
Os trabalhadores da Região Demarcada do Douro estão a mobilizar-se para denunciar as dificuldades que se agravam de ano para ano. Está marcada uma manifestação para quarta-feira, no Peso da Régua (Vila Real), com o objectivo de chamar a atenção do Governo para a situação.
A dirigente da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), Berta Santos, tem percorrido a região a distribuir panfletos e a apelar à participação. Esta segunda-feira passou pelas ruas e feira de Armamar (Viseu), onde alertou para a crescente dificuldade em manter a actividade agrícola.
“A situação é preocupante. Ou se faz algo pelos pequenos e médios produtores, ou grande parte da região ficará ao abandono em pouco tempo”, afirmou à agência Lusa.
Entre as principais reivindicações está a manutenção do benefício em 2025 — a quantidade de mosto que cada produtor pode destinar à produção de vinho do Porto. Este valor tem vindo a descer: foi de 104.000 pipas em 2023 e 90.000 em 2024. A redução, alertam os agricultores, ameaça a viabilidade económica da actividade.
“O benefício é o que permite a sobrevivência dos pequenos e médios viticultores. Não aceitamos cortes”, reforçou Berta Santos, exigindo ainda melhores preços para as uvas, tendo em conta os custos de produção crescentes.
Muitos temem uma terceira vindima consecutiva com dificuldades no escoamento da produção. Há empresas e cooperativas que já avisaram que só irão comprar uvas destinadas ao benefício.
“O que fazemos às restantes?”, questiona a dirigente.
“Trabalhar para prejuízo”
Celeste Marques, 80 anos, mantém uma vinha de dois hectares em Lamego, herdada dos pais, mas receia que este ano a produção seja menor devido às doenças que afectaram as videiras. Em 2023, colheu 12 pipas (cinco de benefício). Em 2024, foi avisada que só aceitarão as uvas destinadas ao benefício, devido ao excesso de ‘stocks’.
“Os produtos para a vinha são caríssimos. E não há mão-de-obra. Vão acabar todas ao abandono”, lamenta.
Manuel Figueiredo, 61 anos, de Armamar, considera a situação dos produtores “complicadíssima”.
“Se cortam mais no benefício, não sei como os agricultores vão sobreviver. As uvas já não chegam para pagar as despesas”, alertou, lembrando que o Douro não pode depender apenas do turismo.
Em 2024, colheu apenas quatro pipas de benefício, quando já chegou a ter 12. Conseguiu vender dez pipas de consumo a uma empresa que pagou mil euros por pipa de vinho do Porto e 500 euros pelas de vinho de mesa.
“Deus queira que este ano se mantenha”, disse, acrescentando que já fez cinco tratamentos à vinha devido ao clima instável da primavera.
Outros produtores partilham dificuldades semelhantes. Joaquim Carvalheira, 70 anos, conta com o apoio do filho para manter a produção. Caso tivesse de contratar trabalhadores, diz, “não dava para as receitas”. Também já realizou cinco tratamentos às vinhas e prevê menor produção.
António Lareiro, 71 anos, afirma que “há três anos que não recebe” pela uva entregue numa adega da região. “Se fosse a viver disto, já tinha abandonado. É prejuízo atrás de prejuízo.”
Já Acácio Correia, 67 anos, decidiu arrancar a vinha que tinha em Armamar e plantar macieiras e cerejeiras. “Trabalhar para os outros não compensa. As cerejas esgotam, a vinha só dava despesa", reforça.
Mais fiscalização e intervenção do Estado
Entre as exigências que serão levadas à manifestação, estão ainda:
- Proibição da compra de uvas abaixo dos custos de produção
- Prioridade à aguardente regional na produção de vinho do Porto
- Reforço da fiscalização sobre a entrada de mostos e vinhos de fora da região
- Intervenção do Estado para adquirir os ‘stocks’ excedentários das adegas cooperativas
- A concentração de quarta-feira pretende ser um sinal claro de resistência e de exigência de medidas concretas para salvar o Douro agrícola da decadência.
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