolha binária — a minha família ou tua família — e passa a ser uma experiência de pertença comum.

"É essencial que os filhos vivenciem o património afetivo das famílias de origem, desde as rabanadas da avó à aletria de outra casa. Assim, guardam tesouros afetivos sem sacrificar a nova tradição do casal".

A especialista sublinha ainda que a família de origem tem de acolher os novos membros e aceitar que nem tudo será como antes.

“A nova família também precisa de espaço para crescer e ser reconhecida”, reforça Francisca Silva Ferreira, lembrando que o Natal é uma oportunidade de construir pontes entre gerações, e não de perpetuar velhas rivalidades.

Como lidar com a culpa de mudar tradições?

Mudar a forma como se celebra o Natal desperta, muitas vezes, sentimentos de culpa. Essa sensação surge das “lealdades invisíveis” e da impressão de que alterar tradições pode magoar ou afastar quem amamos, ativando memórias afetivas profundas que ficam guardadas no corpo e na mente, explica a psicóloga.

Trabalhar essa culpa implica reconhecer que criar novas formas de celebrar é, antes de mais, um ato de coragem e de amor. Assim, o Natal deixa de ser visto como um teste de lealdade e transforma-se numa celebração da vida que o casal construiu em conjunto.

Conflitos antigos. Vale a pena tentar juntar toda a gente?

A época festiva não é apenas uma data no calendário, é também um espaço emocional onde se cruzam histórias antigas e feridas ainda não cicatrizadas. Francisca Silva Ferreira explica que “tentar reunir toda a família num mesmo dia, especialmente quando existem conflitos profundos, pode transformar o que deveria ser afeto em tensão silenciosa, frustração e mágoa”.

Reduzir expectativas não significa resignação, mas sim autocuidado emocional e respeito pelo vínculo familiar. Amar não quer dizer obrigar a presença, mas criar um espaço seguro para que todos se sintam incluídos sem serem arrastados por mágoas antigas.

A especialista alerta que forçar encontros em contextos de conflito tende a amplificar rivalidades e frustrações, enquanto ajustar expectativas protege o casal e os filhos, permitindo celebrações mais suaves e equilibradas.

É uma boa solução alternar anos entre famílias?

Alternar os Natais entre famílias pode ser uma estratégia eficaz, trazendo previsibilidade, equidade e sentido de justiça. Ajuda a evitar discussões sobre prioridades e reduz a sensação de que alguém fica sempre em desvantagem. Para os filhos, a alternância mantém vínculos com avós, tios e primos, preservando tradições e criando memórias afetivas diversificadas. Ao mesmo tempo, protege o casal de sobrecarga emocional, permitindo celebrar com presença e consciência, sem ceder a pressões, expectativas excessivas ou culpas herdadas.

No entanto, esta estratégia pode também trazer desvantagens: "A alternância pode gerar frustração em anos em que não se está com determinada família. Às vezes, a ansiedade surge não apenas de palavras ou regras, mas de medos e perdas implícitas. Perguntas como 'o que é que eu vou perder?' ou pensamentos do tipo 'pode ser o último Natal' mostram como a família sente a ausência e teme perder momentos importantes", explica a especialista.

Estes sentimentos intensificam-se quando uma das partes enfrenta doença ou fragilidade, porque a percepção de que algo pode ser irreversível aumenta o medo e a urgência de aproveitar cada momento.

Para funcionar bem, a alternância exige planeamento, comunicação clara e, acima de tudo, flexibilidade. Sem estes elementos, a estratégia pode tornar-se fonte de tensão, alimentando sentimentos de injustiça, competição ou ansiedade, mesmo entre os filhos.

A chave para um Natal tranquilo? O amor

Para que a celebração seja tranquila, é fundamental criar espaço para que a família de origem acolha os novos membros sem controlar nem explorar fragilidades, permitindo que tradições sejam apreciadas como memórias afetivas, pontes que ligam passado e presente.

Quando se está do lado de quem amamos, cada momento deve ser vivido com atenção, ternura e presença plena. Mas, o que garante essa harmonia?

“O amor do casal que constrói e protege, o amor pelos filhos que nos fazem crescer, o amor pela família que nos fez nascer, e o amor de quem nos recebe e nos acolhe”, afirma a especialista.

No Natal, conclui Francisca Silva Ferreira, “só o amor nos salva, e salva sempre”.

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